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March 20, 2018 | Author: Anonymous | Category: Espiritual
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Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Letras Modernas

Ana Paula Silva

Góngora e Gregório de Matos: O gênero epidítico em três pares de sonetos

São Paulo 2009

Ana Paula Silva

Góngora e Gregório de Matos: O gênero epidítico em três pares de sonetos

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana, da Faculdade

de

Filosofia,

Letras

e

Ciências

Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre. Orientador: Mario Miguel González

São Paulo 2009

Dedico este trabalho a minha filha Maria Júlia. Longos três anos e meio de trabalho, três mil quilômetros de saudades e muita paciência. “Minha mãe tá em São Paulo, estudando”.

Agradecimentos Agradeço a Deus todas as oportunidades que tive até a conclusão desta pesquisa. Ao Prof. Dr. Mario Miguel González pela orientação, a convivência, o muito que me ensinou: a prudência, a tolerância, a amizade, o carinho e principalmente o crédito que deu a minha capacidade para desenvolver este trabalho. Aos Profs. Drs. João Adolfo Hansen, María de la Concepción Piñero Valverde, Maria Augusta da Costa Vieira, Melchora Romanos e Adma Fadul Muhama, pela orientação e apoio na definição de uma linha de pesquisa até então desconhecida por mim. À Sônia Maria, pelo primeiro incentivo, à Alana e ao César, pelo acolhimento durante minha estadia em Jaru. Aos meus pais pelo apoio e pelo cuidado com a minha filha. Ao meu irmão que sofreu comigo, desde a inscrição até às incríveis explicações matemáticas sobre o silogismo em discussões totalmente sem sentido. Ao Beto, apesar de tudo. À CAPES, pela concessão da bolsa no momento exato. Às minhas amigas Rosana e Kelly. À aguda companheira de curso Karina Esther e o enorme conhecimento de retórica, poética e literatura latina que comigo compartilhou. Aos colegas de Pós-Graduação Eleni Nogueira, Ana Cruz, Maria Inês, Vera Helena e Lucinéia. Aos companheiros do Español en el Campus, Carolina, Fábio. Aos novos colegas do cartório, Renatinha, Santi, Lumy, Leny, “Chiquinha” e todo o pessoal. Ao Marco, por me tirar da solidão. Em síntese, a todos que me ajudaram, direta ou indiretamente, ninguém faz nada sozinho. “Nenhum homem é uma ilha”.

Empreend los que escribís un tema adecuado a vuestras fuerza y reflexionad largo tiempo acerca de qué rechazan o qué aceptan llevar vuestros hombros. Al que haya elegido el tema a la medida de sus fuerzas no le abandonarán ni la facilidad expresiva ni el orden claro. HORÁCIO, Arte Poética.

Antes que o fio de prata se rompa e a taça de ouro se parta, antes que o jarro se quebre na fonte e a roldana rebente no poço. Então o pó volta para a terra de onde veio, e o sopro vital retorna para Deus que o concedeu. Eclesiastes 12, 6-7.

Resumo O objetivo deste trabalho foi o de fazer um estudo comparativo entre três pares de sonetos de gênero epidítico, de Góngora e Gregório de Matos, que tratam de alguns lugarescomuns do tema da morte, a fim de investigar como os autores operaram com a escolha dos topos na configuração da invenção retórica dos discursos, pressupondo que o conceito de originalidade ou o de plágio não são aplicáveis a autores do século XVII, já que a primacia da escritura advém da imitação das autoridades antigas, quinhentistas ou contemporâneas dos próprios poetas, na obediência à preceptiva da imitatio aristotélica ou da aemulatio. Pressuposto a obediência às regras ditadas pelas retóricas e poéticas, tratamos de verificar os processos de elaboração elocutiva dos textos, com o intuito de corroborar os procedimentos que diferenciariam Gregório de Matos como imitador de Góngora, inseridos em seu contexto cultural e considerando, também, a mentalidade da morte nos séculos XVI e XVII, desde a perspectiva da ortodoxia católica, fortemente regrada no Concílio de Trento.

Palavras-chave: Góngora, Gregório de Matos, Retórica, Poética, morte.

Abstract

This work aims to propose a comparative analysis among three pairs of poems of the praising gender, written by Gongora and Gregorio de Matos, about some topos concerning death, to investigate the way these authors work with the concept of originality or of copy are not allowed to XVII century writters, once the first production comes from immitating ancient authorities, from the XVI century or contemporary of the same poets, obbeying to preceptive of aristothelic imitatio or aemulatio. Taking the obbey to rules of retorics and Poethics, in this work we try to search the proceedings of elocutive elaboration of the texts, intending to proove the proceedings that make the diference between Gregorio de Matos as Gongora´s immitator, in their respective cultural contextes and regarding, also, the mentality of death at the XVI and XVII centuries, since the perspective of Catholic Ortodoxy, dramatically ruled by the Trent Concile.

Keywords: Góngora, Gregório de Matos, Retoric, Poetics, death.

Sumário Introdução......................................................................................................................................10 Capítulo I - A Concepção da Morte no Ocidente Europeu (Séculos XVI e XVII)......................23 1.1. A mentalidade cristã.........................................................................................................23 1.1.1.A pastoral do medo....................................................................................................24 1.1.1.1.O macabro no século XV......................................................................................24 1.1.1.2.O macabro no século XVI.....................................................................................25 1.1.1.3.O macabro no século XVII...................................................................................26 1.1.2.A morte de si mesmo.................................................................................................28 1.1.3. A morte do outro.......................................................................................................30 1.1.4.A mentalidade tradicional..........................................................................................30 1.2. Alguns topoi da tópica da morte......................................................................................31 Capítulo II - Gênero epidítico e o topos do Escarmiento..............................................................35 2.1. Plano Analítico.................................................................................................................40 2.1.1.A Invenção.................................................................................................................40 2.1.2.A Elocução.................................................................................................................43 2.2. Plano Integrativo...............................................................................................................63 2.2.1.En el Sepulcro de la Duquesa de Lerma....................................................................63 2.2.2.A Morte da Augusta Senhora d. Maria, Francisca, Izabel de Saboya, que Falleceo em 1683. 71 Capítulo III - O gênero epidítico e o topos da Consolação...........................................................80 3.1. Plano Analítico.................................................................................................................84 3.1.1.A Invenção.................................................................................................................84 3.1.2.A Elocução.................................................................................................................91 3.2. Plano Integrativo............................................................................................................103 3.2.1.De la Capilla de Nuestra Señora del Sagrario, de la Santa Iglesia de Toledo, entierro del Cardenal Sandoval..........................................................................................................103 3.2.2.Epitáfio à Sepultura do mesmo Exmo. Senhor Arcebispo......................................112 Capítulo IV - O gênero epidítico e o topos do Carpe Diem........................................................120 4.1. Plano Analítico...............................................................................................................124 4.1.1.A Invenção...............................................................................................................124 4.1.2.A Elocução ..............................................................................................................128 4.2. Plano Integrativo............................................................................................................140 4.2.1.[1583].......................................................................................................................140 4.2.2.Terceyra vez impaciente muda o Poeta o seu Soneto na forma seguinte...............147 Conclusão.....................................................................................................................................157 Referências Bibliográficas.....................................................................................................162 Bibliografia consultada..........................................................................................................166

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Introdução

O objetivo desta dissertação é verificar, através da análise de três pares de sonetos dos poetas Gregório de Matos e Guerra, no Estado do Brasil, e Luís de Góngora, na Espanha, como funcionam tais discursos, retoricamente, na composição do elogio e alguns lugarescomuns da tópica1 da morte, tendo como pano de fundo o contexto histórico da Contra-Reforma e o forte regramento imposto pelo Concílio de Trento. É útil especificar que não se pretende vincular os textos ao contexto histórico-social imediato, relacionando-os com a cena que os autores utilizam como referencial da composição, ou em termos vigentes na época, relacionálos com a ocasião que pode ter servido como impulso para a composição. Tampouco pretendemos investigar os textos tendo em conta a biografia dos autores2 e, por conseguinte, 1

Não cabe, neste trabalho, uma discussão teórica para definir as diferenças conceituais entre os termos: tópica(s), tópico(s), topos/topoi, lugar-comum (locus communis). Consideraremos o conceito tópica, para referir o tema amplo da morte e da mortalidade. Topos/topoi e lugar-comum/lugares-comuns, como sinônimos que indicam as formas vazias da grelha retórica (BARTHES, 1985), ou pensamentos genéricos de uma quaestio infinita que podem ser aplicados a uma quaestio finita, na composição do discurso, ou ainda, os lugares que são achados e aplicados em exercícios retóricos (progymnásmata). Não trataremos do exercício retórico denominando lugar-comum, assim como a chría, o relato, a fábula, etopéia e outros como é ensinado por Teón, Hermógenes e Aftonio em seus respectivos Ejercicios de Retórica (1991). 2 No que diz respeito a Góngora, há uma grande bibliografia sobre sua vida e obra. Há vários ajuizamentos sobre sua obra, contemporâneos ao poeta, negativos, no caso específico de Jáuregui, Quevedo e Lope de Vega e positivos, como em Pellicer ou Gracián. Sabemos que grande parte dos sonetos publicados nas obras completas são autógrafos e existem uns poucos cuja autoria gera certa dúvida, sendo atribuídos ao poeta cordovês. No entanto, no caso de Gregório de Matos, não há texto autógrafo do autor, mas vários poemas coletados, um século depois, pelo licenciado Manuel Pereira Rabelo. “A questão da autoria dos poemas assume outro sentido, pensando-se que o termo ‘memórias’, independentemente de seu conteúdo, designa uma ação produtiva e deformante sobre obras que Rabelo afirma ter recolhido já ‘destruncadas’ pelo tempo. Embora útil para delimitar e nomear um corpus, a autoria não é, considerada a mesma constituição do corpus por Rabelo, pressuposto necessário para o estudo dos poemas reunidos sob a rubrica ‘Gregório de Matos e Guerra’. A autoria, no caso, é produzida pela unificação que se torna produtiva a posteriori: ‘Gregório de Matos’ é uma etiqueta ou um dispositivo discursivo, unidade imaginária e cambiante nos discursos que o compõem contraditoriamente numa hierarquia estética determinada pela ‘cadeia de recepções’, na expressão de Jauss. Não-substancial, é efeito ou produto da leitura dos poemas atribuídos, não sua causa ou origem”. (HANSEN, 2004, p. 31). Vale lembrar que o ajuizamento ou crítica que se faz a obra atribuída a Gregório de Matos, em vários casos, não levam em conta esse dado primordial sobre a questão da autoria. Por isso optamos por fazer a leitura do texto dos dois poetas considerando principalmente as regras da composição poética vigente. Uma dessas regras determina a criação de um ethos para a pessoa que fala no texto, modernamente alcunhado eu-lírico. No entanto, dada a carga conceitual terminológica do termo, optamos por designar esse ethos criado com artifício retórico, de persona, que não se confunde jamais com o próprio autor. Por esta razão desconsideramos qualquer referência à vida do autor e até mesmo da ocasião referida nos poemas para descobrir nada mais que os artifícios empregados por Góngora e Gregório de Matos, reprise-se. Como ponto de partida, pressupõe-se se a criação de um ethos de forma a não julgar a “modernidade”, de um ou o “plágio”, do outro. Cada qual cria um ethos, cada qual escolhe “famílias poéticas” (filosóficas, retóricas, teológicas) a qual emula. Isto posto, não queremos ajuizar valores estéticos de

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atrelando esta, a uma leitura que considerasse algum dado de subjetividade que, se há, é irrelevante para a finalidade que propomos. Queremos, na verdade, fazer uma leitura dos textos tendo em conta a preceptiva retórico-poética que regra as escolhas dos lugares-comuns da invenção retórica e da elaboração elocutiva destes lugares, cuja finalidade, em se tratando de poemas líricos, é a de deleitar, mas também, em muitos casos, a de ensinar o interlocutor sobre uma Verdade vinculada, em geral, à mentalidade ortodoxa católica para mover a vontade na mudança de comportamento. Escolhemos contribuir com uma leitura baseada na perspectiva proposta por Ernest Curtius, em sua obra Literatura Européia e Idade Média Latina, que propõe a continuidade dos topoi e gêneros da Antigüidade como “tradição” ocidental.

O ‘presente intemporal’, essencialmente peculiar às Letras, mostra que a literatura do passado pode continuar atuante na do presente. [...] Há aqui uma inesgotável abundância de possíveis inter-relações. Há, além disso, o jardim das formas literárias: sejam gêneros [...] sejam formas métricas e estróficas, sejam formas estereotipadas, ou temas narrativos, ou artifícios de linguagem (CURTIUS, 1996: 47).

No entanto, ampliamos a leitura de Curtius, que serviu como primeiro impulso para pensar na categoria da tradição, para assumir outra categoria, a de que os autores do XVII admitiam “famílias poéticas” que despertavam a admiração enquanto autoridades do bem escrever3. Esses superioridade ou inferioridade de um autor em relação ao outro, nem “originalidade”. O que há são diferenças específicas no tratamento dos lugares da invenção e da elocução. Sobre a construção de persona, conferir o capítulo “Um nome por fazer”. In: HANSEN, João Adolfo. A Sátira e o Engenho: Gregório de Matos e a Bahia do Século XVII. ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: Editora da UNICAMP, 2004. e “Parte I – Gênero e Tópica”. In: ACHCAR, Francisco. Lírica e Lugar-Comum: Alguns Temas de Horácio e sua Presença em Português. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994. Os autores tratam de elucidar a questão da instauração de um eu-poético que não pode ser confundido com o próprio autor, além de discutir questões como a sinceridade do poeta ou o caráter pessoal (ético, moral, sentimental) que transpareceria no discurso. Adotamos o mesmo ponto de vista de Hansen e Achcar de que o poeta instaura uma persona que não reflete, necessariamente, seu ponto de vista sobre o mundo, mas que serve, retoricamente, para a construção de um personagem que fala de si, fala com outro ou que fala de outro, dependendo de que aspecto retórico-poético quer explorar em seu texto. Veja-se, também, sobre a busca da identidade do autor, em texto criado com artifício retórico, a introdução de Ana Paula Celestino Faria e Adriana Seabra à Retórica a Herênio. 3 É preciso especificar que Góngora e Gregório de Matos, assim como outros autores anteriores ao século XVIII, durante a formação educacional, escolhiam para si, autoridades poéticas, teológicas e retóricas que serviam como objeto de emulação. Não se pode pensar que o modelo vem de um passado para um presente de forma passiva ou como investigação erudita. Até a mudança introduzida pelos românticos, no XVIII, da busca pelo emotivo, pelo subjetivo e pela originalidade na criação artística, todo o cânon de autoridades aprendidos nos anos escolares era tido como vigente e permanentemente (re)atualizado. Sobre a história da influência da retórica veja-se: PLEBE,

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modelos serviam como base da mimese que o autor pretendia fazer, não só das idéias da invenção, mas também da disposição das idéias e dos ornamentos adequados para deleitar e/ou persuadir. Pressupondo a concepção romântica do poético como expressão e, portanto, prescrevendo o conhecimento do vivido do Autor, o critério da “originalidade” – “autoria”, “novidade estética”, variantes como “plágio” – revela-se anacrônico, no caso, quando se considera o estilo. A poesia engenhosa do século XVII é um estilo, no sentido forte do termo, linguagem estereotipada de lugares-comuns retórico-poéticos anônimos e coletivizados como elementos do todo social objetivo repartidos em gêneros e subestilos. Evite-se o estereótipo: “estereotipada” significa aqui, nem mais nem menos, fortemente regrada por prescrições de produção e recepção, não o pejorativo do desgaste dos usos e redundância (HANSEN, 2004, p. 32).

A poesia de Góngora e Gregório trabalha com a tópica da morte segundo os critérios e categorias particulares de um tempo diverso do nosso, cuja diferença é útil especificar4. É preciso especificá-los a fim de fazer uma outra leitura dos textos destes autores, não apenas concentrando nossa leitura neles, mas atentando ao fato de que no século XVI e XVII, o conceito de “originalidade” não é fator determinante para a produção literária ou artística. O reconhecimento da beleza do discurso é dado pela capacidade do poeta de sujeição aos preceitos do gênero e criar, a partir deles, novas possibilidades de construção e renovação do sentido. A imitação, considerada em termos aristotélicos, é pressuposto da configuração artística. Consiste não só em repetir o tema de autores considerados exemplares, mas em apropriar-se do estilo do Armando. Breve História da Retórica Antiga. (trad. e notas Gilda Naécia Maciel de Barros). São Paulo: EPU: EDUSP, 1978; SPINA, Segismundo. Introdução à poética clássica. São Paulo: FTD, 1967; BARTHES, Roland. A Aventura Semiológica. (trad. Maia de Sta. Cruz). Lisboa: Edições 70, 1985; MARTÍ ALANÍS, Antonio. La preceptiva retórica española en el Siglo de Oro. Madrid: Gredos, [1972]; CURTIUS, Ernst Robert. (trad. Teodoro Cabral e Paulo Ronai). Literatura Européia e Idade Média Latina. São Paulo: Hucitec, 1996. 4 Vamos especificar as categorias particulares da retórica e da poética utilizadas nas escolhas da invenção e da elocução na configuração dos ornamentos. As categorias como engenho, agudeza, prudência, gosto, vulgaridade, ocasião utilizadas como categorias particulares do ajuizamento sobre as obras dos autores do século XVII, e mesmo nas preceptivas daquele momento, ou ainda, nas relações sociais de Corte, não serão tratadas particularmente. Sobre essas categorias conferir: HANSEN, João Adolfo. A Sátira e o Engenho: Gregório de Matos e a Bahia do Século XVII. ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: Editora da UNICAMP, 2004; HANSEN, João Adolfo. “Vieira e a agudeza” In: Antônio Vieira, o imperador do púlpito. Volume I. Coordenação de Joaci Pereira Furtado. São Paulo: Cadernos do IEB - USP, 1999; PÉCORA, Alcir. “Argumentos afetivos nos sermões fúnebres do Padre Antônio Viera” In: Antônio Vieira, o imperador do púlpito. Volume I. Coordenação de Joaci Pereira Furtado. São Paulo: Cadernos do IEB - USP, 1999; PÉCORA, Alcir. Teatro do Sacramento: a unidade teológico-retórico- política dos sermões de Antonio Viera. 2. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP; São Paulo, SP: Editora da USP, 2008; CARVALHO, Maria do Socorro Fernandes de. Poesia de Agudeza em Portugal: Estudo Retórico da Poesia Lírica e Satírica Escrita em Portugal no Século XVII. São Paulo: Humanitas Editoral; Edusp; Fapesp, 2007.

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autor, ou seja, aquele que quer ser respeitado por seus escritos deve escolher um modelo que faça parte do cânon de escritores exemplares e esmerar-se em escrever como se fora o mesmo autor, seguindo o seu estilo com precisão. Como ensina Hansen (2004, ps. 32,33) sobre a poesia do século XVII: Não é “inventiva” - no sentido rotineiro de “expressão esteticamente desviante” -, mas engenhosa, aguda e maravilhosa, no sentido das convenções sociais seiscentistas da discrição cortesã, do gosto vulgar, do engenho agudo e da fantasia poética. Ao poeta seiscentista nada é mais estranho que a originalidade expressiva, sendo a sua invenção antes uma arte combinatória de elementos coletivizados repostas numa forma aguda e nova que, propriamente, expressão de psicologia individual “original”, representação realista-naturalista do “contexto”, ruptura estética com a tradição etc. Entre tais elementos, a obscenidade está prevista num sistema de tópicas, articulando-se retórica e politicamente nos poemas segundo gêneros, temas e destinatários específicos. Categorias como “pessimismo”, “ressentimento”, “plágio”, “imoralidade”, “realismo”, “oposição nativista crítica”, “antropofagia”, “libertinagem”, “revolução”, que vêm sendo aplicadas por várias críticas desde o século XIX aos poemas ditos da autoria de Gregório de Matos, podem ter algum valor metafórico de descrição de um efeito particular de sentido produzido pela recepção. Não dão conta historicamente, contudo, do seu funcionamento como prática discursiva de uma época que, desde a obra de Heinrich Wölfflin, o século XX constitui neokantianamente como “barroca”: como categorias analíticas, são apropriadas antes para o desejo e o interesse do lugar institucional da apropriação que propriamente para o objeto dela.

Vejamos como o conceito de imitação aparece em alguns métodos preceptivos retóricos e poéticos: Dionísio de Halicarnasso (Tratado da imitação, 1986, p. 50): Com efeito, a imitação não é a utilização dos pensamentos, mas sim o tratamento, como arte, semelhante ao dos antigos. E imita Demóstenes não aquele que diz o mesmo que Demóstenes, mas sim o que diz à maneira de Demóstenes. E o mesmo se diga quanto a Platão e Homero. Toda a imitação se resume nisto: emulação da arte que refunde a semelhança dos pensamentos.

Horácio (Arte Poética, p. 134, v. 260): Vosostros tenéis que darles vueltas y vueltas en vuestras manos, día y noche, a los modelos griegos.

Fox Morcillo (De imitatione, 1994, p. 186)

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[...] imitar no es otra cosa que meterse en el espíritu, las costumbres y la naturaleza del autor que uno haya aprobado, y al mismo tiempo, reproducir su forma de pensar y de hablar

e por último, Fernando de Herrera (Anotaciones a Garcilaso , p. 163) [...] assi conviene que siga el poeta la idea del entendimiento, formada delo mas aventajado que puede alcançar la imaginacion; para imitar della lo mas hermoso i ecelente. bolviendo pues a lo primero, no son indinas de ser leidas i estimadas, las elegias i sonetos, cuyos intentos son comunes, sino las que son umildes i vulgares. porque no es grandeza del poeta huir los concetos comunes, pero si, cuando los dize no comunmente. i cuanto es mas comun, siendo tratado con novedad, tanto es de mayor espiritu, i, si se puede dezir, mas divino.

Seguindo a lição de João Adolfo Hansen5, a poesia de Gregório de Matos não faz plágio de Góngora ou de quaisquer outros autores (Quevedo, Sór Violante do Céu, Camões, Garcilaso, dos autores latinos ou gregos), mas admite-os no seu cânon de autores dignos de imitação6. Esta

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Também aceitamos as propostas de leitura retórico-poética de produções discursivas anteriores ao século XVIII, como verificamos em estudos de: PÉCORA, Alcir. Teatro do Sacramento: a unidade teológico-retóricopolítica dos sermões de Antonio Viera. 2. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP; São Paulo, SP: Editora da USP, 2008, CARVALHO, Maria do Socorro Fernandes de. Poesia de Agudeza em Portugal: Estudo Retórico da Poesia Lírica e Satírica Escrita em Portugal no Século XVII. São Paulo: Humanitas Editoral; Edusp; Fapesp, 2007, ACHCAR, Francisco. Lírica e Lugar-Comum: Alguns Temas de Horácio e sua Presença em Português. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994, PINEDA, Victoria. La imitación como arte literario en el siglo XVI español. Sevilla: Diputación Provincial de Sevilla, 1994. Além disso, seguimos orientações indicadas pelas Profas. Dras. Maria Augusta da Costa Vieira, Adma Fadul Muhama e Melchora Romanos. 6 Note-se que só no caso específico de Gregório de Matos existe a acusação de plágio. No entanto, Góngora também imita vários autores. No seu caso, considera-se a citação dos autores como Horácio, Garcilaso, Sannazzaro, Petrarca, Camões e outros, como signos da extrema erudição do poeta cordovês. É impressionante como o mesmo fenômeno da imitação é tão desproporcionadamente considerado. Em relação a Góngora há, após a geração de 27, uma supervalorização de sua poesia. Busca-se sempre o caráter original dela, desconsiderando os paradigmas de criação das “Bellas Letras” do momento do poeta, já que há vários “testemunhos” que ajuizam sobre sua obra. Para mostrar erudição, o próprio comentarista, como Pellicer e outros, tratam de evidenciar as obras e autores imitados pelo poeta como signo de distinção positiva, tanto a do poeta por havê-los imitado quanto a do comentarista, discreto, que reconhece a imitação. O vitupério duríssimo de Jáuregui, Quevedo, Lope e outros a Góngora, não se deve ao fato de que ele imite, e sim à acusação de que o mesmo não respeita às regras de perspicuitas do discurso e utilize ornamentação grave para assuntos considerados de gênero humilde (Retórica a Herênio, IV, 11-16) nas Soledades e na Fábula de Polifemo y Galatea. Veja-se PARIENTE, Angel. (org.). En torno a Góngora. Madrid: Ediciones Júcar, 1986, coletânea de vários textos da polêmica gongorina, desde autores contemporâneos ao poeta à crítica literária mais recente e também o artigo BORGES, Cássio. Notas à polêmica seiscentista da poesia culta: argumentos de autoridade. In: V CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS UFMG. I CONGRESSO INTERNACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISPANISTAS, 2008, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2009. p 426-435. CD-ROM. Esta retomada nos permite ver, por outro lado, como a crítica mais recente da obra de Gregório de Matos (GOMES, 1985 e SALLES, 1975), que o acusam de plagiador, na verdade, partem de uma conceituação romântica de originalidade que não é o objetivo da criação literária dos Seiscentos. Desta maneira, é possível contribuir, mais uma vez, para desfazer o equívoco da leitura da obra de Gregório de Matos como plágio de autores modelares que ele emula ou imita e verificar justamente que o que, numa leitura superficial, parece mera cópia, na verdade é a transformação de lugares-comuns recorrentes e imitação do estilo do autor emulado.

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proposta de leitura também é pertinente no caso específico de Góngora, já que existe a necessidade da releitura de sua obra considerando a “crítica” da época do autor. Vicente Gaos, em seu artigo “Góngora y la historia de la crítica” (Claves de la Literatura Española I. Edad Media. Siglo XIX), elogia a crítica de 1927, principalmente Dámaso Alonso, pela leitura correta dos poemas gongorinos, mas repudia a excessiva valorização do poeta cordobês, que se torna um marco de revalorização devido ao momento literário da época, que vivia uma aguda polêmica de “impugnar la secular ceguera de la crítica oficial para Góngora, y de acentuar, a la vez, la reacción al pedestre y falso realismo poético”. Sugere uma releitura da obra gongorina retomando tanto a crítica da época do autor, até Menéndez Pelayo (Historia de las Ideas Estéticas en España), a fim de buscar o equilíbrio da leitura e apreciação de Góngora: nem o ufanismo de 1927 e nem a visão de uma poesia degenerada. Na mesma linha de investigação proposta por Gaos, temos Robert Jammes que também trata de mostrar Góngora como o poeta por excelência no século XVII. Modelado pela cultura, alimentado por múltiplas “tradições”, não deixa de ser o inventor de uma “nueva poesía” que, pela virtude de uma linguagem de plenitude absoluta, capta a essência mesma da coisa e exalta o mundo, recriando-o. Segundo Jammes, a obra de Góngora escapa a classificações e compartimentações. Mostra suas características principais deixando de lado o preconceito e críticas negativas dos adversários desta poesia, como também o elogio desmesurado da crítica literária, que tratam de enquadrá-lo, tanto nas idéias estéticas da época, como, contemporaneamente, o seu exame superficial através de algumas perífrases, emite, sobre sua obra, juízos que não condizem com a mesma, modelando uma imagem do autor segundo o ideal estético moderno de “poesia pura”. Pressupondo que os dois autores fazem imitação ou emulação de outros é útil especificar um pouco mais. Não temos a intenção de verificar os autores imitados por Góngora, seria outro trabalho. Em alguma medida, trataremos de fazer referência à imitação feita por Góngora no interior dos sonetos do corpus quando necessário para a leitura dos textos. Góngora

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é considerado, para fins deste trabalho, como autoridade-modelo para a composição dos sonetos atribuídos a Gregório de Matos. Sem embargo, consideramos também os lugares-comuns da invenção de cada autor não considerado como imitação, mas como regras da arte: A partir de lo dicho queda claro que con respecto a estas cuestiones es forzoso tener primero las premisas. Pues las pruebas, lo que es verosímil y los indícios son las premisas retóricas. Y es que en general un razonamiento se configura a partir de unas premisas, y el entimema es un razonamiento conformado por las citadas premisas. Dado que no es posible hacer ni que se haya hecho lo imposible, sino solo lo posible, y tampoco es factible que lo que no ha ocurrido pueda haberse hecho y que lo que no va a ser llegue a hacerse, es asimismo forzoso tanto para el que aconseja como para el que juzga o el que hace un discurso de exhibición que recurra a premisas acerca de lo posible o lo imposible y sobre si ocurrió o no y si será o no. Además, dado que todos, tanto los que alaban y reprueban como los que exhortan y disuaden o los que acusan y se defienden, intentan demostrar lo que dicen, pero también que algo es grande o pequeño, honroso o vergonzoso, justo o injusto, sea porque lo refieren al objeto de su discurso, sea porque forma parte de una comparación, es obvio que necesitarían disponer de premisas referidas a la grandeza o pequeñez, a lo mayor y lo menor, tanto en general como en particular. Y algo semejante sucede con lo demás, por ejemplo qué bien, qué delito o qué acción legal es mayor o menor. Así que queda dicho lo que se refiere a las premisas que necesariamente deben tomarse en cuenta. A continuación hemos de distinguir en particular las que se refieren a cada una de ellas, por ejemplo cuáles se refieren a la deliberación, cuáles a los discursos de exhibición y cuáles, en tercer lugar, a los juicios (ARISTÓTELES, Retórica, I, III, 1359a).

O gênero demonstrativo ou epidítico é um dos três gêneros da retórica clássica. “O demonstrativo destina-se ao elogio ou vitupério de determinada pessoa” (Retórica a Herênio, I, 2). Teón (Ejercicios de Retórica, 109, 110) especifica um pouco mais o gênero também denominando-o por encômio: Un encomio es una composición que pone de manifiesto la grandeza de las acciones nobles y de las otras buenas cualidades de un personaje determinado. Pero en la actualidad se llama propiamente “encomio” el que va dirigido a los vivos, mientras que el relativo a los muertos se denomina “epitafio” y el relativo a los dioses “himno”. Sin embargo, ya encomie uno a los vivos, ya a quienes han fallecido, o tanto a héroes como a dioses, uno solo y el mismo es el método de la argumentación . Se llama “encomio” porque los antiguos en un kómos y por entretenimiento hacían las alabanzas a los dioses. Puesto que principalmente se alaban las buenas cualidades y, en nuestra opinión, de las buenas cualidades, unas se refieren al espíritu y al carácter, otras al cuerpo y otras son externas, está claro que ésos serían los tres aspectos a partir de los cuales conseguiremos hacer un encomio.

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Menandro, o retor, quanto ao elogio aos mortos, alcunha-o de epitáfio e subdivide-o em três subgêneros: o epitáfio, a consolação e a monodia. Utiliza-se, nos sonetos, também outro gênero retórico: o deliberativo. “Convém que todo discurso daqueles que sustentam um parecer tenha a utilidade como meta, de modo que o plano inteiro de seu discurso venha a contemplála” (Retórica a Herênio, III, 3). Desta forma os sonetos inter-relacionam os dois gêneros, como ensina o próprio Aristóteles (Retórica, I, 9, 1368a): El elogio y la deliberación tienen una faceta común, pues lo que podría sugerirse en la deliberación se torna en elogio si se varía la forma de expresión. Una vez que sabemos lo que debe hacerse y qué cualidades hay que poseer, para expresarlo en forma de consejos no hay más que cambiar la forma y darle la vuelta a la expresión.

A escolha da forma do soneto para o elogio também segue a preceptiva da Poética aristotélica e implica vários outros artifícios na construção do discurso. Y ya que los que imitan mimetizan a los que actúan, y éstos necesariamente son gente de mucha o poca valía [...] los mimetizan del mismo modo que los pintores, o mejores que nosotros, o peores o incluso iguales... (ARISTÓTELES, POÉTICA, 1.448a).

Para guardar o decoro, é preciso pensar nas várias partes do discurso: o ethos da persona (a voz que fala no poema), a forma do texto (soneto), a construção do ethos das pessoas das quais fala, a invenção e a elocução. O ethos da persona dos poemas está construído por um caráter filosófico seguindo o preceito: Los antiguos oradores, y principalmente los que gozaron de buena reputación, creían que era preciso no acercarse a ninguna modalidad de oratoria antes de haber tenido algún tipo de contacto con la filosofía y de estar imbuidos, gracias a ella, de su amplitud de pensamiento. Pero ahora la mayoría está tan lejos de hacer caso de tal tipo de advertencias que, sin tener la menor instrucción en los llamados “estudios liberales”, se lanzan a pronunciar discursos, y de la manera más tosca de todas, porque, sin haberse ejercitado en las materias oportunas, se precipitan en las hipótesis judiciales y deliberativas, aprendiendo, según dice el refrán, la alfarería por la tinaja. (TEÓN, Ejercicios de Retórica, 59)

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A forma do soneto também serve para a construção adequada do discurso que exalta a nobreza do elogiado. I en ningun otro genero se requiere mas pureza i cuidado de lengua, mas templança i decoro; donde es grande culpa cualquier error pequeno; i donde no se permite licencia alguna, ni se consiente algo, que ofenda las orejas, i la brevedad suya no sufre, que sea ociosa, o vana una palabra sola. (HERRERA, [s/d], p. 144)

É na elocução que o poeta mostra a sua engenhosidade e agudeza. A elocução, segundo a Retórica a Herênio (I, 3) “é a acomodação de palavras e sentenças adequadas à invenção”. Os discursos devem guardar o decoro interno e externo e ser adequados ao assunto, à pessoa do orador ou ao elogiado. A articulação pragmática da enunciação, que figura o "eu" e o "tu" segundo as posições institucionais da hierarquia e a avaliação do sentido do que se representa conforme o código fidalgo de excelência, constituindo situações narrativas e dramáticas e posicionamentos sociais para a enunciação explicitar seu ponto de vista ético e teológico-político sobre as matérias tratadas (HANSEN, PÉCORA, Letras Seiscentistas na Bahia, p. 16).

Assim a elocução deve adequar-se a esta articulação pragmática na escolha de um dos três gêneros da elocução oratória: Há três gêneros, que denominamos figuras, aos quais todo discurso não vicioso se reduz: um chamado grave, outro médio e o terceiro ténue. O grave é composto de palavras graves em construção leve e ornada. O médio constitui-se de uma categoria de palavras mais humilde, todavia não absolutamente baixa e comum. O atenuado desce ao costume mais usual da simples conversa. (Retórica a Herênio, IV, 11)

Isso significa que a elocução deve estar de acordo com a preceptiva (Aristóteles, Herênio, Fox Morcillo, Herrera). A elocução é adequada quando o poeta compõe o elogio levando em conta a gravidade do assunto, as pessoas das quais fala, a ocasião e o público. Lembremo-nos de que havia nessa época a distinção entre o vulgar e o discreto. O vulgar é o tipo que não tem prudência e nem juízo e o discreto é o tipo que se distingue socialmente, por sua prudência, juízo e ingenio (HANSEN, 2004; CARVALHO, 2007). Diferentemente do vulgar, sabe ajuizar e reconhecer o artifício da composição. Os discursos são elaborados

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levando em conta esse tipo de leitor. Além disso, seguindo a preceptiva poética de Horácio (Arte Poética, 330), deve-se ensinar deleitando. “Los poetas quieren ser útiles o deleitar o decir las cosas agradables y adecuadas a la vida. Cualquier precepto que se dé, que sea breve, para que los espíritus dóciles capten las cosas dichas de una forma concisa y las retengan con fidelidad”. Entendemos que não só a poesia gongorina, mas a poesia de outros autores do século XVII e mesmo anteriores a este momento específico, tinham como objetivo a sujeição à preceptiva e a atualização de autores tidos como autoridades através do conceito de imitação aristotélico e da emulação, que consiste em imitar um modelo com vistas a superá-lo. Es difícil exponer temas conocidos de una forma original y tú transformarás el poema iliádico en obra teatral más facilmente que si presentaras algo desconocido y que no se ha dicho. Un tema público será de tu privado poder, si no te demoras en circunloquios de poca calidad y asequibles a todos, ni fiel intérprete te preocupas en traducir palabra por palabra, ni imitando te metes en un atolladero de donde el pudor o la ley de la obra de impedirán de salir (HORÁCIO, Arte Poética, 130).

Tendo em vista a perspectiva teórica que acima expusemos, selecionamos o corpus que pretendemos investigar. São sonetos que classificamos como predominantemente de gênero retórico epidítico7, mas que pertencem também a outros subgêneros dependendo das escolhas 7

São três os grandes gêneros retóricos definidos por Aristóteles: o judiciário, o deliberativo e o epíditico. “Las especies de la retórica son tres en número, pues otras tantas resultan ser las de los oyentes de los discursos. Y es que en el discurso se implican tres factore: quién habla, de qué habla y para quién, y es este mismo, es decir, el oyente, quien determina su objetivo. Y el oyente es forzosamente o espectador o juez, y el juez ha de serlo de lo que ya ha ocurrido o de lo que va a ocurrir. Ejemplo de quien juzga sobre lo que va a ocurrir es el participante en la Asamblea, y de quien juzga sobre lo ocurrido, el juez, de modo que por fuerza tendría que haber tres géneros de discursos retóricos: deliberativo, forense y de exhibición. En la deliberación puede haber exhortación o disuasión. Y es que siempre tanto los que aconsejan en privado como los que pronuncian un discurso en público hacen una de las dos cosas. En el juicio puede haber acusación o defensa, ya que forzosamente los litigantes han de hacer una de las dos cosas. Y en cuanto al discurso de exhibición puede haber alabanza o reprobación. Y el tiempo al que se refiere cada uno es, para quien delibera, el futuro (pues se delibera acerca de lo que va a suceder, para exhortar a ello o para disuadir de ello), para quien juzga, el pasado, pues siempre es de hechos ocurridos de los que uno acusa y otro se defiende, y para el que hace una exhibición, el más apropiado es el presente, pues todos alaban o reprueban acontecimientos actuales, aunque recurren muchas veces a recordar lo sucedido y a conjeturar sobre lo venidero. La finalidad de cada uno de ellos es distinta, y hay tres porque son tres los géneros: para el que aconseja, lo que es conveniente y lo perjudicial (pues el que exhorta aconseja algo en la idea de que es mejor, y el que disuade, disuade de algo en la idea de que es peor). Lo demás, lo considera un añadido: si es justo o injusto, honroso o deshonroso” (ARISTÓTELES, Retórica, I, III, 1358ab). A Retórica de Aristóteles é texto que serve de base para várias outras retóricas escritas posteriormente. O gênero epíditico (na edição que usamos, traduziu-se o termo por exhibición) recebe outra denominação em latim, e traduzido ao português conhece-se como gênero demonstrativo. Nesse trabalho, gênero epidítico ou demonstrativo são sinônimos para discursos que servem para elogiar ou vituperar.

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feitas pelos autores no que se refere à invenção retórica e ao desenvolvimento elocutivo dos textos. São 3 pares de sonetos onde a imitação dada pelo sentido aristotélico do termo, é evidente e que serviu como parâmetro para a eleição destes sonetos e não de outros. Não obstante, a citação explícita dos sonetos gongorinos se produz apenas em dois: A MORTE DA AUGUSTA SENHORA D. MARIA, FRANCISCA, IZABEL DE SABOYA, QUE FALLECEO EM 1683 e LIZONGEA OUTRA VEZ IMPACIENTE A RETENÇÃO DE SUA MESMA DESGRAÇA, ACONSELHANDO A ESPOSA NESTE REGALLADO SONETO. O terceiro soneto, EPITAFIO À SEPULTURA DO MESMO EXmo. SENHOR ARCEBISPO, aparentemente, não é uma imitação. De qualquer modo, são questões que discutiremos no corpo dos capítulos. Não trataremos de discutir a questão de os textos pertencerem ou não ao gênero lírico 8. Fernando de Herrera em sua Poética ([s/d], p. 137) dá notícia da poesia: i en lo que permitiere esta brevedad, mostrarè alguna parte de la riqueza, que contiene el lenguaje Español con la noticia dela poesia; i dexare descubierto un rastro della i assi primeramente hare discurso de lo que pertenece al conocimiento del Soneto i de los mas apurados escritores suyos.

Consideraremos os sonetos como poesia, de gênero poético, como discursos que, diferentemente dos retóricos, cuja finalidade é a de persuadir (mas sem deixar de deleitar), visam ao deleite (mas que também podem persuadir, na medida em que possam ensinar). Apesar de serem evidentemente poéticos, como temos sempre afirmado, seguem preceitos ditados também pela retórica, principalmente no que tange à invenção do discurso, seja de que 8

Bem conhecida é a divisão, atual, dos discursos artísticos em lírico, épico e dramático. No entanto, não há um concenso no uso da nomenclatura. Desta forma, não trataremos de classificar os sonetos como líricos (não que não o sejam) simplesmente para evitar entrar nessa discussão teórica. Francisco Achcar (1994, p. 32-36), no capítulo “Lírica e Mimese”, discute o problema do termo lírica e a busca, desde o romantismo, de definições decisivas e abrangentes. Expõe ainda que Aristóteles não definiu a lírica, mas a contrapôs à épica e a tragédia. Segundo o próprio Aristóteles (Poética, 1447b): “El arte que se vale únicamente de palabras, prosa o verso, sean versos de distinto tipo combinados o de una sola clase, hasta ahora no ha recibido nombre. En efecto, no existe un nombre que abarque tanto los mimos de Sofrón y de Jenarco como los diálogos socráticos, o la mimesis que se realizara con trímetros o elegíacos o versos semejantes. Si bien los hombres, uniendo al verso la raíz de las palabras poesía-poeta (ποιεϊν) les llaman poetas, elegíacos o poetas épicos, pero poetas, no por la mimesis, sino porque en común se valen del verso”.

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gênero poético for (tragédia, comédia, poesia, épica). Como ensina Aristóteles (Poética, XIX, 1456b), é na Retórica onde se encontram elencados os lugares da invenção, mas também os operadores elocutivos (ou figuras retóricas): Se ha hablado de las otras partes y queda hablar de la elocución y del pensamiento. Lo que se refiere al pensamiento se encuentra en los libros del De retórica, pues esto es más bien propio de aquella investigación. Es propio del pensamiento cuanto es preciso que sea preparado por el lenguaie. Y partes de esto son: probar, refutar, despertar emociones (como piedad, temor, ira u otras semejantes) e incluso aumentar y minimizar.

Assim é que os sonetos, sendo poéticos, podem ser analisados também de uma perspectiva retórica. Essa perspectiva possibilitou-nos classificá-los como elogios, portanto de gênero epidítico. Mas não são somente elogios, deliberam sobre uma questão e o elogio serve para fundamentar um conselho, logo, também são delibertativos. Podemos concluir algo: não há um gênero retórico puro e sim a predominância de um gênero que variará com o critério de leitura que se adota. Contudo é possível subdividir o gênero epidítico de acordo com os vários lugares-comuns operados na elaboração do discurso e assim, especificar os elogios, de acordo com o predomínio de um determinado topos. Nessa dissertação, classificamos os sonetos como elogios que visam a um conselho. Há, a operatividade dos lugares-comuns do epidítico na conformação de três distintos topoi exortativos: o escarmiento, a consolação e o carpe diem. O primeiro capítulo tratará de introduzir o leitor sobre a mentalidade da ortodoxia católica sobre a morte, mas sem intenção de esgotá-la, já que o tema é amplo e complexo, além de especificar alguns lugares da tópica da morte, a partir de alguns estudos sobre o topos9. No 9

A pesquisa sobre a mentalidade, ainda que muito restrita, foi importante na medida em que nos obrigou a conhecer diferentes concepções sobre os problemas relacionados à questão da morte e da mortalidade que já estão muito distantes do nosso tempo. Desta forma, achamos útil expor, mesmo que precariamente, um pouco dessas idéias, sem intenção de esgotá-las, visto que há uma grande polêmica mesmo entre os próprios historiadores das mentalidades sobre essas questões. Nada mais que uma pincelada para que algum leitor desprevenido saiba pelo menos de que lugar partimos para entender o funcionamento de alguns topoi que estão fortemente arraigados em uma mentalidade da época, fortemente regrada pela influência da ortodoxia católica Baseamo-nos nos estudos sobre a mentalidade na Europa, no âmbito do século XVII. Utilizamos como referencial histórico as obras de: ARIÈS, Philippe. História da Morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. (trad. Priscila Viana de Siqueira). Rio de Janeiro: Ediouro, 2003; DELUMEAU, Jean. (trad. Álvaro Lorencini). O Pecado e o Medo: a Culpabilização no Ocidente (Séculos 13-18). Bauru: EDUSC, 2003 e HUIZINGA, Johan. El otoño de la Edad Media: Estudio de las Formas. 4. ed. Madrid: Revista de Occidente,

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segundo, terceiro e quarto capítulos trataremos de analisar os sonetos tendo em conta os topoi nos quais classificamos previamente os textos: um par de sonetos que desenvolvem o topos do desengaño; outro par, que opera com o topos da consolação e por último, um par, de topos de carpe diem10. Para analisar os textos teremos em conta a preceptiva para o gênero epidítico em geral e para cada um dos topoi, em particular, verificando o desenvolvimento adequado dos textos na obediência às regras impostas pela retórica e pela poética; o funcionamento dos textos enquanto gêneros que têm, também, uma função didática e às vezes moralizante; a adequação à invenção retórica e a mentalidade da época, ou seja, o que entendemos como a opinião ou endoxa, definida aristotelicamente; os recursos elocutivos utilizados nos sonetos e como sua escolha determina a diferença de sentido e revela a agudeza do imitador que consegue emular o modelo; os lugares próprios de cada poeta na composição do seu discurso.

1952. Como introdução à tópica da morte na literatura da época, as referências são: CAMACHO GUIZADO, Eduardo. La elegía funeral en la poesía española. Madrid: Gredos, 1969; o prefácio de Alcir Pécora ao livro de Vieira, A arte de morrer; o livro do Museo Nacional de Arte. Instituto Nacional de Bellas Artes do México, MÉXICO. Museo Nacional de Arte. Instituto Nacional de Bellas Artes. Juegos de Ingienio y Agudeza: la Pintura Emblemática de la Nueva España. México: Ediciones del Equilibrista, Turner Libros, 1994. Cada um desses estudos, com perspectivas teóricas distintas, e aplicadas a campos de investigação dispares como a pintura e a literatura, e no caso específico desta última à distintos autores e tipos de discursos, é importante na medida em que possibilitam perceber de forma muito clara, a efetiva existência desses lugares-comuns relacionados ao tema da morte e da mortalidade. 10 Francisco Achcar (1994), em tese de doutoramento, defende a existência do gênero carpe diem. Para estruturar sua defesa, evidencia a fragilidade da vida e o gozo hedonista, que deixa de ser artifício retórico para fixar-se como gênero específico, o carpe diem horaciano. Em nosso caso, deixamos de lado a noção de gênero para especificar o desegaño, a consolação e carpe diem; preferimos trabalhar com a noção de lugar-comum ou de topos para configurar cada um dos diferentes poemas, na implemantação da inventio dos discursos.

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Capítulo I - A Concepção da Morte no Ocidente Europeu (Séculos XVI e XVII)

1.1. A mentalidade cristã

Antes de iniciar a exposição é preciso ter em conta que a concepção da morte, segundo o historiador Philippe Ariés (2003) vai se modificando, lentamente, ao longo dos séculos 11. Nunca há uma ruptura propriamente dita da forma de entendê-la e representá-la e sim a agregação de novos valores que permitem a mudança na forma de senti-la. Como ensina Salinas (1952: 47-48), em seu estudo sobre as Coplas de Manrique, [...] el erotismo adoctrinado es tema poético restricto, la idea de la muerte asoma, lejos de la poesía, en los sermones, en la enseñaza de la Iglesia, en el desarrollo de la escultura funeraria, envuelve de tal manera al individuo que se puede asegurar que la representaciones artísticas de la muerte son arte popular, conocimiento sembrado a voleo, para todos, [...] para la cual todo terreno estaba preparado por el laboreo de la Iglesia, de sus prédicas y admoniciones.

Na elaboração deste resumo, tivemos a grande tentação de situá-lo no longo período histórico anterior ao século XI até o século XVII, tendo em conta a análise de Ariès sobre a mentalidade da morte no Ocidente. Porém, percebemos que apresentar o quadro completo das mudanças da mentalidade sobre ela, poderia resultar em uma leitura cansativa e desviar nosso foco de atenção. Contudo, apesar do recorte arbitrário, não devemos esquecer que a mentalidade sobre a morte é um continuum, não uma ruptura, pelo menos até o século XVII, reprise-se. É sempre a retomada de visões anteriores, com agregação de novos valores que modificam sutilmente a concepção anterior, que não desaparece, ao contrário, persiste. A mentalidade sobre a morte é 11

Apesar da enorme abrangência que implica a idéia de “ocidente”, adotamos tão somente a própria nomenclatura utilizada pelos historiadores Philippe Ariès e Jean Delumeau, que obviamente se restringem ao contexto europeu e principalmente ao contexto francês, ou ainda especificam a mentalidade sobre a morte e a mortalidade a partir de uma perspectiva cristã ou de influência judaica.

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formada de vários discursos sobre a mesma, sejam políticos, filosóficos, teológicos ou artísticos, que se interpenetram. Alguns são predominantes da Igreja, outros da classe leiga, culta e rica e há, ainda, o das comunidades tradicionais e iletradas. No entanto, a formação da mentalidade se dá não só pelo entrecruzamento dos discursos sincrônicos das diferentes classes, mas também com a concepção diacrônica da morte.

1.1.1.A pastoral do medo12 Para entender a mentalidade sobre a morte, difundida pela Igreja Católica durante o século XVII, teremos como base o estudo de Jean Delumeau, O Pecado e o Medo: a culpabilização no Ocidente (séculos 13-18) Volume 2. Nesse século, há o apogeu de uma literatura escrita por uma maioria de religiosos que visa converter o fiel através da meditação da morte. São conhecidas como “Preparações para a morte”. Várias obras deste gênero são escritas e reeditadas desde 1600 até 1699. A partir desta data, a edição desses “manuais” entra em declínio. A fim de entender as mudanças introduzidas no macabro e na escatologia, nos seiscentos, faremos uma pequena retrospectiva em relação às mesmas idéias, nos séculos XV e XVI, a fim de verificar como o macabro vai tomando novas formas neste período de três séculos.

1.1.1.1.O macabro no século XV

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Sobre a concepção da morte no século XVII, conferir às obras de DELUMEAU, Jean. (Trad. Álvaro Lorencini) O Pecado e o Medo: a Culpabilização no Ocidente (Séculos 13-18) volume II. Bauru: EDUSC, 2003. ps. 47 – 90, o capítulo intitulado “Pensai bem” onde o autor trata de demonstrar a disseminação de uma pastoral que busca aterrorizar os fiéis para obrigá-los à conversão. Para complementar a concepção por ele exposta podese recorrer à obra de ARIÈS, Philippe. História da Morte no Ocidente: da Idade Média aos Nossos Dias. (Trad. Priscila Viana de Siqueira) Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. Sobre o macabro nos séculos XIV, XV e XVI, a análise de HUIZINGA, Johan. (trad. Augusto Abelaira) O declínio da Idade Média: um Estudo das Formas. Lisboa, RJ: Editora Ulisseia, 1978.

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No século XV há uma grande exploração do aspecto macabro da morte nos sermões, na poesia, na pintura. Manifesta-se na obsessão pela idéia da morte física (morte terrena), principalmente nos aspectos da decomposição do corpo e da perecibilidade das coisas, com o objetivo de modificar a conduta do fiel, conscientizá-lo de que os bens mundanos são ilusórios (memento mori). A mesma idéia já havia sido expressa no Contemptus mundi, de Inocêncio III. Além dos sermões sobre a morte, as lições das artes moriendi13 somaram-se para desenganar os vivos das ilusões do mundo e ensiná-los a morrer.

1.1.1.2.O macabro no século XVI No século XVI persiste-se no adorno dos túmulos com os motivos do cadáver em decomposição. Se de um lado existe o discurso da Igreja que explora o caráter macabro da morte com a intenção de levar o fiel à conversão, esse mesmo caráter gera uma reflexão, nas camadas abastadas e na elite intelectual, sobre a brevidade da vida e um pessimismo em relação à mesma. Essa renúncia nasce no desgosto de ter de abandonar os bens ilusórios deste mundo e não da renúncia da sabedoria cristã. (HUIZINGA, 1978: 143 – 155). Persiste a insistência sobre os últimos instantes, com uma enorme valorização do padre e do sacramento da extrema-unção. O fiel precisa se arrepender antes de morrer para não perder sua alma. Insiste-se também na meditação da morte durante a vida, para enfrentá-la sem medo. Só se deve temer o julgamento divino. Para executar esta meditação é preciso habituar-se ao espetáculo da mortalidade. O cristão deve imaginar a própria morte e o enterro, observar os signos da morte, ou seja, visitar cemitérios, observar os ossos daqueles que também já estiveram vivos e lembrar que logo será como um deles. A meditatio mortis deve instruí-lo a desprezar a vida e o mundo, desejar a morte na esperança de outra vida. Os Exercícios 13

Livros com gravuras em madeira com a representação da morte de forma simples e óbvia com uma função didático-moralizante, principalmente em relação aos fins últimos, a agonia do enfermo e na representação da luta cósmica pela alma do moribundo entre as potências do bem e do mal (ARIÈS, 2003, p. 50).

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Espirituais, de Santo Inácio, foram importantes na retomada do macabro cristão na Reforma católica, mas não foram os únicos responsáveis por esta retomada. Ela é favorecida não só pelos jesuítas, mas por toda a pastoral católica da época. Além disso, não podemos esquecer que a Europa vivia um momento de extrema crueldade, assolada pelas guerras, pela fome e pela peste14. A sociedade passava por um período difícil, de medo e decadência, depois do “apogeu da Renascença”. Tudo isso contribui para uma ampla difusão do aspecto macabro e súbito da morte.

1.1.1.3.O macabro no século XVII No século XVII a exploração do macabro se torna mais discreta, diminui o espaço concedido às tentações da agonia e a vida aparece como uma longa preparação para a morte. É preciso entender que o macabro do século XVII é sutilmente distinto do macabro dos séculos XV e XVI. Deixam-se de lado às evocações dos corpos em decomposição. O cadáver decomposto é substituído por esqueletos e crânios, a morte secca. Essas imagens são difundidas não só nas “Preparações”, mas nas iconografias, expostas nas igrejas, hospitais, nas esculturas funerárias, nas vestimentas de confrarias de penitentes, cemitérios, relíquias de santos sob a forma de múmias com máscara de cera ou como “esqueletos vestidos e enfeitados”. Esses elementos tratam de disseminar a pastoral da meditatio mortis através de imagens chocantes para convencer o fiel a abster-se do pecado. A meditação da morte e o desprezo do mundo provocaram, neste período, na Cristandade, a reflexão sobre o tema da vaidade. Esse tema foi amplamente explorado na iconografia e na literatura. A meditação da morte possibilitou a associação entre a morte, o tempo e a vaidade. 14

Sobre o pessimismo do século XVI conferir DELUMEAU, Jean. (trad. Álvaro Lorencini) O Pecado e o Medo: a Culpabilização no Ocidente (Séculos 13-18) volume I. Bauru: EDUSC, 2003. ps. 19 – 271. O pessimismo no século XVII ver HOCKE, Gustav R. (trad. Clemente Raphael Mahl) Maneirismo:O Mundo como Labirinto. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 101.

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As “Preparações” apresentam basicamente o mesmo conteúdo, mas diferem em dois tipos de representação da morte: uma, caracteriza-se por uma pastoral doce, explorando aspectos tranqüilizantes da morte (voltadas principalmente para as elites) e outra, uma pastoral terrorista, voltada para grandes auditórios, sem distinção de classe. Há um predomínio da segunda sobre a primeira. Identificar o fundo comum aos dois tipos de obras consagradas à morte cristã é ser levado a observar que o horror e o desejo de morte coabitaram nos mesmos escritos. Não havia contradição entre as duas atitudes. A morte é horrível, sendo a pior das punições infligidas ao homem pecador. Ao mesmo tempo, ela é desejável porque põe um termo ao nosso desterro neste ‘vale de lágrimas’: ela abre para a luz (DELUMEAU, 2003: 56).

Outra forma de difusão da pastoral sobre a morte foi através dos sermões e dos cânticos. Basicamente seguem as idéias expressas pelas “Preparações”, com a introdução de algumas modificações. Primeiro é preciso assinalar a oposição entre morte “natural” baseada em Tomás de Aquino e a morte como punição pelos pecados individuais. “Essa posição se afastava sensivelmente da doutrina tomista, que via na morte um fenômeno ‘natural’ e ensinava que a imortalidade concedida a nossos primeiros pais no paraíso terrestre era ao contrário uma dádiva ‘preternatural’” (DELUMEAU, 2003: 67). A morte como punição dentro da pastoral católica tem uma preocupação “edificante”. Cada pecado cometido durante a vida é punido com uma morte cotidiana do ser, uma morte para Deus e seus ensinamentos. A associação da idéia do pecado com a morte permite entender o paradoxo da vida como morte. Se não se despreza o mundo e seus valores, cada pecado é uma morte parcial em relação à misericórdia divina, que culminará com a morte do indivíduo. Os sermões e as pregações missionárias insistirão no caráter horrível, doloroso da morte. Especialmente nesses tipos de textos retomam-se as imagens macabras dos “tormentos da agonia” e dos vermes. Insistem nos aspectos trágicos, chocantes. Exploram a sensibilidade de um grande público ouvinte para obrigá-lo a conversão pelo medo da morte “terrível” e de um Deus “irado”. Outro aspecto da descrição da morte do

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pecador vincula-se à morte súbita. Essas imagens servem para apavorar o auditório e convencêlo de que é preciso estar pronto para a morte e superar o medo que ela inspira. Primeiro, por pensar nela com freqüência e esperá-la; segundo, desejá-la ardentemente, porque só depois da morte a alma poderá desfrutar da eternidade e da companhia de Deus. Apesar de terrível em certos aspectos, a morte deve ser encarada como “liberação alegre”. É preciso desestimular a crença numa conversão in extremis. “Com esse último elemento do roteiro culmina o drama da morte do pecador, que não é mais forçosamente descrito com um derradeiro combate em que tudo pode ainda ser salvo” (DELUMEAU, 2003, p. 84). Neste ponto, percebe-se por qual motivo as imagens do juízo individual no quarto do moribundo15, das artes moriendi, do século XV, perdem espaço. Para a mentalidade do século XVII, o cristão deve passar a vida inteira meditando e desejando a morte para não ser surpreendido. “Sob a ação da Reforma católica, os autores espirituais lutarão contra a crença popular segundo a qual não era de tal forma necessário esforçar-se excessivamente em viver virtuosamente porque uma boa morte resgatava todos os erros” (ARIÈS, 2003, p. 54).

1.1.2.A morte de si mesmo A concepção da morte difundida pela Igreja Católica, através dos sermões e da pregação, atinge todas as camadas da população. No entanto, nas classes instruídas, o discurso da morte sofre uma pequena alteração. Ariès (2003) demonstra a modificação introduzida na mentalidade culta européia pela análise das sepulturas, dos testamentos, das pompas fúnebres e da nova exploração do aspecto macabro da morte. A partir do século XIV até o século XVII há uma maior preocupação em localizar o túmulo, seja através de monumento ou da efígie. Essa preocupação traduz o sentimento de 15

As artes moriendi trazem o juízo final para dentro do quarto do agonizante. A luta entre as potências do bem e do mal acontece em seu último momento. Se ceder a tentação final, irá para o inferno, se não, vai para o céu. Isto significa que a salvação pode se dar no momento extremo. Nas artes moriendi há um deslocamento do juízo, no final dos tempos, para o momento final do indivíduo.

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individualização e de permanência post mortem. Em épocas anteriores, a localização do túmulo não era importante, apenas que o corpo fosse enterrado ad sanctus, perto dos santos, das relíquias, na igreja. O enterro ad sanctus, por si só, garantiria a salvação do fiel que houvesse entregado seu corpo à proteção dos santos. Outra mudança refere-se à elaboração do testamento. O homem rico ou poderoso do começo da Idade Moderna estava profundamente ligado aos bens temporais, omnia temporalia. Esse apego, – avaritia – segundo a Igreja, era um meio seguro para o fiel perder a alma. A doação dos bens às ordens religiosas, a encomenda de missas e preces, os atos de caridade e o ingresso na vida religiosa desempenharam uma dupla função: a transformação da riqueza em garantia de salvação do indivíduo e uma forma de obrigar os sobreviventes a se lembrarem do morto. De forma simbólica, transformam-se os bens mundanos em bens espirituais (aeterna). Para esse fim o testamento desempenha um papel fundamental. O novo macabro introduzido pela Igreja no século XVII, com um caráter totalmente pastoral, na mentalidade da elite culta, rica ou poderosa, representa a consciência da presença universal da corrupção: a morte humana, a doença e a velhice como uma corrupção intra vitam. A meditatio mortis nessa classe levou a um pessimismo existencial porque o indivíduo se percebe como um fracassado, um morto em suspensão condicional. A presença da morte despedaça as ambições e envenena seus prazeres. O homem do início da Idade Moderna, desde o século XIV havia percebido sua individualidade através da morte. O ritual da morte, nas classes instruídas, revela um caráter dramático, emotivo, desconhecido anteriormente. No espelho de sua própria morte, cada homem redescobria o segredo de sua individualidade. [...] O homem das sociedades tradicionais, que não era só o da primeira fase da Idade Média, mas também o de todas as culturas populares e orais, resignava-se sem grande dificuldade à idéia de sermos todos mortais. Desde meados da Idade Média, o homem ocidental rico, poderoso ou letrado reconhece a si próprio em sua morte – descobriu a morte de si mesmo (ARIÈS, 2003, p. 63).

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1.1.3. A morte do outro Uma nova concepção sobre a morte começa a se desenvolver desde o século XVI até o XVIII, concomitantemente às outras, anteriormente descritas. Esta mudança é introduzida no mundo da fantasia e culminará nos séculos XIX e XX com o moderno culto dos túmulos e cemitérios. A morte se carrega de um sentido erótico16. Do século XVI ao XVIII, cenas ou motivos inumeráveis, na arte e na literatura, associam a morte ao amor, Tanatos a Eros – temas erótico-macabros ou temas simplesmente mórbidos, que testemunham uma extrema complacência para com os espetáculos da morte, do sofrimento, dos suplícios (ARIÈS, 2003, p. 65).

A morte passa a ser considerada uma transgressão que arranca o homem dos seus afazeres cotidianos e interrompe suas relações sociais num mundo racional. Ele é lançado num mundo irracional, violento e cruel. Esta nova mentalidade rompe com a visão de uma aceitação familiar da morte. Ela se torna separação não admitida e, a partir do século XVIII, ganhará na mentalidade ocidental um novo sentido completamente definido. Deixará de ser uma preocupação fundamentalmente individual e, retoricamente, refletirá uma preocupação com a morte do outro.

1.1.4.A mentalidade tradicional Nas sociedades tradicionais, iletradas, a mentalidade sobre a morte permanece a mesma descrita por Ariès (2003) para antes do século XI. A aceitação resignada da morte, a crença na ressurreição de todos os mortos, o resgate da má conduta durante a vida no momento da morte. A pregação religiosa da época desestimula essas crenças populares, introduzindo a idéia de 16

Sobre a erotização do tema da morte conferir também HOCKE, Gustav R. Maneirismo:O Mundo como Labirinto. p. 105.

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inferno e purgatório, separação de justos e pecadores e combate principalmente a idéia da conversão no último momento. A familiaridade com a morte era uma forma de aceitação da ordem da natureza, aceitação ao mesmo tempo ingênua na vida quotidiana e sábia nas especulações astrológicas. Com a morte, o homem se sujeitava a uma das grandes leis da espécie e não cogitava em evitá-la, nem em exaltá-la. Simplesmente a aceitava, apenas com a solenidade necessária para marcar a importância das grandes etapas que cada vida devia sempre transpor (ARIÈS, 2003, p. 46-47).

E Delumeau (2003, p. 74) concorda com a opinião de Áries (2003): Em se tratando de culturas tradicionais [...] Elas simplesmente atestam uma verdadeira familiaridade com a morte graças à qual ninguém se assustava – ou não se assusta – diante de espetáculos que provocam arrepios nos ocidentais de hoje.

1.2. Alguns topoi da tópica da morte Convém especificar que apesar de vários estudiosos da história, literatura e das artes dividirem, classificarem e definirem o recorte temporal dos séculos XVI e XVII, em Renascimento, Barroco e Maneirismo, preferimos defini-lo simplesmente como século XVII e não encontrar elementos que caracterizem o que alguns críticos como Hauser, Orozco Díaz, Hocke e Hatzfeld, só para citar alguns pesquisadores importantes, chamam de Barroco e outros de Maneirismo17. Outro dado importante é que para esboçar este preâmbulo, certamente incompleto, teremos em conta três obras cuja exposição sobre os vários lugares-comuns da tópica da morte no século XVII têm diferentes finalidades, mas que acabam por demonstrar as coincidências e corroborar que efetivamente há esses topoi da invenção retórica, mesmo que o objetivo desses estudiosos não seja esse. Vale dizer, encontram os lugares, mesmo que não os definam assim. Camacho Guizado18 trata de dar um panorama geral de alguns lugares-comuns 17

Pode-se objetar que caracterizar a tópica da morte como referente ao século XVII é arbitrária, já que a o tema se transforma ao longo do tempo e não está perfeitamente delimitado. É um recorte arbitrário e sabemos disso. Por outro lado, de alguma maneira é preciso fazê-lo e preferimos o viés temporal e não o histórico e ideológico que implicam os termos Barroco e Maneirismo. 18 Além da tópica da morte, o autor também mostra os principais recursos estilísticos utilizados na poesia do XVII, na elegia funeral espanhola.

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da tópica na literatura espanhola do XVII; Pécora, em seu prefácio, analisa os sermões de Vieira, jesuíta luso-brasileiro, em relação a três sermões que têm como referência a tópica da morte; o livro do Museo Nacional de Arte do México trata de descrever o desenvolvimento da tópica na pintura emblemática da Nova Espanha. Destarte, teremos três pontos de vista diferentes que mostram a recorrência de uma certa forma de trabalhar com o tema não só na literatura, mas na arte em geral do período. Segundo Camacho Guizado (1969, p. 155-203), podemos dividir a poesia elegíaca do século XVII em três tipos básicos: poesias de panegírico e de mecenato, a sátira elegíaca e uma poesia de reflexão sobre a morte. Baseado no estudo de Pfandl, afirma que as poesias de panegírico e mecenato são textos de “encomenda”, elaborados para agradar os sobreviventes e não aparece neles um autêntico “sentimento” pela perda. Têm uma forma apurada, mas um conteúdo “vazio”, insípido “convencionalismo”. Poesia de circunstância dedicada a mortos ilustres. Segundo Camacho Guizado, nesse tipo de poesia desaparece a lamentação, substituída pela consolação retórica. Eleva-se o personagem da elegia a categoria de herói (daí advém a principal crítica de Pfandl a esse tipo de composição), recorrência a alguns “tópicos” como a imprecação à divindade (mitológica) e referências clássicas. As sátiras elegíacas são textos cujos personagens representam uma “classe social”, um vício ou pecado, uma classe profissional (em geral médicos), ou seja, um tipo. São elaborados em forma de epitáfio e têm como características a engenhosidade, o jogo de palavras, a crítica social. Esse “humor negro” é determinado por uma visão de mundo desenganada e niilista. Os homens do século XVII estão demasiado familiarizados com a morte a ponto de não guardar o respeito, a piedade e decoro por ela, nesse tipo de composição. Na última parte do capítulo, esboça uma concepção da morte na poesia barroca. O tema da morte pode ser dividido, segundo nossa leitura, em três aspectos: neutro, negativo e positivo.

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O aspecto neutro do tratamento do tema se dá na aceitação da mesma como fato natural, bem de acordo com a filosofia estóica. O negativo, no tratamento da morte como ensinamento para o desengano do mundo, dentro da concepção cristã da meditatio mortis; a concepção culta sobre a brevidade da vida e o necessário desapego dos bens mundanos; a reflexão sobre a caducidade do mundo e dos bens humanos; a niilização do mundo; a preocupação com a proximidade da morte e a passagem do tempo19 (exploração do elemento temporal na disjunção vida/morte, antes/depois); “tópico” da vanitas que Camacho Guizado, utilizando uma expressão da época, define como “poca tierra” em relação à grandeza em vida. Por último a abordagem positiva do tema: o grande tópico funeral da morte consoladora cristã, trânsito para uma vida melhor (fim dos sofrimentos deste mundo) e poemas que buscam mostrar o morto num espaço transcendente (regiões siderais, campos elísios). Essa abordagem positiva se enquadra no “tópico” da consolação. E ainda outro, que não classificamos nos aspectos descritos anteriormente: a retomada da idéia da Fama póstuma, meio de assegurar a lembrança do indivíduo pelas suas ações (caráter consolatório). Alcir Pécora (1994, p. 30-44), no prefácio da coletânea de sermões de quarta-feira de Cinza, A Arte de Morrer, expõe sobre como Padre Antônio Vieira opera a tópica da morte de acordo com a pastoral católica da época. Há uma repetição da concepção da morte literária exposta em Camacho Guizado, mas com finalidade didática e moralizadora. Em seus sermões, a mortalidade aparece como castigo contra o pecado original. É a punição divina para a desobediência de Adão e Eva e seus descendentes. A morte não é lei “natural”, como define a filosofia estóica, e sim punição. A vida é aparência e engano – vanitas. Outro lugar-comum recorrente é a obsessão do poder transformador do tempo e a fragilidade dos bens terrenos.

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Sobre a importância do tempo como preocupação fundamental do período conferir OROZCO DÍAZ, Emilio. Lección Permanente de Barroco Español. 2. ed. Madrid: Ediciones RIALP, 1956, p. 53-56. HATZFELD, Helmut. (trad. Célia Berrettini) Estudos sobre o Barroco. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 77-79.

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Valoriza-se a morte como trânsito para a imortalidade e desvaloriza-se a vida e o mundo como engano. Este engano pode levar o homem a perder sua alma imortal. É preciso aceitar a morte, meditar sobre ela para não ser surpreendido. A morte deve ser amada e a vida temida. “É necessário morrer para a vida” – o topos cristão do desapego do mundo se une à filosofia estóica da livre disposição de ser por si mesmo, aconselhada por Sêneca em Sobre a Brevidade da Vida, na busca cristã de “impecabilidade”. A pintura emblemática da Nova Espanha (Museo Nacional de Arte. Instituto Nacional de Bellas Artes. Juegos de Ingienio y Agudeza: la Pintura Emblemática de la Nueva España. 1994, p. 254 -306) lida com os mesmos topoi descritos: as vaidades do mundo, representadas na escada da vida ou em “el árbol vano”, a obsessão do tempo personificado na figura do relógio20, a disputa cósmica pela alma do indivíduo distraído com as volúpias deste mundo, que não percebe que seu tempo está próximo do fim; a brevidade da vida e o engano em que se vive ao se distanciar de Deus; a renúncia dos bens passageiros – contemptus mundi – para alcançar a bem-aventurança. Resumindo, vida, morte, tempo se entrecruzam num discurso didático para exortar o cristão a fazer deste “mundo caminho para o outro”. Apesar do tema da morte nos sermões de Vieira e na pintura emblemática na Nova Espanha ter um franco caráter pastoral, e na poesia, não necessariamente, é possível perceber que os topoi desenvolvidos nas diferentes esferas trabalham basicamente com as mesmas linhas de pensamento.

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Veja-se também o topos do relógio na personificação do tempo em: HOCKE, Gustav R. (trad. Clemente Raphael Mahl) Maneirismo: O Mundo como Labirinto. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 129-139.

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Capítulo II - Gênero epidítico e o topos do Escarmiento EN EL SEPULCRO DE LA DUQUESA DE LERMA ¡ Ayer deidad humana, hoy poca tierra; aras ayer, hoy túmulo, oh mortales! Plumas, aunque de águilas reales, plumas son; quien lo ignora, mucho yerra. Los huesos que hoy este sepulcro encierra, a no estar entre aromas orientales, mortales señas dieran de mortales; la razón abra lo que el mármol cierra. La Fénix que ayer Lerma fue su Arabia es hoy entre cenizas un gusano, y dé consciencia a la persona sabia. Si una urca se traga el oceano, ¿qué espera un bajel luces en la gavia? Tome tierra, que es tierra el ser humano.

A MORTE DA AUGUSTA SENHORA D. MARIA, FRANCISCA, IZABEL DE SABOYA, QUE FALLECEO EM 1683.

Hoje pó, ontem Deidad soberana, Ontem sol, hoje sombra, ó Senadores, Lises imperiais enfim são flores, Quem outra cousa crê, muito se engana. Nas cinzas, que essa urna guarda ufana, Vejo, que os aromáticos licores são de seu mortal ser descobridores, Porque, o que a arte esconde, o juízo alhana. A Real Capitânia submergida! Olhos à gávea, ó tu Naveta ousada, Que ao mar te engolfas de ambição vencida: Pois em terra a Real está encalhada, Alerta, altos Baixéis, porque anda a vida Da mortal tempestade ameaçada.

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Nosso objetivo, neste capítulo, será o tratamento de alguns lugares-comuns dentro da tópica da morte em dois sonetos de gênero epidítico que classificamos como escarmiento para o desengaño. Segundo Rosales (1966, p. 46): Dominado por el sentimiento del desengaño, el poeta barroco no piensa propiamente en nuestra temporalidad sino en nuestro acabamiento; no piensa en nuestra vida, sino en la muerte y en su constante acercamiento.

Nos poemas de escarmiento há a predominância do gênero epidítico, mas também características do gênero demonstrativo em sustentar “...um parecer que tenha a utilidade como meta, de modo que o plano inteiro de seu discurso venha a contemplá-la” (Retórica a Herênio, III, 3). Há vários topoi previstos retórica e poeticamente para o tratamento da tópica da morte. Um desses topoi refere-se ao escarmiento. Segundo Covarrubias (1995, p. 490): ESCARMIENTO. La advertencia y recato de no errar por no incurrir en la pena, ejecutada en otros, y algunas veces ejecutada en la mesma persona, con cuya memoria nos apartamos de pecar. Es término judicial que usa el pregón, siempre que se ejecuta alguna pena, con estas palabras: “Para que a éste sea castigo y a los demás escarmiento.”

O escarmiento engloba os lugares-comuns da brevidade e fugacidade da vida; da inexorabilidade da morte, destino comum de todos os homens. Esses lugares concorrem para a conclusão de que o homem deve libertar-se do engano da vida e da fortuna através de alguns passos: a) a observação dos signos da morte; b) a morte vem para todos independente de posição social, riqueza e poder, idade, ou seja, a morte iguala a todos; c) a reflexão sobre esses dados e a conclusão a partir disso: a vida é um breve engano e devemos livrar-nos dele quanto

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antes, numa atitude de indiferença em relação à fortuna21. Nas palavras de Sêneca (De la Tranquilidad del Animo, XI,1): Estas mis palabras son pertinentes para los imperfectos, los mediocres y los malsanos y no para el sabio. Este no ha de andar ni con timidez, ni paso a paso, porque tiene tanta confianza en sí mismo que no duda en salir al encuentro de la fortuna, ni nunca le cede el lugar. Ni tiene por qué temerla, porque no sólo los esclavos, las posesiones y la dignidad, sino también su cuerpo y sus ojos y sus manos y todo cuanto hace más grata la vida al hombre y hasta a él mismo lo cuenta entre las cosas precarias, y vive como de prestado, y cuando se lo piden todo lo devuelve sin tristeza.

Devemos lembrar que o topos do escarmiento não está restrito exclusivamente ao âmbito das Artes, mas também reflete a mentalidade da ortodoxia católica do século XVII. O escarmiento não é um lugar-comum retórico-poético privativamente, mas formado pela doutrina e pela pregação da Igreja Católica, em países católicos22. Torna-se parte de uma das várias mentalidades sobre a morte. Esses lugares não são exclusivos do século XVII, mas não é nossa intenção rastreá-los através do tempo23 e nem sequer chegar próximo de esgotá-los. Vejamos como o jesuíta Inácio de Loyola, nos Ejercicios Espirituales (47 [1° preâmbulo]), demonstra o aspecto negativo da vida, através da dicotomia alma/corpo:

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Sêneca aconselha a oposição à Fortuna, deusa romana, através do exercício da virtude e da indiferença em relação às mudanças que ela opera na vida humana. Desta forma, evita-se o sofrimento causado pela mudança de condição. Por outro lado, apesar da ampla difusão da obra senequista nos séculos XVI e XVII, é útil lembrar que a fortuna deve ser lida em chave católica, ou como topos artístico, ou como subordinada ao poder da Providência. A mesma idéia, exposta catolicamente por Inácio de Loyola (Ejercicios Espirituales, 166): “La 2ª es más perfecta humildad que la primera, es a saber, si yo me hallo en tal puncto que no quiero ni me afecto más a tener riqueza que pobreza, a querer honor que deshonor, a desear vida larga que corta, siendo igual servicio de Dios nuestro Señor y salud de mi ánima; y, con esto, que por todo lo criado ni porque la vida me quitasen, no sea en deliberar de hacer un peccado venial”. Sobre a luta da Igreja contra a crença na Fortuna, ver o estudo de Pedro Salinas sobre Jorge Manrique e a Fortuna como lugar comum da poesia medieval castelhana. SALINAS, Pedro. Jorge Manrique o tradición y originalidad. Buenos Aires: Sudamericana, 1952. Sobre a personificação da Fortuna, veja-se Boecio, La Consolación de la Filosofía, libro segundo, prosa segunda. 22 “Estava na lógica da pastoral católica da época apoiar-se no pensamento da morte e propor concretamente a visão desta. É bem verdade que as representações assustadoras do ‘Triunfo da Morte’ desaparecem nos séculos 17 e 18, salvo em certas evocações arcaizantes do Apocalipse, por exemplo, no Grande composto dos pastores da ‘Biblioteca Azul’. Cadáveres e corpos putrefatos deixaram progressivamente a cena em favor de esqueletos e sobretudo de crânios bem ‘assépticos’, segundo a fórmula de Michel Vovelle. Resulta que na época de ouro da Reforma tridentina, crânios e ossos ‘passam bem’ e são freqüentemente oferecidos pela iconografia e um público mais amplo de que aquele que as ‘Preparações para a morte’ podiam atingir. Igrejas e hospitais, quadros representado a morte de santos, capelas e altares das almas do purgatório, esculturas de ossuários, vestimentas das confrarias de penitentes, cemitérios dos capuchinhos meridionais, relíquias de santos apresentadas ao público, seja sob a forma de múmias com máscara de cera, seja como esqueletos vestidos e enfeitados: são ocasiões dadas aos cristãos em geral para meditar sobre os fins últimos, com a ajuda de imagens chocantes” (DELUMEAU, 2003, v. II, p. 62 e 63).

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En la [meditación] invisible, como es aquí de los pecados, la composición será ver con la vista imaginativa y considerar mi ánima ser encarcerada en este cuerpo corruptible y todo el compósito en este valle como desterrado; entre brutos animales. digo todo el compósito de ánima y cuerpo.

e o que enuncia Sêneca em seu tratado moral De la brevedad de la vida (III, [3,4]) ¿Cuál es, pues la causa de todo esto? [4] Estáis viviendo como si siempre hubiereis de vivir, nunca os viene la idea de nuestra fragilidad, ni observáis cuánto tiempo ha pasado ya; lo perdéis como si tuvierais de él plenitud y abundancia, cuando quizá ese día que concedéis a un hombre o a un negocio sea el último vuestro. Lo teméis todo, como mortales que sois, lo deseáis todo, como si fuerais inmortales.

A reflexão estóica senequista, no século XVII, é lida em chave católica na qual o engano é uma das artimanhas do diabo para fazer os homens perderem suas almas. Esse engano deve ser combatido na meditação perene da brevidade da vida, nas mudanças da fortuna e principalmente na desconfiança em relação aos bens causadores da felicidade24: [142] 3º puncto. El 3º: considerar el sermón que les hace, y cómo los amonesta para echar redes y cadenas; que primero hayan de tentar de cobdicia de riquezas, como suele, ut in pluribus, para que más fácilmente vengan a vano honor del mundo, y después a crescida soberuia; de manera que el primer escalón sea de riquezas, el 2º de honor, el 3º de soberuia, y destos tres escalones induce a todos los otros vicios.

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A bibliografia sobre o assunto é ampla e indicaremos os poucos autores aos quais tivemos acesso em relação ao tema. São vários estudos sobre a mentalidade sobre a morte, a formação da idéia do pecado, do desprezo do mundo, da vanitas, da fragilidade e brevidade da vida na iconografia, na arte funerária, nos discursos artísticos e não-artísticos. RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. SALINAS, Pedro. Jorge Manrique o tradición y originalidad. Buenos Aires: Sudamericana, 1952. MORIN, Edgar. O homem e a morte. 2. ed. Mem Martins Codex: Publicações Europa-América Ltda., 1970. MÉXICO. Museo Nacional de Arte. Instituto Nacional de Bellas Artes. Juegos de Ingienio y Agudeza: la Pintura Emblemática de la Nueva España. México: Ediciones del Equilibrista, Turner Libros, 1994. MEGALE, Heitor. (org.). A morte na Idade Média. São Paulo: EDUSP, 1996. HUIZINGA, Johan. (trad. Augusto Abelaira). O declínio da Idade Média: um Estudo das Formas. Lisboa, RJ: Editora Ulisseia, 1978. HUIZINGA, Johan. El otoño de la Edad Media: Estudio de las Formas. 4. ed. Madrid: Revista de Occidente, 1952. FRANCO JÚNIOR, Hilário. O ano 1000: tempo de medo ou de esperança? São Paulo: Companhia das Letras, 1999. Epigramas Funerarios Griegos. (traducción, introducción y notas de M.ª Luisa del Barrio Vega). Madrid: Gredos, 1992. DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000: na pista dos nossos medos. (trad. Eugênio Michel da Silva, Maria Regina Lucena Borges-Osório; revisão do texto em português Éster Mambrini). São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. DELUMEAU, Jean. (trad. Maria Lúcia Machado). A História do Medo no Ocidente: 1300 – 1800 uma cidade sitiada. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. DELUMEAU, Jean. (trad. Álvaro Lorencini). O Pecado e o Medo: a Culpabilização no Ocidente (Séculos 13-18). Bauru: EDUSC, 2003. ARIÈS, Philippe. História da Morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. (Trad. Priscila Viana de Siqueira). Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. 24 Sobre a definição da felicidade e seus bens, tratados como aspectos positivos da vida humana conferir o livro I, 1360b até 1362ª, da Retórica de Aristóteles. Sobre os bens tratados de forma negativa ver De la vida bienaventurada de Sêneca II, 4. Também Boécio, La consolación de la filosofia.

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[326] 13ª regla. [...] de la misma manera, quando el enemigo de natura humana trae sus astucias y suasiones a la ánima justa, quiere y desea que sean recibidas y tenidas en secreto; mas quando las descubre a su buen confessor o a otra persona spiritual, que conosca sus engaños y malicias, mucho le pesa: porque collige que no podrá salir con su malicia comenzada, en ser descubiertos sus engaños manifiestos. (LOYOLA, Ejercicios Espirituales)

O topos do escarmiento tem como finalidade modificar a conduta pessoal e moral do destinatário, através do grau mais forte dos afetos. No caso específico dos sonetos de Góngora e Gregório de Matos o escarmiento é encenado por gente de valia25, ou seja, pessoas respeitadas socialmente26 (Aristóteles, Poética, 1448a). Como define o Estagirita (Poética, 1448b) Y la poesía se fragmentó de acuerdo con la manera de ser de cada uno: en efecto, unos, más graves, mimetizan acciones nobles y de gente noble; otros, más vulgares, las acciones de gente ordinaria, haciendo en un principio, vituperios, del mismo modo que otros hacían himnos o encomios.

É no encomio que lançam mão de técnicas retóricas para compor estas figuras a fim de demonstrar que o destino dos homens é sempre o mesmo: a morte. A conclusão, ora explícita, através da dedução, ora implícita, pela indução, exorta a uma mudança de postura, ao desengaño. Sobre o desengaño e o escarmiento tentamos nada mais que mostrar brevemente o que entendemos sobre estes conceitos justificando com estes poucos autores. Não é nossa intenção 25

Homens Bons é termo que aparece em um dos capítulos da obra poética completa de Gregório de Matos para designar as pessoas importantes da cidade da Bahia, seja no elogio ou no vitupério. 26 Vejamos o que pensam Rosales y Camacho Guizado sobre os motivos de panegírico y alabanza, que nós, por seguir mais de perto a preceptiva retórico-poética preferimos denominar elogio. Primeiro, Rosales (1966, p. 53): “En cierto modo, revelan el desplazamiento de la alabanza que antes estuvo residenciada sobre el heroísmo y ahora se fija sobre la adulación. La virtud se ha convertido en honra; por ello, con el cambio de siglo, se pasa de la canción heroica al panegírico. No cantan, generalmente, estos poemas los grandes hechos heróicos; no ensalzan a sus realizadores; cantan los linajes ilustres, la dinastía reinante, las figuras políticas que ejercieron o atropellaron el poder. El panegírico pasa del heroísmo a la cortesanía; después, de la cortesanía a la adulación”. E Camacho Guizado (1969, p. 158 e 160): “No creemos necesario detenernos demasiado en estos poema funerales de encomio, dirigidos las más de las veces a los deudos y no al difunto e inspirados más por presiones sociales o de situación económica o política que por un auténtico sentimiento de pesar ante la muerte de una persona determinada”. E ainda “El elogio es pródigo, las palabras pierden su verdadero sentido y se hacen adocenadas y sin relieve: es la carcoma retórica”. Não entraremos aqui na discussão da necessidade de que vários poetas (e entre eles, Góngora) tinham de conseguir um protetor, para isso nada mais ver que os problemas sociais e econômicos da época e a biografia do poeta cordovês. No entanto, estamos estudando alguns lugares poéticos e seu particular desenvolvimento dentro das condições de exigência formal da época. Julgar que a poesia de elogio é apenas isto é desprezar o trabalho de composição de poetas que buscam a perfeição poética (seguindo Horácio), de acordo com as preceptivas que estão em voga na época. Além disso, no caso da poesia de escarmiento, ela atende a especial função de ser didática e moralizante, segundo a opinião engedrada pela Igreja Católica, já há muitos séculos, somadas ainda a atualização de ideais filosóficos greco-latinos, especialmente senequistas, transformados catolicamente e ainda, obedecendo à preceptiva aristotélica e horaciana de ensinar e deleitar.

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esgotar o tema, e sim partir de enunciados mais autorizados para apoiar nossa proposta de leitura da existência dos topoi que não são exclusivos nem dos poetas que estudamos, tampouco das letras e menos ainda restrito à este momento histórico específico. Trataremos agora de estudar a invenção retórica, em dois sonetos de escarmiento: um epitáfio de Góngora, dedicado à duquesa de Lerma27 e outro, de Gregório de Matos, imitação do soneto gongorino, dedicado à rainha D. Maria, Francisca, Izabel de Saboya28.

2.1. Plano Analítico

2.1.1.A Invenção “Sea pues la retórica la facultad de considerar en cada caso lo que puede ser convincente, ya que esto no es materia de ninguna outra disciplina” (ARISTÓTELES, Retórica, 1355b). “Invenção é a descoberta de coisas verdadeiras ou verossímeis que tornem a causa provável” (Retórica a Herênio I, 3). A partir dessas premissas, trataremos de verificar a invenção nos sonetos de Góngora e Gregório de Matos. 27

A duquesa de Lerma foi camarista mayor da Rainha Margarita de Austria e esposa do duque de Lerma, privado do rei Felipe III. Faleceu em junho de 1603, segundo notícia de Don Luis Cabrera de Córdoba (Relaciones de la cosas sucedidas en la Corte de España, desde 1599 hasta 1614, p. 165 e p. 178-179). Sobre a privanza do duque de Lerma veja-se TOMÁS Y VALIENTE, Francisco. Los validos en la monarquía española del siglo XVII. 28 Segundo José Hermano Saraiva (1995, ps. 211-213), Maria Francisa Isabel de Saboya, filha do duque de Nemours e parente do rei Luís XIV, casou-se com o rei de Portugal Afonso VI em 1666. No ano seguinte firmou-se uma aliança militar entre Portugal e França para lutar contra a Espanha, que queria retomar a soberania sobre Portugal. Afonso VI, o novo rei, era um inválido, pois uma doença infantil o deixara “defeituoso e mal podia andar”. Para governar, antes que o novo rei pudesse assumir, a rainha D. Luísa de Gusmão nomeara o conde de Castelo Melhor para o serviço do rei e este se torunou seu “valido”. No entanto apesar da grande energia do conde na condução da guerra, muitos nobres estavam descontentes com a continuidade da guerra. Esses nobres se juntaram para derrubar o rei e pôr, em seu lugar, seu irmão D. Pedro. “Com o casamento do rei desencadeou-se a crise. A rainha e D. Pedro depressa se entenderam para obrigar Afonso VI a demitir Castelo Melhor. Pouco depois, a rainha saiu do paço e declarou-se refugiada num convento, solicitando ao cabido da Sé de Lisboa a anulação do casamento com base na impotência do rei D. Afonso VI, sem ninguém que o defendesse, assinou um documento em que declarava fazer “desistência destes seus reinos para todo o sempre em a pessoa do Sr. Infante D. Pedro e em seus filhos, legítimos descendentes, com a declaração que do melhor parado das rendas deles reserva cem mil cruzados de renda em cada ano”. Meteram-no a bordo de um navio e levaram-no para os Açores, onde passou alguns anos prisioneiro. Acabou a vida recluso numa sala do paço de Sintra. Entretanto, o cabido da Sé declarou o nulo por falta de consumação, D. Pedro casou com a rainha e governou, com o título de regente, até à morte do irmão (1683)”.

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Para persuadir o ouvinte (ou leitor), é preciso captar a benevolência e a atenção. Desta forma, as premissas da invenção retórica devem residir “en el comportamiento del que habla; otros, en poner al oyente en una determinada disposición; otros, en el propio discurso, por lo que demuestra o parece demostrar”. (ARISTÓTELES, Retórica, 1356a). Além disso, é preciso considerar também a qual dos três gêneros retóricos os sonetos pertencem. São, segundo nosso parecer, predominantemente elogios, portanto de gênero epidítico ou demonstrativo, com a finalidade de aconselhar sobre o conveniente e o inconveniente, ou seja, trazem consigo também características do gênero deliberativo. O ethos da persona dos poemas está construído por um caráter filosófico, seguindo o preceito de Menandro (II, 414) para o epigrama, que consiste em “[...] hacer reflexiones filosóficas sobre la naturaleza humana en general: que la divindad impuso a los hombres la muerte como condena; que fin de la vida, para todos los hombres, es la muerte ...” e encenando as partes da prudência que é “a destreza que pode, com certo método, discernir o bem e o mal” (Retórica a Herênio III, 3). Há, entre os dois textos, uma diferença: a persona do soneto gongorino é impessoal e o gregoriano está instaurado em primeira pessoa. Em relação aos ouvintes, primeiro trata-se de distingui-los em dois tipos: o prudente e o vulgar: o primeiro sabe distinguir apenas pelos indícios o engaño; o segundo deve ser desengañado na conclusão dedutiva. É preciso notar que o texto de Góngora, explicitamente, inclui todo o universo dos ouvintes na indiferenciação sugerida por “mortales” 29 e o de Gregório de Matos restringe a um estamento “senadores”. Em relação às premissas do discurso, vamos dividi-lo em duas partes: a primeira, referente ao elogio e a segunda, ao conselho. Na primeira parte, a composição ao elogiado, as premissas referem-se às coisas externas que “são aquelas que podem acontecer por obra do 29

Segundo informação dada por Biruté Ciplijauskaité em sua edição dos Sonetos Completos de Góngora (p. 207), afirma que R. Jammes assinalou uma série de poemas escritos na ocasião e que provavelmente são a conseqüência de uma academia literária. Este dado nos permite inferir, além das próprias escolhas da invenção e da elocução, que o soneto foi elaborado para um público seleto de “discretos”. Porém quando afirmamos que o soneto inclui todo o universo dos mortais “discretos” e “néscios”, sem distinção de estamento social, baseamonos no que vem explicitamente enunciado no texto e não no contexto onde foi declamado ou lido.

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acaso ou da fortuna, favorável ou adversa...” (Retórica a Herênio III, 10). Nos dois textos aparecem argumentos, tratados poeticamente, no que concerne à nobreza de nascimento, riqueza, poder, riqueza e glória. No poema gongorino aparece também o argumento da cidadania30, “Lerma”. Essas qualidades são amplificadas através dos procedimentos elocutivos tendo como finalidade o escarmento. Na segunda parte, nos argumentos para aconselhar, temos um discurso assentado em matéria honesta e reta, sustentado pela prudência (Retórica a Herênio III, 3) e pela modéstia (Retórica a Herênio III, 5). Utiliza-se como recurso do argumento o exemplo, na composição do elogio de pessoas bem nascidas, gente de valía, para validar a força do argumento na evidência do que propõe, de que se deve escolher entre o que há de melhor como enuncia Aristóteles (Retórica, 1364b)

Y lo que considerarían o han considerado un bien mayor todas las personas discretas o muchas, o la mayoría de la gente o los mejores, es necesario que lo sea realmente, bien en general, bien de acuerdo con la discreción con la que juzgaron. [...] Así pues es evidente que es más importante aquello que la discreción define como tal en primer lugar. También lo que se refiere a los mejores...

Através do exemplo, a persona leva o interlocutor a um raciocínio indutivo retórico e enfatiza para ensinar com mais clareza através da resolução (Retórica a Herênio III, 8). Devemos lembrar, ainda, que os argumentos são lugares-comuns retóricos baseados na verdade da presença da morte, mas também na opinião que se tem sobre o seu poder igualador. Segundo a Retórica a Herênio (III, 2) as deliberações costumam indagar “qual ação entre duas é preferível, outras consideram qual é a melhor dentre muitas”. No caso desses textos, temos a oposição engaño/desengaño e os argumentos são escolhidos visando o desengano na amplificação das qualidades dos elogiados durante a vida, em oposição a seu estado após a morte. Essa oposição gera a reflexão sobre o engano da vida e, consequentemente, implica o conselho do desengano. 30

Menandro, el rétor, trata em um capítulo intitulado El discurso imperial (II, 369) sobre o topos da pátria: “Después de los proemios pasarás al tópico de la pátria”.

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2.1.2.A Elocução Trataremos agora da elocução, ou seja, o processo de elaboração dos sonetos, a partir de seus lugares-comuns da invenção, na escolha das palavras e dos ornamentos. Como ensina Aristóteles “ya que no es suficiente que sepamos qué debemos decir, sino que es forzoso también saber cómo debemos decirlo, pues eso tiene una gran importancia para que el discurso parezca poseer una determinada calidad” (Retórica, III, 1403 b). A elocução, assim como a invenção, serve para expor o pensamento do poeta, com a arte. Y es evidente que también en los hechos hay que servirse de cosas que tienen su origen en las mismas formas cuando sea preciso conseguir cosas que inspiren piedad, o temor, o grandeza, o verosimilitud; difieren en que aquí es preciso que unos hechos se muestren sin enseñanza, pero otros en el discurso es preciso que sean preparados por el que habla y producirse por medio de lo que dice. (Aristóteles, Poética, 1456b)

Nosso procedimento de análise parte de alguns pressupostos: a) os sonetos de Góngora e Gregório de Matos absorvem seus argumentos dos mesmos lugares da invenção, sejam de autoridades como Sêneca ou a Bíblia, sejam das opiniões correntes; b) Góngora imita ou emula outros poetas31; c) Gregório de Matos imita Góngora. Sobre os lugares-comuns do escarmiento já mencionamos antes. Não é nossa intenção verificar os modelos emulados por Góngora32. Consideramos sua poesia como objeto de imitação e emulação, e por essa razão, torna-se ele também uma autoridade. A partir desta perspectiva trataremos de analisar os recursos elocutivos no soneto de Góngora e a imitação feita desses recursos no soneto de Gregório de Matos. Separaremos as estrofes dos sonetos em pares e as examinaremos, anotando os recursos semelhantes e evidenciando os diferentes. A sistematização das figuras elocutivas desses textos

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Sabemos que Góngora imitou Garcilaso, Sannazaro, Petrarca e outros poetas que se tornaram autoridades na medida em que se tornaram modelo de imitação ou emulação. A imitação é um preceito das normas do bemescrever no período em que viveram os poetas que estudamos. No entanto, não é nossa intenção verificar quais as autoridades imitadas por Góngora e nem sequer os lugares da invenção e os procedimento elocutivos por ele imitado. 32 Sobre os modelos imitados por Góngora é interessante o livro de Angel Pariente, En torno a Góngora, no qual estão reunidos alguns artigos, contemporâneos ao poeta. Alguns são elogios à sua obra e outros, o vitupério. Apesar da divergência dos pontos de vista, tratam de mostrar os lugares ou autoridades que aparecem na poesia gongorina.

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nasce da necessidade de mostrar que os poetas diferem no tratamento do mesmo tema, não pela invenção, não na escolha da forma do epigrama em soneto, mas nas escolhas elocutivas. É por essas escolhas que será possível perceber que o soneto atribuído a Gregório de Matos não é exercício retórico de paráfrase ou “pirataria” do texto que imita. Classificaremos os sonetos com as figuras de palavras (in verbis singulis), as figuras de construção ou figurae elocutionis (in verbis coniunctis) e as figuras de pensamento ou figurae setentiae33. Voltemos agora nossa atenção para os sonetos. Na primeira estrofe gongorina aparecem as metáforas deidad34, na amplificação da condição social, política da duquesa; aras, indica o lugar de residência, no desenvolvimento da metáfora anterior, incluindo também a noção de poder e riqueza e águilas, alargamento da metáfora para incluir todos os que possuem as mesmas características que as da duquesa: origem nobre, poder, riqueza. São metáforas que indicam sua condição e que fundamentam o elogio, transformando a figura única da duquesa em exemplum ou paradigma de outros sujeitos que possuem as mesmas condições de excelência e tierra, conseqüência final da decomposição do corpo e condição atual da personagem. A apóstrofe - oh mortales, com metonímia de mortales desperta os afetos da piedade e do temor, numa quase obsecração, encerrando o recurso da exclamação dos dois primeiros versos, na convocação patética dos ouvintes, com a finalidade de fazê-los refletir sobre a condição comum que há entre eles e a defunta: a mortalidade. A palavra túmulo é sinédoque complexa, do continente em referência indireta ao conteúdo, e também metafórica do atual lugar de residência do corpo, despojado de riqueza. Os dois isócolos do verso bimembre - ¡ Ayer deidad humana, hoy poca tierra, refletem, na

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A nomenclatura que utilizamos neste trabalho, para as figuras elocutivas, pertence ao estudo feito por Heinrich Lausberg, em Elementos de Retórica Literária, num correspondente retórico de “gramática escolar” onde o autor expõe a terminologia retórica fundamentada na preceptiva de Quintiliano, Cícero e outras autoridades que ajuizaram sobre a arte retórica e também o estudo de José Antonio Mayoral, Figuras Retóricas, no qual explica também as figuras elocutivas a partir de preceptivas retórico-poéticas do Siglo de Oro espanhol com exemplos de textos poéticos contemporâneos a estas preceptivas. 34 A metáfora também parece referir-se a beleza da duquesa, já que deidad também indica sobre a beleza dos deuses.

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construção, o antagonismo temporal linear passado/presente, operado pela mudança, brusca, não só de vivo a morto, mas, também, da perda dos bens mundanos. No segundo verso, aras ayer, hoy túmulo, oh mortales!,

constrói-se outro isócolo, em quiasmo, na repetição da

estrutura do primeiro verso, fortalecendo a idéia de mudança brusca do espaço ocupado pela nobre. Os isócolos mostram a morte como entidade que inverte a situação da duquesa e a afasta de ocupações habituais. A silepse do verbo ser, nos isócolos, sugere a força inesperada e brutal da ação da morte. O epíteto humana forma um oxímoro com o substantivo deidad, e intensificam a relação antitética com o epíteto poca e a metáfora tierra, amplificando a oposição da morte que despoja à opulência da vida da duquesa. Mais três antíteses auxiliam a amplificação dessa mudança, com brevitas: ayer/hoy, deidad/tierra, aras/túmulo. No terceiro verso, Plumas, aunque de águilas reales, há a sinédoque da metáfora águilas, em plumas, da parte pelo todo. Utiliza-se o epíteto reales delimitando, ainda mais, a metáfora águilas a um grupo seleto da sociedade, dentro do grupo maior da nobreza35. A restrição ao grupo social também parece reforçada na construção em hipérbato da epífase aunque de águilas reales, na restrição da sinédoque plumas. A sinédoque põe em evidencia a parte mais ostentatória da ave36, as plumas, mas na conciliação, validada na escolha da conjunção adversativa aunque, de que são a parte mais frágil. O quarto verso inicia-se com uma definição: plumas/[..] plumas son, reforço unívoco do sentido para impedir que o ouvinte incorra no erro de que a riqueza, poder e nascimento nobre podem alterar o poder igualador que a morte possui. A construção sintática complexa para a sinédoque plumas, com a anáfora e a anástrofe (no quarto verso – plumas son; quien lo ignora, mucho yerra), reforça a advertência sobre a fragilidade do ser. O verso continua com uma sentença e epifonema: quien lo ignora mucho yerra, na conclusão dos argumentos, retomados

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É útil especificar que reales remete ao fato, também, da descendência da casa real de França, da duquesa. A informação é registrada, em nota de rodapé, por Biruté Ciplijauskaité (1969, p. 209). 36 A metáfora águilas também funciona como catáfora para Fênix, desta forma corrobora que as plumas são belas.

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braquilogicamente, pelo complemento directo lo, numa relação de causa e conseqüência ignora/ yerra. No primeiro verso de Gregório de Matos - Hoje pó, ontem Deidad soberana, explora-se a metáfora Deidad, com o mesmo sentido que há no soneto gongorino, mas como palavra peregrina e acompanhada do epíteto soberana, acumulação amplificante para a metáfora deidad, distinto do soneto de Góngora, onde o epíteto cria um oxímoro. A metonímia pó incorpora o mesmo sentido que o do soneto gongorino, mas sem uso de epíteto, evidenciando a brutalidade da mudança que resulta na oposição vida/morte. Tal oposição é intensificada, com brevitas, ainda, pela silepse do verbo ser, como na estrofe imitada, e pelas antíteses hoje/ontem, configurando o tempo, e pó/deidad, o sujeito do elogio. O verso é um isócolo incompleto, já que o substantivo pó não está acompanhado de epíteto. Traduz, na construção, o desequilíbrio operado pela morte ao igualar pessoa de vária condição. Em relação à construção, a histerologia – Hoje pó e a epexegese – ontem Deidad soberana reforçam a inquietação que estado atual da rainha, no primeiro pensamento revelado, ocasiona. O soneto precedente reforça a mudança brutal de acordo com a ordem natural37, Ayer deidad humana, hoy poca tierra. O segundo verso introduz metáforas que não pertencem ao campo lexical do soneto imitado. A metáfora sol, sobre a condição da rainha, lugar-comum elocutivo no século XVII, na substituição trópica de pessoas poderosas e ricas38, sombra, como condição atual da rainha desprovida de luz (porque morta), mas também da pompa de ser quem foi. As metáforas guardam a oposição antitética - sol/sombra - do ser ao não ser. A construção do verso, em quiasmo, corrobora a mudança súbita da condição pessoal da rainha, e revela, nessa escolha, diferença relevante em comparação ao modelo, já que, naquele, a oposição acentua, também, o deslocamento espacial aras/ túmulo. 37

Encerra o verso a apóstrofe, ó Senadores, com a

A ordem natural corresponde a um fenômeno da dispositio. “À situação normal do pensamento e da linguagem chama-se ordo naturalis, que, p. ex., se apresenta, na sucessão de acontecimentos que corresponde ao decorrer histórico dos mesmos, na narratio (§ 43,2), ou na sucessão lingüísticamente usual da partes da frase, na própria frase (§329)” (LAUSBERG, 2004, §47,1). 38 Ver, por exemplo, o soneto 148, de Góngora, onde a metáfora Sol figura no lugar de rei “árbol culto, del Sol yace abrasado”. Em nota, Biruté Ciplijauskaité comenta esse soneto (p. 229).

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sinédoque de senadores, reduzindo-os a um determinado estamento (os homens bons). A persona recorre à apóstrofe para despertar os afetos de piedade e temor nos ouvintes. No terceiro verso, a metáfora flores, largamente usada na época para significar a brevidade e fragilidade da vida, topos da vanitas, mas aqui, também, como amplificatio na incorporação da rainha à totalidade dos mortais. Restringe-se, dentro da massa de todos os mortais, a rainha ao estamento social dos melhores, através da sinédoque lises, na elevação hierárquica de um tipo específico de flor, no conjunto das flores; assim, como a rainha também é superior, social e politicamente, no conjunto dos seres humanos. O epíteto imperiais é uma acumulação amplificante e retoma as características das condições de excelência da rainha. O hipérbato, no terceiro verso e a inserção da conjunção enfim, reforçam a lentidão do ritmo, fustigando os afetos na reflexão dada pela definição, Lises imperiais enfim são flores, como conclusão sobre a brevidade enganosa da vida. O uso da sinédoque flores, unifica todos os seres humanos sob o signo da mortalidade, diferentemente do uso concessivo da definição feita no soneto gongorino (aunque de águilas reales). O quarto verso é uma sentença, Quem outra coisa crê, muito se engana, na reiteração da evidência, reforçada, ainda, pela antítese crê/se engana, diferentemente da sentença gongorina que está construída em causa e conseqüência ignora/yerra. A diferença entre as duas sentenças reside no fato de que a sentença gongorina – quien lo ignora, mucho yerra. - pressupõe, explicitamente, um sujeito que ignora o poder igualador da morte e no de Gregório, um sujeito iludido com os bens desse mundo, que não medita sobre a morte. As duas sentenças, na adoção da perspicuitas, atendem a função essencial do docere39 retórico.

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A função do docere pode ser poética também, pois é preceituada por Horácio (Arte Poética, 330): “Los poetas quieren ser útiles o deleitar o decir a la vez cosas agradables y adecuadas a la vida. Cualquier precepto que se dé, que sea breve, para que los espíritus dóciles capten las cosas dichas de una forma concisa y las retenga con fidelidad”.

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A aliteração, na estrofe, em soberana, sol, sombra, senadores, contribuem para a morosidade do ritmo da estrofe, movendo os afetos para a reflexão do memento homo. Passemos agora a análise elocutiva da segunda estrofe dos sonetos. O quinto verso de Góngora apresenta a sinédoque huesos, substituindo, a palavra corpo, na parte pelo todo. Podemos pensar essa sinédoque como tropo compósito, pois pode ser entendida como metonímia do processo de decomposição do corpo. A epífrase da oração - que hoy este sepulcro encierra – adiciona o complemento temporal, no reforço da oposição dada anteriormente pelo primeiro verso, Ayer deidad humana, hoy poca tierra, e introduz o desenvolvimento da hipotipose.

A hipotipose, no verso, serve para descrever dos sinais

mortalidade, nos passos da decomposição do corpo da duquesa, explicitados pelo substantivo huesos. A excelência da duquesa reaparece, com brevitas na correção¸ do sexto verso, a no estar entre aromas orientales, com a metonímia aromas e o epíteto orientales, como alusão ao incenso, em seu funeral, numa referência metafórica também às pompas fúnebres40. No entanto, essa referência vem introduzida por uma oração condicional em infinitivo, refutando o engano dado pelo rico aparato funeral e salientando o macabro da cena, de forma eufemística. O sétimo verso é um dos mais complicados elocutivamente. A hipotipose, no verso, evidencia os sinais da mortalidade, nos passos da decomposição do corpo da duquesa, explicitados pelo substantivo huesos e de forma eufemística de mortales señas de mortales, figurando o mau cheiro da putrefação, na exploração do caráter macabro da morte secca. Utiliza-se o eufemismo: señas, tropo compósito em sinédoque, do plural pelo singular, com o intuito de abrandar o pensamento sobre o mau cheiro do cadáver em decomposição, signo macabro da mortalidade da duquesa. O epíteto mortales caracteriza señas, amplificatio 40

A alusão às pompas fúnebres através do uso da imagem do incenso aparecem também em um soneto fúnebre dedicado à rainha Margarita - Pompa eres de dolor, seña no vana/ de nuestra vanidad. Dígalo el viento,/que ya de aromas, ya de luces, tanto/ humo te debe. - e ao rei Felipe III- Este funeral trono, que luciente,/ a pesar de esplendores tantos, piensa/ fragrante luto hacer la nube densa/ de los aromas que lloró el Oriente, - os dois sonetos também foram tributados à gente de valía.

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abrandada pelo eufemismo, de maneira que não se perca o sentido aludido do odor da decomposição em oposição à aromas orientales. A anástrofe de mortales em relação ao objeto direto señas, anteposto ao verbo dieran, na construção do hipérbato, separa o outro adjunto adnominal de mortales do objeto direto señas. No caso deste verso, dado o uso simultâneo da anástrofe e do hipérbato, temos uma sínquise. A epanadiplose na construção /mortales ... mortales/ reforça a ênfase da idéia de mortalidade, com a metalepse de mortales, no uso do adjetivo em vez do substantivo mortalidad. A palavra mortales apresenta singularidades elocutivas neste soneto, como diáfora: no segundo verso, aras ayer, hoy túmulo, oh mortales!, funciona sintaticamente como interjeição, no sétimo verso, assume a forma sintática de um adjetivo e em seguida, a de uma locução adjetiva. Essas escolhas servem, no primeiro caso, para fazer vir à memória dos ouvintes este atributo inerente ao ser; no segundo, reforçam este caráter com a intenção de fazer refletir sobre a mortalidade em geral e em particular no tratamento da meditatio mortis e da vanitas encenados pela duquesa. Esse verso trabalha com a relação antitética aromas orientales/ mortales señas. A antítese opõe o mau cheiro do corpo em decomposição ao aroma agradável do incenso. Contrapõe, brutalmente, duas realidades: o aroma, signo da vanitas que dissimula os efeitos da morte e encena a posição social da duquesa e o mau odor exalado pelo corpo, desvelando o seu caráter mortal e o poder igualador da morte, desvelado pela reflexão construída pela hipotipose. Nos versos anteriores, a persona atua sobre os interlocutores através da evidência da mortalidade na descrição de elementos da decomposição do corpo. Termina a estrofe com a sentença que sintetiza o desengano, o epifonema construído em isócolo bimembre, la razón abra lo que el mármol cierra. Quanto às figuras de palavras opera-se com a sinédoque mármol por sepulcro, a paronomásia entre encierra e cierra, isócolo e epímone de este sepulcro encierra e el mármol cierra (quarto e oitavo versos). No quarto verso, informa sobre os ossos que o sepulcro guarda dentro de si e no oitavo verso, reitera a mesma informação e a amplifica,

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em oposição a abra, denotando, também, o sentido de lacrar. A epímone, na repetição sinonímica, na primeira oração, este sepulcro encierra, introduz a evidência do corpo, os aspectos macabros na contemplação dos sinais da mortalidade; na repetição da mesma idéia, el mármol cierra, trata de concluir a evidência lacrando, no discurso o corpo no sepulcro. Primeiro, evidência, depois, decorosamente, afasta a visão. A antítese, abra/cierra, assentada nas ações do abrir e fechar põe em cena a razão, personificada, como capaz de revelar àquilo que as pompas fúnebres dissimulam. A razón penetra agudamente para apreender o que está encoberto. A estrofe tem um grau de estranheza complexo pois é síntese da concepção da idéia da mortalidade humana que está presente em todo o texto. A operação elocutiva funciona como reforço do pensamento das escolhas feitas para a invenção. Passemos agora a análise elocutiva da segunda estrofe de Gregório de Matos. O quinto verso - Nas cinzas, que essa urna guarda ufana - principia com a sinédoque de cinzas substituindo, também, o substantivo corpo. A histerologia do adjunto adverbial de lugar, nas cinzas, valoriza a conseqüência final da decomposição, diferentemente do soneto gongorino, que através da escolha do substantivo huesos inclui, também, o estágio intermediário da putrefação e alude a figura da morte como caveira, em primeiro plano, na função sintática de sujeito da oração. A personificação da urna no uso do epíteto ufana, pode ser lido como diferentes processos elocutivos. Um, como adjetivo, entendido como epíteto de urna, ou, adjunto adverbial de guarda, então haveria que entendê-lo não como adjetivo puro, mas como metalepse, exercendo a função de advérbio. O processo de personificação em Góngora foi utilizado para razón, diferentemente de Gregório de Matos, que o emprega para urna. Percebemos que o primeiro valoriza a razão como entidade personalizada que desengaña e o segundo, o sepulcro como entidade que serve como discurso do engaño, na medida em que é objeto e sujeito ativo da vanitas. Outra diferença está no uso da epímone de Gregório, que essa

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urna guarda ufana, que específica o sepulcro numa amplificação da vanitas porque o inanimado aparece como portador de um vício do engaño, o orgulho41. Em Góngora, a mesma operação reitera a preocupação temporal pelo advérbio hoy, a restrição do objeto que guarda o corpo e a localização dos restos mortais, marcando o contraste da condição atual em oposição ao lugar ocupado em vida pela duquesa. No sexto verso, a persona instaura um sujeito oculto (eu) Vejo que traz em uma diferença fundamental de sentido com o soneto antecessor. No soneto gongorino há uma impessoalidade na reflexão e tratamento dos eventos dramatizados que são extensíveis por amplificação a todos os mortais. No caso de Gregório de Matos há uma restrição por causa deste eu que se instaura, paradoxalmente, em revelação e ocultamento42, como condutor da meditatio mortis que encaminha o interlocutor pelos argumentos que apresenta. A continuação do verso, que os aromáticos licores, é anafórica com pronome relativo que, utilizado, antes, no quinto verso, que essa urna guarda ufana. Prossegue o verso com o eufemismo licores, dissimulação para descrever um dos aspectos da decomposição em que a carne do morto se desmancha em líquido viscoso exalando mau odor. Apesar de tratar-se, de mesma res e escolha de processo elocutivo, a escolha de Gregório de Matos é mais concreta do que a de Góngora, já que, em si, traz também, a idéia da “viscosidade” da decomposição. O epíteto aromáticos restringe a significação de licores ao campo do olfato, revelando o pensamento da putrefação na exploração do macabro através dos vários sentidos que (re)conhecem o que está oculto: o olfato, a visão, o tato. Esta leitura é reforçada na construção com anástrofe aromáticos licores. O sétimo verso, são de seu mortal ser descobridores, é continuidade do sexto, em enjambement, a mesma operação usada por Góngora, na primeira estrofe, versos três e quatro, Plumas, aunque de águilas reales,/ plumas son; quien lo ignora, mucho yerra. A não ruptura do

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Um dos sete pecados capitais e, segundo Santo Inácio de Loyola, o primeiro pecado dos anjos “veniendo en superbia, fueron conuertidos de gracia en malicia, y lanzados del cielo al infierno”. 42 Entendemos esse processo como paradoxal na construção frásica, isto é, a conjugação verbal revela o sujeito que não está expresso pelo pronome.

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verso contribui para a morosidade da cadência rítmica e reitera o sentido da corrupção lenta do corpo, experimentada primeiro pelo olfato e depois pela visão. O sétimo verso com construção apresenta anástrofe em dois planos: primeiro, do epíteto mortal antes do substativo ser; segundo, do complemento nominal de seu mortal ser anteposto ao substantivo descobridores. O sentido do verso é amplificado por uma construção retoricamente mais simples do que o mesmo verso gongorino. Matos opta por um estranhamento sintático e uma clareza semântica. A construção põe em relevo a idéia de mortalidade, restrita, principalmente no uso do pronome possessivo seu, a circunstância e a pessoa da rainha. É diferente do sentido gongorino que apesar de o verso também atender a uma dada circunstância e pessoa, pela suas escolhas elocutivas, pode o seu sentido ser amplificado à massa dos mortais. O oitavo verso, Porque, o que a arte esconde, o juízo alhana, é um epifonema, seguindo o modelo imitado. No entanto, é coerente com o propósito de manter um ritmo lento da estrofe na medida em que inicia o verso com a conjunção explicativa porque. Góngora opta pelo assíndeto e Matos encaminha o texto com conectores argumentativos. Outro dado a considerar é a inversão feita nos dois comas do epifonema gregoriano: primeiro evidencia-se o sepulcro na metonímia arte. Coloca-se a arte, o conjunto de preceitos para a realização da obra funerária, em lugar da própria obra. Esta escolha, em oposição à escolha gongorina, põe em relevo o artífice como dissimulador na construção das pompas fúnebres, fortalecendo o argumento que evidencia primeiro o que a vanitas oculta, na própria disposição dos comas, em anástrofe, e na seqüência, a conclusão do argumento ilustrado pela hipotipose dos versos anteriores da estrofe, declarado pelo juízo. Não podemos esquecer de fazer notar o uso da aliteração do /s/ por toda a estrofe, que também contribui para a lentidão do ritmo. O nono verso gongorino - La Fénix que ayer Lerma fue su Arabia - especifica a metáfora mais geral águilas, introduzida no terceiro verso, em Fénix43, metonímia e 43

No dicionário de Pierre Grimal (2005, p. 168-169) encontramos uma definição mais completa para a ave Fênix que aclara bem o desenvolvimento da metáfora de Góngora. Este verbete ensina que a Fênix é uma ave fabulosa oriunda da Etiópia e única da espécie. No fim da existência colhe plantas aromáticas, reúne incenso e constrói

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antonomásia para a duquesa e também antítese para a sinédoque los huesos. Ademais, a metonímia remete à lenda da ave fabulosa, sua morte e nascimento como topos44. Para entender melhor o que queremos assinalar, vejamos o verbete em Covarrubias (1995, p. 540) Dicen ser una singular ave que nace en el oriente, celebrada por todo el mundo, críase en la felice Arabie, tiene cuerpo y grandeza de un águila y vive seiscientos y sesenta años.

A metonímia Fénix amplia seu campo semântico através da alusão. Só assim o interlocutor apreenderá as outras referências que aparecem no soneto e as implícitas; Arábia na comparação de lugar para Lerma, assim como o incenso na solenidade do funeral. A imagem da Fénix também pode ser pensada como antecedente para cinzas, já que na lenda a ave crema a si mesma, torna-se cinzas45. As partes do verso estão dispostas em isócolo, como no quinto verso, Los huesos que hoy este sepulcro encierra, o que reforça a oposição temporal que implica mudança de condição social, política, de prestígio e territoral da morta. O colo, que ayer Lerma fue su Arabia, prosapódose e parêntese que particulariza o lugar onde a duquesa exercia sua autoridade através da comparação com a Arábia, lugar de origem da ave mitológica. Sua intromissão serve para diminuir o ritmo global do poema e funciona preparação dissimulada do pensamento que virá em seguida. Desta forma temos o desenvolvimento adequado da metáfora, que recobra e amplia o sentido de aromas orientales e na antítese com o seu equivalente un gusano, desperta a compaixão (no sentido aristotélico) na mudança brusca de condição. Há, uma espécie de ninho, na seqüência faz arder uma pira fúnebre odorífera e das cinzas nasce outra. Grimal apresenta duas versões para a morte da Fênix, mas para nosso estudo esta basta. A figura da Fênix é tratada, também, conceptualmente, como imagem da ressurreição. 44 Este topos aparece, por exemplo, em Jó (29, 18) “Morrerei dentro do meu ninho e como a fênix multiplicarei os meus dias.” A informação deste versículo apuramos no artigo de PÉCORA, Alcir. “Argumentos afetivos nos sermões fúnebres do Padre Antônio Viera” In: Antônio Vieira, o imperador do púlpito. Volume I. Coordenação de Joaci Pereira Furtado. São Paulo: Cadernos do IEB - USP, 1999. O mesmo topos aparece em outro soneto de Góngora, dedicado à rainha Doña Margarita: “Máquina funeral que desta vida”. 45 A ave Fênix serve como tropo a um soneto de desengaño “Mariposa, no sólo no cobarde” e a dois sonetos fúnebres dedicados à rainha Margarit: um epitáfio “Máquina funeral, que desta vida” e um vitupério “Ícaro de bayeta, si de pino”. No soneto de elogio à rainha, a imagem da ave “pira, no de aromática arboleda,/ si a más gloriosa Fénix construida” serve como índice de afirmação para uma vida pós-morte “renace a nuevo Sol en nuevo Oriente”. No soneto que analisamos, essa leitura só seria pertinente implicitamente, já que no próprio soneto não existe índice explícito que corrobore esta leitura. Muito pelo contrário, há uma forte afirmação do terreno, da vanitas, e do aspecto temporal na oposição ontem/hoje que desemboca no aconselhamento da prudência.

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também, a antítese do advérbio ayer em relação ao hoy, da estrofe anterior. A oposição reiterante ayer/ hoy, como cerne do argumento de desengano, fundamentado principalmente no aspecto temporal da mudança que não é radical em relação aos atributos de excelência46 da duquesa, visto que não é tomada dela à força pela Fortuna ou pela Providência durante sua vida terrena, mas por aquela que é inevitável, a morte47. O décimo verso, es hoy entre cenizas um gusano, define o estado atual da Fénix de Lerma. No verso anterior há a ruptura da oração principal e uma diminuição do ritmo do verso. A lentidão no nono verso serve como preparação dissimulada para um pensamento que pode “chocar” o interlocutor. A narração sobre a morte da duquesa, os efeitos da mortalidade em seu corpo encadeiam argumentos para a conclusão de seu atual estado, de forma a predispor o ouvinte, na escolha aguda da métafora gusano na substituição da metáfora Fénix. Há a predileção por palavras e figuras que encenem a alteração radical ocasionada pela morte. A aproximação de metáforas semanticamente tão distantes e que em outro contexto (como gusano) não se aplicariam a pessoas de elevada estirpe, neste contexto é absolutamente adequado na exploração da radicalidade que a morte opera no indivíduo, seja qual for a sua

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Entendemos por atributos de excelência aqueles que Aristóteles (Retórica, Libro I, 1360b) descreve pormenorizadamente: “Sea, pues, la felicidad prosperidad unida a la excelencia o suficiencia de medios de vida, o la vida más agradable acompañada de seguridad o plenitud de propiedades y del cuerpo asistida de la capacidad de salvaguardarlos y de usarlos, pues puede decirse que todos coinciden en que la felicidad consiste en una o más de estas cosas. Ahora bien, si la felicidad es algo así, es forzoso que sus componentes sean nobleza de nacimiento, abundancia de amigos, amistad leal, riqueza, buena descendencia, abundancia de prole y una vejez dichosa, además de las excelencias del cuerpo, como salud, belleza, vigor, talla, capacidad atlética, y del prestigio, estima, buena suerte y excelencia. Y es que es así como mejor podría uno bastarse a sí mismo, si dispusiera de los bienes internos y externos, pues no hay otros fuera de éstos. Bienes internos son los que conciernen al alma y al cuerpo; externos, la nobleza de nacimiento, los amigos, la riqueza y la estima. Pero además creemos que conviene contar con los recursos y la suerte, pues así la vida sería de lo más segura.” É útil especificar que neste soneto, não aparecem referências explícitas às excelências do corpo e tampouco os “componentes de la excelencia la justicia, la valentía, la moderación, la magnificencia, la magnanimidad, la liberalidad, la afabilidad, la sensatez, la sabiduría” (Libro I, 1366b), em outros termos, há o elogio dos atributos externos que também são signos da vanitas. 4 47

Desde o ponto de vista da teologia católica da época a morte é desígnio da Providência. Trataremos desta questão também, mas queremos primeiro salientar que não há perda de excelência ocasionada por Deus, durante a vida da duquesa encenada neste soneto.

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condição. Eis aqui, como tópica, a morte igualadora de Las Danzas de la Muerte48. Não só as metáforas em oposição antitética contribuem para esse efeito de sentido, como também outras relações antitéticas de palavras, amplamente reforçadas, ao longo do texto, como a dos advérbios ayer/hoy; a antítese provocada pela oposição temporal do verbo ser em es/fue; a do pensamento sobre o lugar de domicílio antes, ayer Lerma fue su Arabia e atual, entre cenizas; dos artigos la/un e uso de maiúscula e minúscula (la Fênix/un gusano); a construção dos versos em quiasmo. Pensemos um pouco mais nessas oposições. Se antes a duquesa era Fénix em Lerma, em conformidade com a situação social temos uma analogia entre os altos lugares que pode chegar uma águila e a o lugar ocupado pela duquesa em seus domínios, por outro lado, entre cenizas, ela está no mesmo plano, em conjunto com outros, e não acima. Novamente, a morte igual não apenas o ser, mas a condição do ser. Cenizas como metáfora para o paradeiro final da duquesa remete não só a disparidade de sua antiga condição e da nova, mas aniquila o ser em massa difusa de pó49. Além disso, cenizas recupera a lenda da Fénix, que renasce das cinzas. Sem embargo, quem aparece em lugar da nova Fénix é um gusano, anulando a expectativa do ressurgimento, asseverando o desengaño. A operação elocutiva do quiasmo, na construção do verso, é outro elemento que concorre para o efeito de sentido de inspirar temor nos ouvintes, na constatação brutal dos efeitos da morte sobre qualquer mortal, patenteando que não há diferença entre poderosos e desvalidos. O décimo primeiro verso, y dé consciencia a la persona sabia, fecha a terceira estrofe com um epifonema. As duas primeiras estrofes também foram concluídas com o epifonema, mas a diferença deste é que está introduzido pela conjunção y, sem antítese explícita, e sem o

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Em La Danza de la Muerte, a morte personificada apresenta-se diante dos poderosos deste mundo: El Padre Santo, El Condestable, El Físico, El Cura e até ao Labrador. O poderoso e rico, ou o mísero lavrador, ninguém pode fugir ao seu chamado. “A la dança mortal venit los nascidos/ que en el mundo soes de cualquier estado,/ el que non quisiere, a fuerça e amidos/ fazerle he venir muy toste priado./ Pues que ya el fraile bos ha predicado/ que todos bayáes a facer penitencia,/ el que non quisiere poner diligencia/ por mi non puede ser más esperado...” (ALONSO, 1942, p. 183). 49

Lembrar como Góngora já trabalhou magistralmente a aniquilação do ser em seu famosíssimo soneto Mientras por competir con tu cabello.

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pronome lo. O uso da conjunção y que serviria para alongar a oração choca-se com a braquilogia da omissão do sujeito do verbo dar, possibilitando a inserção de dois sujeitos possíveis, o pronome lo, como nos outros versos, retomando todo o argumento anteriormente expresso ou o substantivo gusano, que pode ser entendido como síntese final da grandeza ostentatória reduzida à pequenez repugnante50. Nesse verso não aparece nenhum tropo com o propósito de ensinar ao que tem sabedoria. O elogio amplifica a figura da duquesa para arrojála, como exemplo, aos pés da grande morte igualadora. No entanto, a aprendizagem dessa lição moral só poderá ser apreendida pelo sábio. Desta forma temos uma antítese implícita entre o sábio e o néscio, expresso no quarto verso quien lo ignora, mucho yerra. Nas estrofes anteriores Gregório de Matos imita muito de perto o soneto gongorino como foi possível verificar ao longo desta análise. O distanciamento fundamental entre os dois se dá a partir do primeiro terceto. O nono verso – A Real Capitânia submergida! - apresenta, na exclamação, a consideração atenta da nova condição da rainha. A metáfora Capitânia faz vez em lugar do substantivo rainha, na amplificação da sua condição. Como examinamos, Góngora, no primeiro terceto do soneto, prossegue a metáfora da duquesa como Fénix. Gregório de Matos opta pela metáfora náutica, na restrição do termo específico aplicado ao navio em que está o capitão, na equivalência da rainha como “capitã” do reino. O epíteto Real, grafado com maiúscula, intensifica a noção da embarcação que lidera a frota. Esta metáfora é tropo compósito na medida em que o substantivo Capitânia não só representa a rainha como “tripulante”, mas personifica o objeto que toma o seu lugar. O verso construído numa exclamação com elipse do verbo estar, intensifica o sentimento de perplexidade, é patético com a finalidade de comover o(s) interlocutor(es). O efeito patético em Góngora está fundamentado principalmente na suspensão, ocasionada pela prosapódose, enquanto em Gregório é diretamente explorada pela exclamação. 50

Também é possível pensar no topos do triunfo da morte, que aniquila a todos, sem distinção e sem possibilidade de fuga.

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Inicia-se, o décimo verso, na continuidade da metáfora náutica - Olhos à gávea, ó tu Naveta ousada. Primeiro, enuncia-se a advertência, olhos à gávea, índice da personificação da metáfora que designa o interlocutor, naveta. O substantivo olhos retoma o verbo ver (sexto verso) na admoestação, e equivale ao verso gongorino, y dé consciencia a la persona sabia. Góngora evidencia os signos da mortalidade e deixa um intervalo para o livre-arbítrio dos interlocutores, na conclusão restritiva. Gregório os encaminha no conselho, que foi iniciado, no sexto verso, como vidente que mostra a mortalidade do ser oculta na urna, e, no décimo verso, prescreve uma ação imperativa para o interlocutor. Góngora não aconselha, chega a uma conclusão depois de demonstrar que a morte não distingue linhagens. Gregório de Matos, na exclamação patética do nono verso, faz uma lamentação, logo substituída pela obsecração, ó tu Naveta ousada, reforçada pelo epíteto – ousada. O adjetivo ousada está incluído na correspondência semântica entre dois extremos: a virtude da coragem, e o vício da temeridade51. Aqui, especificamente, ousada é um vício (temeridade), e não uma virtude. Ousada está em antítese com o substantivo naveta, em diminutivo depreciativo. Antítese, também temos, em Real Capitânia e Naveta ousada, amplificada, na construção sintática em quiasmo, do substantivo e o epíteto. O décimo primeiro verso, Que ao mar te engolfas de ambição vencida, é uma prosapódose do décimo, na amplificação do pensamento relativo à naveta e sua ação deslumbrada pelo cupidez. O mar, na continuidade da metáfora náutica, é imagem bastante explorada por autores da época52, na acepção da vida humana como aventura imprevisível, com mudanças súbitas de estado (felicidade, riqueza, poder, saúde etc) e a mais atordoante de todas, para o sujeito que não está preparado, a morte. Temos na anástrofe ao mar, a objeção à aventura 51

Vejamos o que diz Retórica a Herênio (III, 3-6) sobre o tratamento discursivo do que deve ter a utilidade como meta. “A matéria honesta divide-se em reto e louvável. Reto é o que se faz com virtude e dever. Subdivide-se em prudência, justiça, coragem e modéstia. [...] Partes da virtude como essas devem ser amplificadas se as aconselhamos, atenuadas se delas dissuadimos, de modo que o que mostrei acima seja enfraquecido. [...] ao que ele, [o adversário] nomear coragem, chamaremos temeridade irrefletida e gladiatória”. 52 Segundo informação dada por Biruté Ciplijauskaité, em nota de rodapé: “La metáfora de la vida humana como navegación, proveniente de Horacio, es muy corriente en la poesía de este siglo”. (GÓNGORA, 1969, p. 208)

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humana, na exibição do objeto que representa o perigo, na tentativa de despertar o medo e evitar a ação. Na outra anástrofe do verso, de ambição, a persona dá a conhecer que o que move o ser humano a arriscar-se nos perigos da vida não é a prudência, nem a coragem, que visam a “coisas grandiosas e elevadas”53, mas a ambição, um vício, que domina a vontade do homem. Na operação elocutiva, a ambição é personificada, torna-se uma entidade que domina a naveta ousada, dominada pelas paixões, cega, engañada, e cabe à prudente persona orientá-la já na histerologia do décimo verso: Olhos à gávea. A prosapódose que finda o terceto, no entanto, não conclui o argumento que será rematado no décimo segundo verso. O terceto gregoriano é muito diferente do soneto de Góngora, no progresso elocutivo. Em Góngora, o terceto ainda é uma continuidade dos quartetos anteriores, (mas que encerra todo o argumento nele mesmo, sem continuidade no outro terceto), no fechamento da narração retórica, adequada às imagens que encenam a duquesa e os lugares ocupados por ela, para a conclusão da proposição de que a morte age sobre todos, independentemente da condição social, econômica e política do sujeito. É uma síntese que demonstra a superioridade da duquesa enquanto viva (ayer, Fénix) e sua nova condição (hoy, gusano). Oposição abrupta acionada pela morte e que servirá para a reflexão do sábio que puder ver além das aparências que a riqueza dissimula. No terceto de Gregório de Matos, há um distanciamento inopinado, ou a antecipação da metáfora náutica que Góngora só desenvolve no segundo terceto54, que revela a engenhosidade de Gregório como imitador, mas não como “pirata” do texto do outro. Segue o princípio da imitação, ditado pela retórica, mas se afasta revelando algo essencialmente próprio. Esse afastamento se dá pela introdução e o desenvolvimento adequado das metáforas náuticas na revelação da atual condição da rainha, que serve como lição moralizante, em oposição à ação 53

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[CÍCERO] Retórica a Herênio (III, 5).

Pode-se opinar que não há muita engenhosidade na opção de Gregório de Matos pelas metáforas náuticas, apenas uma antecipação de seu uso a partir do primeiro terceto ao invés de utilizá-las somente a partir do segundo terceto, como o faz Góngora. Por outro lado, o funcionamento destas metáforas náuticas terão um sentido muito diferente entre um e outro autor. Em Góngora, as metáforas funcionam como uma generalização do entimema sobre a condição humana em geral. Em Gregório de Matos funcionam, fundamentalmente, para caracterizar a rainha e o interlocutor que encenam o desengaño.

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do imprudente ou néscio que ainda não foi capaz de perceber a vida humana enquanto engaño governada pela vontade e não pelo juízo. O terceto de Gregório não conclui todo o argumento. Constrói um entrelaçamento entre os tercetos para explicar a primeira proposição no décimo e décimo primeiro versos - Olhos à gávea, ó tu Naveta ousada,/ Que ao mar te engolfas de ambição vencida: - no décimo segundo verso - Pois em terra a Real está encalhada. O segundo terceto de Góngora está formado por um entimema e uma alegoria. O décimo segundo verso, Si una urca se traga el oceano, é a prótase do período, que será complementado no décimo terceiro verso – ¿qué espera un bajel luces en la gavia? - na conformação do entimema. Introduz, o verso, a metáfora náutica55 e o adequado desenvolvimento da mesma em vários elementos referentes ao campo semântico da navegação. O substantivo urca, é metáfora que substitui dois conteúdos: o mais restrito, tendo como referente a duquesa de Lerma e o mais lato, figurando qualquer sujeito rico e/ou poderoso. O substantivo oceano56 é metáfora para a morte. Afirmamos, no princípio, que o verso é a prótase do período. Essa prótase está elaborada numa relação de subordinação condicional, e este colo é a hipótese de um raciocínio de proporção. Temos também a anástrofe do objeto direto una urca e hipérbato do sujeito el oceano, na construção, reforçando de forma quase antitética, o poder de destruição da morte. O deslocamento do objeto direto cria a ilusão de que a urca, por ser um navio poderoso (engano da vanitas), poderia suplantar o poder do oceano, que logo é desfeita na

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Podemos citar pelo menos mais dois sonetos onde aparece a metáfora náutica como fundo para o processamento da tópica da vida como atribulação coagido pelo cupidez, traduzida nas imagens de mar ou oceano e o ser humano como embarcação arrastada pelas paixões. Dois destes sonetos são dedicados à rainha Margarita de Áustria, um, DEL TÚMULO QUE HIZO CÓRDOBA EN LAS HONRAS DE LA SEÑORA REINA DOÑA MARGARITA, os versos, “¡Oh peligroso, oh lisonjero estado,/ golfo de escollos, playa de sirenas!/ Trofeos son del agua mil entenas,/ que aun rompidas no sé si han recordado”; e do outro soneto EN LA MISMA OCASIÓN, os versos, “farol luciente sois, que solicita/ la razón, entre escollos naufragante,/ al puerto; y a pesar de lo luciente/”. 56 Vejamos o topos oceano/mar configurando a tópica da morte em texto do século XV, nas famosas Coplas por la muerte de su padre, de Jorge Manrique. “Nuestras vidasson los ríos/ que van a dar en la mar,/ que es el morir;/ allí van los señoríos/ derechos a se acabar/ y consumir;/ allí los ríos caudales,/ allí los otros medianos/ y más chicos” O poeta, na terceira copla, recorre a metáfora que traz uma dupla interpretação: os rios que correm e não retornam, assim como que vida passa e não volta e o tamanho dos rios indicando as diferenças de fortuna. Ricos e pobres estão submetidos à lei imutável da natureza, fadados à morte. “Vida humana, tiempo, agua, corren coincidentes hacia um mismo término: el espacio sin límites del mar verdaderos o de ese inmenso mar de los muertos, de todos los muertos que nos han precedido” (SALINAS, 1952, p. 147).

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escolha do substantivo oceano, quando pensamos na relação de proporção de grandeza e de poder de aniquilação. Eis que se instaura, através da oração condicional uma hipótese, operada como incerteza dissimulada no artifício da aposiopese, argumento que poderia ser formulada como afirmação verossímil: el oceano se traga una urca. O décimo terceiro verso é uma interrogação patética que rompe com a expectativa do interlocutor: primeiro, na medida em que se aguarda a conclusão por verossimilhança da proposição: se...então; segundo, porque a persona deixa a cargo do interlocutor completar a tese que se ajuste à hipótese. Em outras palavras, quando deixa a resposta a cargo do interlocutor, reafirma também a idéia de que só la persona sabia57 será capaz de encontrar a resposta que complete o pensamento de forma a que torne a proposição verdadeira. “Esse tipo de ornamento [o contrário (ou entimema, em grego)] se perfaz brevemente numa sucessão de palavras. É cômodo de ouvir por sua conclusão rápida e completa; mas, sobretudo pelo confronto de contrários, o orador comprova com mais veemência aquilo que tem de comprovar e, partindo do indubitável, resolve o que é dúbio de modo que ou não possa ser refutado, ou seja extremamente difícil fazê-lo” (Retórica a Herênio, IV, 26) O décimo quarto verso, Tome tierra, que es tierra el ser humano, é, finalmente, a conclusão deliberativa fechada por uma epímone. O verso é formado pela junção de dois colos ligados pela conjunção explicativa que. Aparece a aliteração do /t/, reforçando a brutalidade da afirmação que não pode ser refutada. Como funciona essa afirmação e o motivo pelo qual não se pode refutá-la será nossa tarefa a partir de agora. O décimo segundo verso é a hipótese do entimema, que opera com a metáfora náutica da grande e poderosa embarcação que é engolida pelo oceano. O verso seguinte, a pergunta retórica que traz em seu bojo a resposta, desde que o interlocutor seja capaz de perceber o jogo encaminhado pelo entimema e na alegoria, na 57

“[142] 3º puncto. El 3º: considerar el sermón que les hace, y cómo los amonesta para echar redes y cadenas; que primero hayan de tentar de cobdicia de riquezas, como suele, ut in pluribus, para que más fácilmente vengan a vano honor del mundo, y después a crescida soberuia; de manera que el primer escalón sea de riquezas, el 2º de honor, el 3º de soberuia, y destos tres escalones induce a todos los otros vicios” (LOYOLA, Ejercicios Espirituales).

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proposição lógica, si una urca se traga el oceano. A pergunta gera a meditação e suspende o curso da conclusão óbvia, para la persona sabia. O último verso foi dividido em dois comas. O primeiro, é o conselho imperativo e claro, do desengaño, tome tierra, no plano figurativo e na continuidade da metáfora náutica, retorne a costa. A segunda parte do verso é epífrase, alusão e definição ao mesmo tempo. Epífrase na medida em que acrescenta um pensamento para explicar o segmento que o precede e o amplifica afetivamente; alusão, na operação da metáfora tierra58, que substitui as metáforas anteriores que visavam distinguir social e politicamente os indivíduos, juntando-os numa única metáfora que iguala a todos. Devemos ter em conta que o verso apresenta a diáfora do substantivo tierra na repetição, explorando o sentido causado pela homonímia tierra. No primeiro colo, com sentido de costa ou litoral; no segundo, indica a matéria de que é feito o ser humano. Além disso, o segundo colo apresenta a anástrofe do predicado nominal, es tierra, em relação ao sujeito, el ser humano. Há, nesta definição do ser humano, uma intensa exploração elocutiva do termo tierra para amplificar e reforçar a conclusão, conhecida pelo sábio desde o início do texto e evidenciada para o néscio. Desta forma não há espaço para desviar-se do exemplum que a morte da duquesa transmite. A persona, não expressa no texto, figura a Verdade do lugar da deliberação, na reprodução dos sinais da mortalidade que estão encobertos pelas pompas fúnebres ao néscio, que se engana com o aspecto exterior e não chega a perceber, por si só, o poder igualador da morte. O terceto de Gregório de Matos continua as metáforas náuticas do terceto anterior. O décimo segundo verso - Pois em terra a Real está encalhada - é epífrase do décimo e décimo primeiro verso. Nos dois versos anteriores a persona convoca o interlocutor a refletir sobre a condição atual da rainha e a sua própria, na antítese de Real Capitânia e Naveta ousada. O décimo segundo verso, epímone do pensamento do nono verso - A Real Capitânia submergida construído numa relação de antítese. No primeiro momento, figura a Real submergida, e no 58

O substantivo tierra remete ao topos amplamente conhecido do Eclesiastes, do Gênesis, só por citar algumas das obras bíblicas onde aparece o recorrente tema da vanitas.

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segundo, encalhada. O verso apresenta a anástrofe em terra, em antítese com ao mar, aliteração do /r/, elipse de Capitânia. O décimo terceiro verso - Alerta, altos Baixéis, porque anda a vida apresenta a advertência no recurso da obsecração introduzido pelo verbo no imperativo, Alerta. Na seqüência temos a apóstrofe altos Baixéis, com o epíteto altos, e a metáfora Baixéis. A apóstrofe desse verso mantém uma correspondência em antítese com o a apóstrofe do décimo verso, ó tu Naveta ousada, com construção em quiasmo. Retoma, também, a apóstrofe do segundo verso, ó Senadores. Percebe-se, nestas distinções apostróficas, uma diferenciação do público a quem se destina a obsecração. Na primeira estrofe, como mencionamos, a persona instaura um grupo de interlocutores que não representa a totalidade dos mortais, mas uma parcela que pertence a um determinado estamento. Esta leitura é apropriada na medida em que nas duas outras apóstrofes há uma oposição entre Naveta ousada, com o substantivo em diminutivo, rebaixando, e altos Baixéis, amplificando. O segundo colo do verso introduz a primeira parte da epífrase, porque anda a vida, com anástrofe do verbo. O décimo quarto verso - Da mortal tempestade ameaçada - encerra a epífrase, com anástrofe, da mortal tempestade e hipérbato de ameaçada. A ruptura da oração coordenada explicativa, a aliteração do /d/ e /t/, junto com a alteração da ordem sintática provoca uma lentidão no ritmo dos versos. Essa morosidade reforça a pomposidade da Verdade da afirmação e também evidencia a proximidade, lenta, da tempestade. O verso continua a alegoria, nas metáforas náuticas. Se o mar substitui a idéia das atribulações da vida, a tempestade substitui a idéia da morte. Essa idéia é reforçada, ainda, pela enálage (metalepse) do epíteto mortal (adjetivo) em lugar de mortalidade. A mudança operada na elocução gera uma dupla interpretação: a tempestade que pode matar e a imprevisibilidade da mortalidade. Diferentemente do soneto gongorino, Gregório de Matos desdobra, agudamente, a imagem do mar, primeiro, como as atribulações e segundo, na imagem da tempestade marinha, a própria morte. Góngora, em seu terceto opõe, ricos e pobres e os iguala, no escarmiento. Matos lembra aos ricos que a morte é imprevisível e

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a imagem da rainha serve como exemplo desta verdade. Os tercetos de Gregório de Matos guardam um distanciamento dos tercetos de Góngora através das escolhas elocutivas. Estas operações servirão para criar efeitos de sentido para os dois textos, que trataremos de mostrar no plano integrativo deste capítulo.

2.2. Plano Integrativo Nesta parte, trataremos, na nossa leitura, de juntar a invenção e a elocução, primeiro do soneto de Góngora e na seqüência, o de Gregório de Matos. Porém, se no plano analítico fizemos, para a elocução, análise das estrofes de par em par, agora, vamos integrá-los, sem a divisão anterior. Teremos como base de concepções fundamentais que aparecem nos dois sonetos, as Obras Morales, de Sêneca e os Ejercicios Espirituales, de Loyola com o intuito de corroborar a leitura que propomos, bem de acordo com o que preceitua a retórica: Los antiguos oradores, y principalmente los que gozaron de buena reputación, creían que era preciso no acercarse a ninguna modalidad de oratoria antes de haber tenido algún tipo de contacto con la filosofía y de estar imbuidos , gracias a ella, de su amplitud de pensamiento. (TEÓN, Ejercicios de Retórica, p, 51)

2.2.1.En el Sepulcro de la Duquesa de Lerma Podemos pensar que o soneto inteiro está divido em dois planos, daí o uso agudo da antítese. Os dois primeiros versos são a invocação dos vivos pelo sinal que os torna iguais: a mortalidade. Há, aqui, a oposição entre vivos e mortos. A convocação dos vivos põe em cena outras oposições, onde o tempo funciona como intermediário entre um estado e outro. Existe ainda a oposição entre a realidade da duquesa enquanto viva e depois de morta. Aparece, na primeira estrofe, a igualdade dos sujeitos convocados a partir do sinal inequívoco da mortalidade, marcados pela diferença de condição estamental, porém. Essa diferença não

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aparece de forma explícita, mas na reflexão sobre a fragilidade da vida dos que, aparentemente, estariam no ápice do poder temporal (águilas reales, deidad humana), mas que sucumbem ao poder do tempo (ayer/hoy) e da morte. Os elementos da invenção e da elocução estão organizados para introduzir a reflexão sobre a fragilidade da vida (Plumas, aunque de águilas reales), o poder do tempo e da morte, responsáveis pela mudança súbita da condição da duquesa (deidad humana/poca tierra) e de espaço (aras/túmulo). A primeira estrofe funciona como uma captatio benevolentiae patética, no elogio em forma antitética, do antes e do depois da duquesa. Essa reflexão introduz os argumentos que persona desenvolverá posteriormente, na revelação do que as pompas fúnebres escondem. A estrofe termina com a sentença que anuncia o tipo de sujeito em ação no mundo dos vivos, que ignora a ação do tempo e da morte e desse desconhecimento, nasce o erro59. O discurso da persona será todo organizado com a finalidade de desfazer esse erro, fundamentado no engaño do mundo. Como está nos Ejercicios Espirituales de Inácio de Loyola ([314] 1ª regla) La primera regla: en las personas que van de peccado mortal en peccado mortal, acostumbra comúnmente el enemigo proponerles placeres aparentes, haciendo imaginar delectaciones y placeres sensuales, por más los conservar y aumentar en sus vicios y peccados...

A Razão, personificada na estrofe, la razón abra, opõ-se ao vulgo, constantemente levado pelas paixões, como define Sêneca: [...] que es pésimo intérprete de la verdad. Y llamo vulgo tanto a los que usan clámide como corona, porque no miro al color de los vestidos con que están vestidos los cuerpos. [...] ¿Ves a ésos que alaban la elocuencia, siguen la riquezas, adulan a los favoritos y ensalzan el poder? Pues todos o son enemigos o, lo que es más justo, pueden serlo. Mientras más son los que admiran, más son los que envidian. (De la vida bienaventurada, II [2] e [4] )

A partir da segunda estrofe, a persona passa a explorar os aspectos macabros da morte, colocando o corpo como centro dessa ação. Primeiro evidencia os ossos, ocultos pelo sepulcro, tendo como centro de seu procedimento a visão do interlocutor. Este procedimento de “pôr 59

“Pero no siempre se escarmienta en los daños propios, porque una necia confianza suele dar a entender que no volverán a suceder. Muy sabio fuera ya el mundo si hubiera aprendido en sus mismas experiencias” (SAAVEDRA FAJARDO, Idea de un príncipe político cristiano, Empresa 93).

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diante dos olhos” é útil na contemplação60. Vejamos o que nos informa Loyola, sobre a necessidade de “ver com a vista imaginativa” os lugares da meditação, nos Ejercicios Espirituales: El primer preámbulo es composición viendo el lugar. Aquí es de notar, que en la contemplación o meditación visible, así como contemplar a Christo nuestro Señor, el qual es visible, la composición será ver con la vista de la imaginación el lugar corpóreo, donde se halla la cosa que quiero contemplar. Digo el lugar corpóreo, así como un templo o monte, donde se halla Jesu Christo o nuestra Señora, según lo que quiero contemplar. En la invisible, como es aquí de los pecados, la composición será ver con la vista imaginativa y considerar mi ánima ser encarcerada en este cuerpo corruptible y todo el compósito en este valle como desterrado; entre brutos animales. digo todo el compósito de ánima y cuerpo. ( [47] 1º preámbulo)

A persona revela, na meditato mortis, o que as pompas fúnebres dissimulam. Outro aspecto importante está ligado ao olfato. A hipotipose põe diante dos olhos o corpo morto, mas também trata de outro aspecto importante da decomposição, através do sentido do olfato, a no estar entre aromas orientales, especificando não só a visão, representada pela morte secca (los huesos), mas, também, o índice da decomposição, dissimulado pelo incenso, na descrição, e dissimulado pela elocução, no eufemismo. Desta forma a persona guarda o decoro ao utilizar o argumento da decomposição do corpo como signo da mortalidade, seguindo o que ensina Horácio (Arte Poética, 180): O la acción transcurre en la escena o se cuenta una vez pasada. Lo transmitido por la oreja excita menos los ánimos que lo que es expuesto ante los ojos, que no le engañan y que le espectador mismo se apropria para sí; sin embargo, no presentará en escena hechos que deban transcurrir entre los bastidores y apartará de los ojos del espectador gran número de cosas que pronto relatará la elocuencia de un testigo presencial.

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Santo Inácio de Loyola (2ª [anotación]), nos Ejercicios Espirituales, encarece a necessidade de “ver con la vista de la imaginación”, assim, “[...] es, que la persona que da a otro modo y orden para meditar o comtemplar, debe narrar fielmente la historia de la tal comtemplación o meditación, discurriendo solamente por los punctos con breve o sumaria declaración; porque la persona que contempla, tomando el fundamento verdadero de la historia, discurriendo y raciocinando por sí mismo, y hallando alguna cosa que haga un poco más declarar o sentir la historia, quier por la raciocinación propia, quier sea en quanto el entendimiento es ilucidado por la virtud divina, es de más gusto y fructo spiritual, que si el que da los exercicios hubiese mucho declarado y ampliado el sentido de la historia; porque no el mucho saber harta y satisface al ánima, mas el sentir y gusta de las cosas internamente”.

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A persona utiliza o mesmo procedimento de Loyola “para mover os afetos” do interlocutor, que “vê com os olhos da imaginação”61. Vejamos como o faz, o jesuíta, na descrição do procedimento para a visão do inferno, com uso dos diferentes órgãos dos sentidos na contemplação62: 1º puncto. El primer puncto será ver con la vista de la imaginación los grandes fuegos, y las ánimas como en cuerpos ígneos. 2º El 2º: oír con las orejas llantos, alaridos, voces, blasfemias contra Christo nuestro Señor y contra todos sus santos. 3º El 3º: oler con el olfato humo, piedra azufre, sentina y cosas pútridas. 4º El 4º: gustar con el gusto cosas amargas, así como lágrimas, tristeza y el verme de la consciencia. 5º El 5º: tocar con el tacto, es a saber, cómo los fuegos tocan y abrasan las ánimas. (Ejercicios Espirituales, 66, 67, 68, 69, 70)

Termina a estrofe com outra sentença, na personificação da razão capaz de “ver” o que a riqueza busca dissimular. O soneto insiste na concepção de que só a razão revela a verdade, retomando Sêneca: No me fío de los ojos para juzgar a um hombre; tengo una luz mejor y más cierta por la que discernir lo verdadero de lo falso. El alma es la que encuentra lo que es bueno para el alma. (De la vida bienaventurada, II [1])

e Loyola, na razão como entendimento capaz de tomar a decisão certa, evitando os enganos: Quinto: después que así he discurrido y raciocinado a todas partes sobre la cosa propósita, mirar dónde más la razón se inclina, y así según la mayor moción racional, y no moción alguna sensual, se debe hacer deliberación sobre la cosa propósita. (Ejercicios, 182, 5º puncto)

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Poeticamente, o soneto, no uso da hipotipose, segue o que recomenda Aristóteles (Poética, 1448b) “Y la razón de esto es también que aprender es no sólo más agradable para los filósofos, sino también para los demás en la misma medida, aunque participan de eso en pequeña medida. En efecto, se gozan ante la contemplación de imágenes, porque ocurre que ante su contemplación aprenden y razonan qué es cada cosa, como que ‘éste es aquél...’; ya que si no se ha visto el personaje con anterioridad, la mimesis no producirá placer como tal, sino por su perfección o por la forma de reproducir la piel o por alguna otra causa”. 62 Cf. “Urnas plebeyas, túmulos reales/ penetrad sin temor, memorias mías,/ por donde ya el verdugo de los días/ con igual pie dio pasos desiguales.// Revolved tantas señas de mortales, desnudos huesos y cenizas frías,/ a pesar de las vanas, si no pías,/ caras preservaciones orientales.// Bajad luego al abismo, en cuyos senos/ blasfeman almas, y en su prisión fuerte/ hierros se escuchan siempre, y llanto eterno,// si queréis, oh memorias, por lo menos/ con la muerte libraros de la muerte,/ y el infierno vencer con el infierno.” (1969, p. 239). Góngora também apresenta um soneto dedicado à meditatio construído na hipotipose “A la memoria de la muerte y del infierno” como escarmiento para o desenganõ.

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Riqueza e poder são aspectos da aparência externa do sepulcro, sem embargo, a ação da morte sobre o corpo de duquesa não é distinta da de qualquer mortal, revelada pelo ethos sábio da persona. A persona, na terceira estrofe, reúne e rememora os pensamentos expostos. O verso, la Fénix que ayer Lerma fue su Arabia recobra a condição temporal da duquesa e lugar onde exercia seu poder, dos dois primeiros versos do soneto. O outro verso, es hoy entre cenizas un gusano, abrevia toda a segunda estrofe. Os dois versos estão numa oposição que explora, na construção elocutiva, a mudança abrupta da condição da duquesa, através dos aspectos descritos do corpo e do local ocupado por ele, no mundo. O tempo e a morte, como signos da Providência e da Fortuna, operam a transformação da duquesa em Fénix/deidad humana no extremo oposto gusano/poca tierra. A escolha destas imagens hiperbólicas e diametralmente opostas revela a agudeza da persona: a primeira imagem, sublime, ligada à ave fabulosa que pode voar aos pontos mais altos do céu e símbolo de divindade, transforma-se na imagem do verme que está no mais recôndito da terra e que se alimenta da corrupção da matéria. De esposa de um dos homens mais poderosos da Espanha63, com sangue real, através da ação da morte, torna-se matéria difusa (tierra) e vil (gusano). A persona se incumbe de revelar o paradoxo da verdade do poder igualador da morte, através de signos macabros. “Ela desafia, combate e revira tudo de pernas para o ar: ante sua investida, a grandeza transforma-se em pequenez e a beleza em excremento” (CLAUDE BLUM, 1996, p. 279). E termina a estrofe, novamente com uma sentença, y dé consciencia a la persona sabia. A sentença adverte o interlocutor para a “ciencia 63

O duque de Lerma foi valido do rei Felipe III, com poderes dados pelo rei para governar como se fosse o próprio. Como afirma Tomás y Valiente (1990, p. 6-7) “No obstante, años después Felipe III envió a los presidentes de los consejos una Cédula en la que confirmaba por escrito los poderes dados a Lerma desde el principio. En ella ordena el Rey que cada Consejo y su presidente cumplan todo lo que les dijere u ordenare Lerma, informándole también de cuanto quisiera saber. El hecho es de una importancia excepcional, puesto que supone colocar todo el sistema de consejos a la disposición personal del valido. Desde ahora podemos ya comprender que éste no fue un simple amigo o favorito del Rey, que sólo actuase cerca de él y de forma más o menos solapada. Por el contrario, el Rey lo coloca expresamente por encima de todos los consejos y de sus presidentes. Y la frase final de esta Cédula indica sin lugar a dudas que Lerma venía actuando así desde el principio del reinado, con lo cual se confirma la aseveración de Ranke y de Pérez Bustamante, y se da entender que inicialmente Felipe III dio autorización directa a Lerma para actuar así, pero sin comunicar a los altos órganos gubernamentales su decisión”.

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de si mesmo” (COVARRUBIAS, 1995, p. 341), como “pó animado”64, é um memento mori. Vejamos o conselho de uma Arte de Bien Morir e Breve Confesionario, de 1480-1484, sobre a necessidade de preparar-se para a morte: Para lo qual muy expediente y conueniente cosa es que qual quier que desea ser saluo, muchas vezes y con diligencia aya ante los ojos la arte de bien morir, dela qual es la presente intencion. Y assi mesmo piense en su coraçon muchas vezes enla enfermedad postremera deque ha de morir, por que assi como dize sant Gregorio “mucho se ocupa en buena obra el que siempre piensa en su fin”, ca el mal que está por venir si es considerado y pensado ante, más ligeramente se puede tolerar y soffrir, segund aquel comun dicho. Si las cosas venideras son ante sabidas, más leuemente son soportadas.

Até a terceira estrofe o soneto apresenta ao interlocutor a duquesa e sua condição mundana e a implacável ação da morte nesta mesma condição, convertendo-a em seu oposto. Os argumentos assim expostos criam um efeito patético e movem os afetos. Um desses afetos é o terror diante da brutalidade da morte, o outro, da compaixão na reflexão de que o mesmo acontece a todo mortal. A persona move os afetos do interlocutor como ensina Aristóteles (Poética, 1.453b) Así pues, el temor y la piedad es posible que nazcan del espetáculo, pero también de la composición misma de los hechos, lo cual es mejor y de mejor poeta. En efecto, es preciso que la fábula esté estructurada de tal manera que incluso sin verla, el que oiga los hechos que ocurren se horrorice y se apiade por lo que pasa...

Por outro lado, cada sentença no final de estrofe, repisa sempre o mesmo argumento de desengaño, com o intuito de mudar a conduta do néscio que se impressiona com a aparência mundana da nobre, encoberta pelas pompas fúnebres e que se apavora diante do poder de destruição da morte, revelado pela persona, que em seu conselho, faz obra de misericórdia espiritual quando “enseña a los ignorantes, endereza a los que yerran y les da consejo a los que no lo tienen”65. 64

A expressão pertence a Quevedo. Sobre as obras de misericórdia e os questionamentos sobre a confissão conferir o Breve Confesionario “Capitulo xiij en que manera es de fazer la confession”. In: Arte de bien morir. Breve confesionario [Basado en la edición de Zaragoza: Pablo Hurus y Juan Planck, ca. 1480-1484]. Encontramos a recomendação sobre o bom conselho também em Santo Inácio (Ejercicios Espirituales, 40). “De suerte que en hablar para todo lo que es provecho, o es intención de aprovechar al ánima propia o agena, al cuerpo o a bienes temporales, nunca es ocioso; ni por hablar alguno en cosas que son fuera de su estado, así como si un religioso habla de guerras o 65

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Na última estrofe deixa-se já o lugar próprio da argumentação, fundamentada na morte real da duquesa66, para o lugar comum da reflexão geral sobre a inexorabilidade da morte, através da alegoria de continuadas metáforas náuticas. Temos a construção da antítese67 dos substantivos urca e bajel,

em tropo compósito da metáfora barco, para ser humano,

diferenciados na metonímia que evidencia o status pelo tamanho das embarcações. Apresentamse elementos comuns: a previsão do futuro de um bajel através do ocorrido com a urca, a destruição operada pelo oceano. Para induzir o interlocutor a compreender esta verdade, “el argumento es una especie de demostración (pues nos convencemos más cuando suponemos que algo está demostrado), la demostración retórica es un entimema y el entimema es una forma de razonamiento...” (Aristóteles, Retórica, I, 1355a) revestido por uma interrogação. A interrogação dissimula a brutalidade da revelação: a morte não distingue ricos e pobres em sua ação destruidora. O encadeamento dos argumentos e a escolha da morte da duquesa como exemplum é adequada para persuadir porque, como ensina Aristóteles (Poética, 1451b), para compor algo verossímil ... se dedican a nombres de personas que han existido y la causa es que lo posible es convincente; en efecto, lo que no ha sucedido, de ningún modo creemos que sea posible, pero lo que ha sucedido es evidente que es posible, pues no habría sucedido si fuera imposible.

mercancías”. 66 Quando especificamos “morte real da duquesa” não queremos dizer com isso que nos preocupamos com o acontecimento histórico em si, mas sim com a proposição dos argumentos que se baseiam na aplicação dos lugares comuns (pensamento infinito) a uma questão finita, no caso o evento da morte da duquesa, que não é um caso fictício, mas que a partir dele gera o efeito geral da meditatio mortis. Sobre os lugares comuns e quaestio finita e infinita ver LAUSBERG, Heinrich. Elementos de Retórica Literária, §393. 67 Como construção da antítese queremos deixar patente que bajel e urca são palavras que pertencem ao mesmo campo semântico e geralmente lidas como sinônimos, em sentido não-figurado ou quando se referem a um mesmo objeto de substituição trópica como metonímia. No caso, o uso elocutivo destas palavras substituem res diferente, como tropo compósito da metáfora barco, referência geral para ser humano, desmembrados em metonímias que indicam diferenças de grandeza. A partir dessas diferenças, cada um dos termos serve como metáfora para diferentes seres humanos em relação à “grandeza” mundana. Como ensina Lausberg (1965?, § 154, 1) “A diferença de significado, que inclui também a que existe entre sinónimos, chama-se differentia (παραλλαγή) e aparece em dois domínios: 1) A diferença de significado pode referir-se ao conteúdo conceptual. Por isso, existe, p. ex., entre as palavras “bens” e “propriedades”, uma diferença de significado (cf. também § 171). Na linguagem jurídica, a exigência de exactidão é grande (cf. o status finitionis: § 31,3) [...] não podem ser empregadas como sinónimos, mas têm de distinguir-se rigorosamente (i. é, têm de opor-se), de tal modo que sejam francamente contrários (“antónimos”) e, portanto, tenham de ser incluídas no domínio diversívoco. (§ 157)”.

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O último verso do soneto é o escarmiento O primeiro coma, com grave sobriedade, adverte o interlocutor a tomar tierra, dando seguimento à alegoria das metáforas náuticas. Dito de outro modo, a tomada de consciência deve conduzir o bajel a abandonar a aventura da navegação e os perigos do oceano, no retorno a terra. Alegoricamente, deve-se atender ao escarmiento no reconhecimento da mortalidade humana. O homem enquanto bajel que se recusa a ser surpreendido pela morte. A agudeza de Góngora neste verso interessa-nos na medida em que retoma o topos da livre disposição do ser por si mesmo revestida na alegoria do bajel que abandona a atividade para o qual exclusivamente fora fabricado. Na mesma medida, o homem deve morrer para a vida, antes de ser surpreendido pela morte. Como ensina Sêneca, com imagens náuticas68, a Paulino:

Sepárate, pues, del vulgo, querídisimo Paulino, y acógete por fin a puerto más tranquilo sin esperar a que él te arroje la vejez. Piensa por cuántas aguas has navegado, cuántas tormentas has padecido, unas privadas y otras públicas que tú convertiste en tuyas; bastantes muestras has dado de tu virtud en pruebas trabajosas e inquietas; experimentalo que harás en el ocio.

É preciso aceitar a morte, meditar sobre ela para não ser surpreendido. A morte deve ser amada e a vida temida. “É necessário morrer para a vida” – a tópica do desapego do mundo cristã se une a filosofia estóica da livre disposição de ser por si mesmo, aconselhada por Sêneca em Sobre a Brevidade da Vida, a busca cristã de “impecabilidade”69. Ensina o Concílio de Trento (Seção VI A SALVAÇÃO [ou: A JUSTIFICAÇÃO] Capítulo XIII): Não obstante, os que se convencem de estar seguros, olhem bem, não caiam, e procurem sua salvação com temor e amor, por meio de trabalhos, vigílias, esmolas, orações, oblações, sacrifícios e castidade, pois devem estar 68

O mesmo lugar-comum, teológico político em Saavedra Fajardo (Idea de um príncipe político cristiano. Empresa 101): “Esto dio a entender Simón Macabeo en aquel jeroglífico de las naves esculpidas sobre las colunas, que mandó poner naves alrededor del mausoleo de su padre y hermanos, significando que este bajel de la vida, fluctuante sobre las olas del mundo, solamente sosiega cuando toma tierra en las orillas de a muerte. ¿Qué es la vida sino un continuo temor de la muerte, sin haber cosa que nos asegure de su duración? Muchas señales pronostican la vecindad de la muerte, pero ninguna hay que nos pueda dar por ciertos los términos de la vida”. 69 A análise deste lugar-comum é desenvolvida por Alcir Pécora no prefácio do livro VIEIRA, Antonio. (concepção e organização, prefácio, notas e cotejo com a editio princeps Alcir Pécora) A Arte de Morrer: Os Sermões de Quarta-Feira de Cinza de Antonio Vieira. São Paulo: Nova Alexandria, 1994.

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possuídos de temor a Deus, sabendo que renasceram na esperança da glória, mas não chegaram à sua posse fugindo dos combates que lhes foram impostos, contra a carne, contra o mundo e contra o demônio.

Encerra-se o soneto com o famosíssimo memento homo, lembrando ao interlocutor que é terra, ou seja, que é mortal. Agudo jogo de palavras entre o primeiro colo - Tome tierra - na continuidade da metáfora náutica e a retomada do substantivo tierra, na indicação da matéria da qual é formada o homem. Este lugar-comum aparece em vários discursos da época70. Vejamos este interessante fragmento com o qual Covarrubias (1995, p. 615) fecha o verbete gusano71: “Y cerremos este discurso, co que siendo el hombre hecho de tierra, se ha de volver en tierra después de haber engedrado de su carne corrompida gusanos y pudrición”.

2.2.2.A Morte da Augusta Senhora d. Maria, Francisca, Izabel de Saboya, que Falleceo em 1683. A leitura que propomos para o soneto atribuído a Gregório de Matos é significativamente próxima ao soneto de Góngora. Ora, para não repetirmos o que expusemos, em termos de pensamentos expressos por Góngora em relação aos lugares-comuns da invenção do escarmiento e outros como ele relacionados, trataremos de salientar as diferenças que há, entre os dois sonetos, principalmente no que tange às escolhas de palavras e ornamentos. Partimos do pressuposto de que o soneto de Gregório de Matos é uma emulação do soneto gongorino e segue o que a preceptiva da época julga positivamente como aspectos da criação nas “buenas letras”72. Vejamos dentre muitos exemplos sobre a emulação e a imitação que poderíamos citar, em Teón (Ejercicios de Retórica, p. 56) o que diz sobre a paráfrase:

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Conferir o estudo de Jan Białostocki, Estilo e Iconografia: contribuición a una ciencia de las artes, capítulo “Arte y vanitas” que trata do tema da vanitas no século XVII com forte matiz didático-moralizante. Ver também Jean Delumeau, O pecado e o medo, capítulo “Pensai bem”. 71 O mesmo topos aparece em Saavedra Fajardo (Idea de um príncipe político cristiano. Empresa101):¸ “Considere bien que su real cetro es como aquella yerba llamada también cetro, que brevemente se convierte en gusanos, y que si el globo de la tierra es un punto respecto del cielo, ¿qué será una monarquía? ¿qué un reino? Y cuando fuese grande, no ha de sacar dél más que un sepulcro, o, como dijo Saladino, una mortaja, sin poder llevar consigo otra grandeza”. 72 Cf. o termo em Herrera, ([s/d], p. 151).

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La paráfrasis, por su parte, no es inútil, como algunos han dicho o han creído, pues la buena expresión, afirman, se consigue una vez, pero dos no es posible. Sin embargo, éstos están muy desencaminados de la verdad, pues, ya que la mente no es impresionada de un único modo por un solo hecho, de suerte que ofrezca de la misma manera la imagen que le ha sobrevenido, sino que lo es de más modos, y, puesto que nosotros unas veces enunciamos, otras interrogamos, otras indagamos, otras suplicamos, otras mostramos lo pensado de algún otro modo, nada impide expresar bellamente de todas las maneras posibles lo imaginado, con el mismo éxito. Hay pruebas de ello tanto en poetas como en historiadores, y en general es evidente que todos los antiguos han utilizado la paráfrasis de la mejor manera, transformando no sólo sus propias expresiones, sino también los unos las de los otros.

A primeira diferença, no primeiro verso, Hoje pó, ontem Deidad soberana, está na escolha das palavras. Gregório de Matos opta, para descrever a rainha, pelo substantivo pó, simplificando na sua escolha, a descrição da matéria em que se tornou a rainha, sem amplificação. Além disso, a histerologia põe em primeiro plano a nova condição. No segundo coma, encena a antiga condição da rainha73, no uso de uma palavra peregrina74, retirada diretamente do soneto que imita. Porém, o epíteto soberana funciona para amplificar a metáfora Deidad. Diferente do soneto gongorino que opta por um oxímoro hiperbólico, temos em Gregório somente a hipérbole da metáfora. No segundo verso, Ontem sol, hoje sombra, ó Senadores, a persona continua, nas metáforas a amplificação da nobre. Preceitua Menandro, o rétor (II, 380), a amplificação por comparação75: Las comparaciones referidas al tema en conjunto las elaboraremos así: ‘cuantos gobernadores hubo, tanto entre nosotros como en cualquier otra parte, o sólo en el linaje fundamentaron su prestigio, o destacaban por su 73

A disposito do soneto de Gregório de Matos obedece a o que regulamenta Menandro (II, 435), para a monodia: “Dividirás la monodia en tres tiempos: inmediatamente y en primer lugar, el presente, pues el discurso será mucho más conmovedor si uno mueve a compasión basándose en lo que está a la vista y en las circuntancias del momento [...] Luego, basándose en el tiempo pasado [...] Y básandose en el futuro...” 74 [...] permitido es que el escritor se valga de la dicion peregrina, cuando no la tiene propria i natural, o cuando es de mayor sinificacion. i Aristóteles alaba en la poética i en la retorica el uso de las vozes estrañas, porque dan mas gracia, a la compostura, i la hazen mas deleitosa i mas retirada del hablar ordinario. (HERRERA, [s/d], p. 138) 75 Matos traduz, de forma absoluta as excelências da rainha na medida em que recorre a metáfora sol, sem necessidade de recorrer a comparação pois “nada admite de ambíguo ni discutible, por ser ilustre la persona en grado sumo, sino que harás la elaboración basándote en lo que se reconoce comúnmente como bueno” (MENANDRO, EL RÉTOR, II, 368). Veja-se a imagem como tropo para amplificar, na perífrase metafórica, a Reina Doña Margarita, em Góngora (1969, p. 214): “La Margarita, pues, luciente gloria/ del sol de Austria, y la concha de Baviera/ más coronas ceñida que vio años”. Veja-se como a comparação aparece em (MENANDRO, EL RÉTOR, II, 381): “[...] es muy superior a todos por su linaje, como el sol se muestra respecto a las estrellas; y dentro en poco será admirado también por sus virtudes [...]”

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sabiduría o por una sola de las demás virtudes; pero este es muy superior a todos por su linaje,como el sol se muestra respecto a las estrellas...”

Em Góngora, o mesmo verso apresenta a amplificação, através das metáforas do lugar de residência e administração da duquesa. Diferença fundamental entre os dois sonetos, já que em Góngora, através da especificação da “pátria” da duquesa percebemos que parte de um lugar próprio na composição do seu texto e segue a preceptiva no elogio das “coisas externas” do encomiado76. Matos não traduz, em nenhum momento, o lugar de atuação da rainha, durante a vida, e neste verso, repete a mesma idéia da amplificação do poder da rainha, na antítese, sol/sombra, que já havia expresso no primeiro verso pó/ Deidad soberana. Outro dado em relação a este verso está na escolha do substantivo senadores na apóstrofe. Em Góngora, a persona convoca todos os interlocutores através da característica que os iguala, mortales. Em Gregório, convoca-os por um substantivo que determina uma dada linhagem. Em outros termos, na apóstrofe de Gregório de Matos, explicitamente seu escarmiento encaminha-se para uma classe abastada e não para todos os mortais, como em Góngora. Este dado é verdadeiramente importante para o encaminhamento do sentido que o soneto de Matos vai ganhando ao longo do seu desenvolvimento. No terceiro verso, Lises imperiais enfim são flores, a persona faz uma reflexão moral sobre a fragilidade da vida, traduzida por metáforas vegetais77. O encaminhamento elocutivo é conclusivo, partindo da particularização da rainha e sujeitos que pertençam ao mesmo estamento em lises imperiais, para o grupo não diferenciado dos mortais, flores. Em Góngora, essa reflexão principia no terceiro verso e termina no quarto, num enjabemant, Plumas, aunque de águilas reales,/ plumas son. Em Góngora, o caráter patético está na concessão da fragilidade da vida de nobres, que aparentemente são deidad, enquanto em Gregório de Matos a fragilidade é apresentada como natural. Além disso, quando opta pelas metáforas vegetais, distancia-se de Góngora, na medida em que este opera com as sinédoques 76

Retórica a Herênio (III, 10) “Coisas externas são aquelas que podem acontecer por obra do acaso ou da fortuna, favorável ou adversa: ascendência, educação, riqueza, poder, cidadania, amizades, enfim, coisas dessa ordem e seus contrários”. 77 Utilizo o termo “metáforas vegetais” adotando terminologia ensinada por João Adolfo Hansen.

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águilas e plumas no procedimento da metáfora Fénix. Gregório de Matos não adota para a rainha a metáfora mitológica e as metáforas e sinédoques que utiliza não apresentam a mesma coerência semântica que as de Góngora. Podemos perceber no poeta cordobês, que nas três primeiras estrofes, as imagens são escolhidas coerentemente na translatio da duquesa por Fénix. Em Matos, no entanto, as imagens para a rainha são coerentes enquanto reflexo da idéia do poder, durante a vida, deidad soberana, sol, capitânia e da fragilidade humana, pó, sombra, lis imperial, cinzas. A estrofe também termina com uma sentença, mas na oposição entre o crer e o enganar, Quem outra cousa crê, muito se engana, que instaura uma terceira pessoa, o néscio que acredita na aparência das Lises imperiais, que manifestamente são efêmeras porque são flores. Se a efemeridade das flores é evidente, quem não crê nesse argumento irrefutável, engana a si mesmo. Há a manifestação da Vontade do néscio em crer no engano. Em Góngora, a antítese explorada é entre ignorar e errar, quien lo ignora, mucho yerra, onde este terceiro erra por ignorar, ou desconhecer a Verdade, plumas [...] plumas son, que a vanitas vela, aunque de águilas reales. Na segunda estrofe a persona introduz, no uso da hipotipose, a partir de qual imagem fará a meditatio mortis: Nas cinzas, que essa urna guarda ufana. A persona opta pela sinédoque cinzas, em posição de adjunto adverbial. A meditatio instaura-se não só no corpo enquanto em estado final de decomposição, mas como lugar através do qual a persona revela a mortalidade da rainha. Outro dado a considerar é a personificação da urna enquanto objeto das pompas fúnebres que guarda decorosamente, ufana, o corpo de pessoa muito importante78, e possuidora de um vício, o orgulho79. No soneto gongorino, além da escolha do substantivo 78

Segundo Ariès (2003, p. 133), as pompas fúnebres respondiam a uma necessidade de prolongar “[...] o estado que Deus havia imposto ao defunto desde seu nascimento. Cabia a cada um, como um dever, manter durante sua vida, e também após sua morte, o devido lugar e a dignidade...”. Segundo esse estudioso da mentalidade da morte, a tendência à pompa não foi exclusiva das sociedades cristãs que sofreram a influência da Reforma e Contra-Reforma, na Europa. 79 A personificação da urna como objeto vicioso remete ao fato de que a urna não pode ter juízo daí que o fato de ter um vício não pode ser um dado negativo, mas serve para ressaltar a aparência exterior do objeto que pertence ao conjunto dos ornamentos das exéquias. Como está em Sêneca (De la vida bienaventurada, V, 1e 2) “Puesto que comencé a proceder con extensión, puede llamarse feliz el que ni desea ni teme, gracias a la razón, porque aunque las piedras y tambiénn los animales carecen de temor y tristeza, nadie dirá que son felices, pues no tienen consciencia de su felicidad. En el mismo lugar has de poner a los hombres que por tener embotada la naturaleza y

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huesos, Góngora descreve o corpo da duquesa pelo processo da decomposição e insiste, principalmente, através da retomada do advébio hoy no aspecto temporal da mudança operada pela morte e na descrição simples do sepulcro, sem uso de ornamento de palavra, em oposição ao que a pompa fúnebre esconde. No segundo verso — Vejo, que os aromáticos licores — instaura-se, definitivamente, a persona, no uso do verbo ver em primeira pessoa do singular. A segunda parte do verso, apesar de bastante semelhante na escolha das palavras e na expressão da mortalidade da rainha através do sentido do olfato que aparece no soneto gongorino, põe em cena o odor e o aspecto da viscosidade da decomposição do corpo80 como signos da mortalidade. Nos dois sonetos há a exploração de imagens macabras enquanto argumentos de desengaño. No entanto, Gregório de Matos escolhe a perspicuitas elocutiva das palavras do terceiro verso, são de seu mortal ser descobridores, na definição do pensamento aromáticos licores, desfazendo qualquer ambigüidade de interpretação. O jogo elocutivo aparece na construção dos versos com muito mais força que nos ornamentos de palavras. Em Góngora temos um agudo jogo de palavras (como expusemos na análise elocutiva do soneto), além da operação eufemística entre os aromas orientales e o próprio odor de putrefação que a persona, decorosamente patenteia sem nomear. O oitavo verso da estrofe, Porque, o que a arte esconde, o juízo alhana, como no soneto gongorino, também é uma sentença. Notemos, porém, que o verso inicia-se com a conjunção porque, além do hipérbato dos termos o que a arte esconde, o juízo alhana. Se no soneto de Góngora há a predominância do desenvolvimento dos jogos de palavras e no uso do gênero

desconocerse a ellos mismos, se han reducido al nivel de las bestias del campo y de las cosas inanimadas”. (grifo nosso) Cf. Boecio (La consolación de la filosofía, Prosa Tercera). Interessante pormenorização da idéia de que os homens dominados pelas paixões tornam-se “bestas”. Classifica os homens em animais de acordo com os vícios que manifestam. 80

Para nós, a exploração deste pensamento sobre a decomposição, enquanto processo, licores, parece um pouco incoerente já que a persona, começa a meditatio mortis, pela imagem das cinzas, ou seja, quando a carne já se desfez e tornou-se cinza. Entendemos que essa escolha foi feita na tentativa de não perder a sensação dada no soneto de Góngora na reminiscência da decomposição através do odor.

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abrupto, no uso do assíndeto, em Matos o processo elocutivo predominantemente é efetuado pela construção, no uso do hipérbato e da conjunção. Sonoramente trabalha com a aliteração do /s/. Estas escolhas permitem que o a estrofe tenha um ritmo mais lento. Assim, a persona expressa, de forma solene “altísimos conceptos”81 na especulação proporcionada pela visão das cinzas da rainha e conclui que o prudente, porque tem juízo (e neste caso, a persona se posiciona explícitamente enquanto tal), considera “o que se passa por debaixo da terra e que é, na maioria das vezes, escondido dos vivos” (ARIÉS, 2003, p. 140). As escolhas elocutivas de Góngora, principalmente na elaboração abrupta e a insistência na questão temporal, associam o tempo e a morte como entidades que alteram a existência do indivíduo para o extremo oposto outrora desconhecido. A sentença gongorina, la razón abra lo que el mármol cierra, é sutilmente distinta da Gregório de Matos porque, como não há a instauração de uma primeira pessoa, a sentença funciona como um convite à reflexão para qualquer um que tenha razón. A razón, personificada, autonomiza-se, estimulada pelos sentidos, para fazer conhecer a verdade encoberta pelo sepulcro82. Nos tercetos o “engenho” de Gregório de Matos encaminha o soneto de forma distanciada do modelo. Realiza-os a partir de metáforas náuticas, criando uma alegoria para a vida humana. Não devemos esquecer que esta alegoria está em contato com a figura da rainha, como imagem central — Real Capitânia/ a Real. Esta centralização produz imagens secundárias, Naveta ousada e altos baixéis, para as quais a advertência dirige-se. No soneto 81

Adotamos estes termos de Covarrubias. Esse topos aparece em Sêneca (La vida bienaventurada, 4) “Que la razón, incitada por los sentidos, busque las cosas externas — porque no tiene otro medio en qué apoyarse o de dónde tomar la carrera para la verdad —, pero que vuelva después a sí misma.” Nos Ejercicios Espirituales, Inácio de Loyola ensina aos cristãos como conhecer através da meditação. Para meditar é preciso compor os lugares com a “imaginação” e perceber as coisas com os sentidos. Desta forma o praticante poderá fazer a melhor eleição, após haver considerado o objeto sobre o qual deverá eleger e levando sempre em conta “la alabanza de Dios nuestro Señor” e a salvação da alma. No exercício 182, 5º puncto. “Quinto: después que así he discurrido y raciocinado a todas partes sobre la cosa propósita, mirar dónde más la razón se inclina, y así según la mayor moción racional, y no moción alguna sensual, se debe hacer deliberación sobre la cosa propósita”. Assim, estimulada pelos sentidos para conhecer o objeto a razão é estimulada para julgar além dos sentidos, que só podem dar um conhecimento parcial. É o mesmo processo de conhecimento que aparece nos sonetos. Ver, com a “imaginação” o corpo “escondido” pelo túmulo, conhecer a decomposição com os sentidos da visão, do olfato (e do tato no caso do soneto de Gregório de Matos) para que a razão (ou o juízo, ou o entendimento) conheça a verdade essencial encoberta pela aparência. 82

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gongorino, o primeiro terceto conclui a narração e os argumentos sobre a meditatio mortis da duquesa. A alegoria sobre a fragilidade da vida humana, composta também com metáforas náuticas servirá como base do entimema irrefutável, seguida do escarmiento, no último terceto. O nono verso é uma apóstrofe patética sobre a morte da rainha, traduzida pela metáfora hiperbólica real capitânia e a adequada continuidade da metáfora na analogia da morte do navio como naufrágio, submergida. O décimo verso e o décimo primeiro verso são uma única oração, formando uma advertência para os interlocutores que se arriscam imprudentemente, movidas pelos vícios, Olhos à gávea, ó tu Naveta ousada/ Que ao mar te engolfas de ambição vencida: A mesma advertência aparece como lugar-comum, por exemplo em Sêneca (De la vida bien aventurada, XXVIII, 1) Pero yo que miro desde arriba veo las tempestades que os amenazan, unas que un poco más tarde han de romper la nube, y otras ya vecinas, que se acercan cada vez más y han de arrebataros a vosotros mismos y a vuestras cosas. ¿Pero qué? ¿Acaso ahora mismo también, aunque no lo sintáis, un torbellino no está rodeando y envolviendo vuestras almas, que huyen de las mismas cosas que buscan, ya elevadas hasta lo más alto, ya abatidas hasta lo más bajo?. . .

A advertência sobre a ameaça da morte vêm revestida pela imagem olhos à gávea, segundo informação apurada por Biruté Ciplijauskaité em Salcedo Coronel. “Alude a la estrella que los antiguos llamaron Helena, la cual anuncia tempestad cuando se ve en la gabia” 83. Esta imagem do prenúncio da tempestade aparece no entimema gongorino, ¿qué espera un bajel luces en la gavia?, na última estrofe, que deixa, na interrogação, a conclusão para o interlocutor. Em Gregório de Matos a imagem introduz o pensamento que pretende desenvolver muito próximo do senequista, do sujeito distraído com seus afazeres no mundo, de ambição vencida, que não percebe a aproximação da “tempestade” ou da morte. Así, pues, cuando vieres con cuánta frecuencia toman la pretexta, cuan célebre es su nombre en el foro, no tengas invídia; estas cosas se consiguen 83

Esta informação é tirada da nota de rodapé dos Sonetos Completos (1969, p. 208).

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con daño de la propia vida. Para que a un año se le dé su nombre, desperdician todos sus años. A algunos, antes que subieran a la cumbre de su ambición, la vida los dejó en sus primeras luchas; a otros, después de haber alcanzado la dignidad que ambicionaban a costa de mil indignidades, les viene el triste pensamiento de que todo lo que han trabajado ha sido para el epitafio de su sepulcro; a otros, mientras disponían de su última vejez, como sí fuera juventud, para nuevas esperanzas, les faltó la vida en medio de grandes y agotadores esfuerzos. (SÉNECA, De la brevedad de la vida, XX, 1)

Esta leitura é possível, principalmente, porque o encadeamento elocutivo de Gregório de Matos, no gênero copioso, encaminha o argumento, que ao mar te engolfas de ambição vencida, no uso da prosapódose para o desenvolvimento completo do argumento e na personificação da metáfora naveta, que se engolfa ao mar sem perceber a proximidade da tempestade. Porém, a persona, adverte sobre a proximidade da destruição. O uso do diminutivo naveta serve para apequenar a metáfora que traduz o sujeito, movido pelas paixões, ou pelo gosto, como ignorante da sua condição. Este sujeito é tratado de forma negativa, o desconhecimento de si mesmo gera a própria perdição. É um topos que aparece desenvolvido também em algumas pinturas emblemáticas da Nova Espanha. “Esta inquietante representación de um hombre joven y bien parecido, adormilado por efectos de los excesos sensuales (rodeado de atributos de la vita voluptuaria) y que permanece indiferente ante la inevitable proximidad de su tumba ...” (MÉXICO. Museo Nacional de Arte. Instituto Nacional de Bellas Artes, 1994, p. 256). A última estrofe é a repetição do pensamento anterior no uso da epímone. O décimo segundo verso, Pois em terra a Real está encalhada, retoma o verso, — A Real Capitânia submergida — numa relação antitética entre submergida e encalhada, mas também é epífrase de olhos à gávea. No primeiro caso refere-se à imagem do navio que naufragou, como a rainha que morreu (aludindo , também, a vida como mar inconstante, ameaçada pela morte). No segundo caso, a Real alude ao próprio sepulcro, em terra, como evidência da mortalidade e exemplum para o desengaño. Este verso retoma a idéia expressa em Góngora, no pensamento

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tome tierra. Porém, em Góngora o pensamento é expresso como advertência, enquanto em Gregório de Matos é uma explicação para fundamentar a advertência olhos à gávea e alerta. Os dois últimos versos são a repetição da idéia já expressa na estrofe anterior, como já mencionamos. Há um dado importante, no entanto, que diz respeito à escolha das palavras na terceira apóstrofe - altos Baixéis. A segunda apóstrofe do texto, semanticamente, contém todos os seres que são movidos pela ambição e não se preocupam com a proximidade da morte, absortos que estão em seus afazeres, independentemente de ser rico ou desvalido. Por outro lado, a primeira apóstrofe do texto, senadores, seleciona um determinado grupo de interlocutores ao qual o escarmiento visa atingir, do mesmo modo que altos Baixéis. Esta é uma das diferenças fundamentais que há, no encaminhamento do texto de Gregório de Matos em relação ao texto gongorino. Explicitamente, o soneto gongorino, dirige-se a todos os mortais, sem distinção hierárquica. O soneto de Gregório de Matos opera com a distinção. Através das escolhas elocutivas, temos no soneto gongorino uma meditatio mortis fundamentada no elogio da duquesa, com demonstração do seu antigo estado e descrição do novo estado, escondidos aos olhos dos vivos. Isto gera a reflexão de que a morte iguala a todos e é, principalmente, intempestiva. A partir desta prova irrefutável, fundamentada no exemplum, ratificada pelo entimema, dá o escarmiento de desengaño. No caso de Gregório de Matos, o soneto enquanto imitação e emulação, respeitando às mesmas regras retórico-poéticas da invenção, opera com os mesmos elementos.

No entanto, as escolhas elocutivas, principalmente das palavras, das

epífrases, prosapódoses e apóstrofes, encaminham o texto para uma sutil diferença de sentido. Esta diferença reside principalmente na escolha deste público a ser escarmentado. Se em Góngora temos o princípio da morte igualadora, es tierra el ser humano, em Matos temos um memento mori dirigido principalmente aos ricos e poderosos, que poderão observar, na rainha, os signos de sua própria fragilidade.

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Capítulo III - O gênero epidítico e o topos da Consolação

DE LA CAPILLA DE NUESTRA SENORA DEL SAGRARIO, DE LA SANTA IGLESIA DE TOLEDO, ENTIERRO DEL CARDENAL SANDOVAL Esta que admiras fábrica, esta prima pompa de la esculptura, oh caminante, en pórfidos rebeldes al diamante, e en metales mordidos de la lima, tierra sella, que tierra nunca oprima; si ignoras cuya, el pie enfrena ignorante, y esa inscripción consulta, que elegante informa bronces, mármoles anima. Generosa piedad urnas hoy bellas con majestad vincula, con decoro, a las heroicas ya cenizas santas de los que, a un campo de oro cinco estrellas dejando azules, con mejores plantas en campo azul estrellas pisan de oro.

EPITAFIO À SEPULTURA DO MESMO EXmo. SENHOR ARCEBISPO. Este mármore encerra, ó Peregrino, Se bem, que a nossos olhos já guardado, Aquele, que na terra foi sagrado, Para que lá no céu fosse divino. De seu merecimento justo, e digno Prêmio, pois na terra nunca irado Se viu o seu poder, e o seu cajado Neste nosso hemisfério ultramarino. Enfim relíquias de um Prelado santo Oculta este piedoso monumento: As lágrimas detém, enxuga o pranto. Prosta-te reverente, e beija atento As cinzas, de quem deu ao mundo espanto, E a todos os Prelados documento.

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Nesse capítulo, trataremos de comparar o soneto de Góngora - DE LA CAPILLA DE NUESTRA SENORA DEL SAGRÁRIO, DE LA SANTA IGLESIA DE TOLEDO, ENTERRO DEL CARDENAL SANDOVAL84- datado por Chacón em 1615 e por Foulché-Delbosc, em 1916 e Gregório de Matos - EPITÁFIO À SEPULTURA DO MESMO EXmo. SENHOR ARCEBISPO85 - sem data, ambos epitáfíos dedicados a pessoas do clero. Relembramos que nosso objeto são sonetos dos dois autores que desenvolvem alguns topoi da tópica da morte. Neste caso, o que há de comum entre os dois textos é o fato de operarem com lugares-comuns relativos à consolação. No capítulo anterior, vimos como o elogio à gente de valia funciona como discurso de desengaño. Agora trataremos do elogio como consolação e exemplum de virtude. O topos da consolação guarda algumas relações com o escarmiento. Trata, também, do elogio de pessoas que são exemplos de virtude dentro do contexto social ao qual pertencem. O elogio é construído retoricamente, podendo ou não condizer com a realidade do elogiado. Em outras palavras, o elogio obedece às regras da preceptiva em sua composição, guardando o decoro relativo ao papel social do sujeito encomiado. Desta forma, o elogio, em geral, segue os exemplos de virtudes adequados aos papéis sociais desempenhados pelo sujeito e não necessariamente representa a verdadeira atuação do sujeito na sociedade à qual pertence. Esta distância entre a ação real e o ethos criado com artifício pelos artistas no século XVII gera algumas críticas como vemos, por exemplo, em Rosales (1966, p. 53):

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Góngora (1969, p. 217). Matos (1999. p. 198).

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Y, finalmente, conviene acentuar la importancia, reiteración y desmesura de los motivos panegíricos y de alabanza. La historia de su evolución es interesantísima, y bien merece que se haga de ella estudio independiente. Indiquemos ahora que durante el siglo XVII se repiten estas composiciones panegíricas con monótona insistencia. En cierto modo, revelan el desplazamiento de la alabanza que antes estuvo residenciada sobre el heroísmo y ahora se fija sobre la adulación. La virtud se ha convertido en honra; por ello, con el cambio de siglo, se pasa de la canción heroica al panegírico. No cantan, generalmente, estos poemas los grandes hechos heroicos; no ensalzan a sus realizadores; cantan los linajes ilustres, la dinastía reinante, las figuras políticas que ejercieron o atrepellaron el poder. El panegírico pasa del heroísmo a la cortesanía; después, de la cortesanía a la adulación. Más que a la historia rinde servicio en este tiempo a la genealogía. En el mejor de los casos se le rinde tributo al mecenas, no al héroe. En el mejor de los casos, puesto que el mecenazgo si no era un heroísmo era, indudablemente, una virtud. En fin de cuentas, el desengaño nacional determina, profunda y tristemente, esta inversión del género heroico, y en realidad, esta inversión del heroísmo.

Os poetas do século XVII, e entre eles, Góngora e Gregório de Matos, seguem a preceptiva na composição do elogio segundo regras inerentes ao gênero epidítico. Não pretendemos analisar estes sonetos tendo como questão específica o funcionamento do elogio como instrumento de adulação, não que em algum momento verdadeiramente não o tenha, sendo idéia corrente dentro das mesmas retóricas86. No entanto, percebemos em nossas leituras de textos de vários autores, que a composição do elogio segue modelos que não se restringem ao século XVII, mas são anteriores a este momento específico, corroborando que existe, efetivamente, a obediência às regras ditadas pelas preceptivas retórico-poéticas87. Nas palavras de Aristóteles (Retórica, 1367 a): Por otra parte, hay que tomar cualidades próximas a las que de hecho se tienen como si fueran las mismas, y eso tanto para alabar como para reprobar, como por ejemplo, tomar el cauto por frío e calculador, al candido por hombre de bien o al insensible por tranquilo, y así mejorando la imagen de cada uno a partir de las cualidades afines a las que tiene...

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Na definição de Teón, sobre o encômio e o vitupério aparece a noção de adulação: “Bellas acciones son precisamente las alabadas después de la muerte (pues a los vivos es costumbre adularlos)...” (Ejercicios de Retórica, 110). 87 Várias retóricas foram escritas ao longo dos séculos tendo como principal autoridade a Retórica de Aristóteles. Segundo Roland Barthes (A Aventura Semiológica, p.27): “Não será toda a retórica (se exceptuarmos Platão) uma retórica aristotélica? Sim, sem dúvida: todos os elementos didácticos que alimentam os manuais clássicos vêm de Aristóteles”.

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O que importa na produção do elogio não é o ethos real do encomiado, mas o verossímil da elaboração das suas virtudes que atendam a uma determinada ocasião e mantenham o decoro externo, relativo à pessoa e o lugar, e o interno, ao tipo de composição 88. Novamente temos aqui a quaestio infinita do encômio que reveste uma quaestio finita de um sujeito real, em um acontecimento real89. Por outros termos, é o que especificam Alcir Pécora e João Adolfo Hansen como a ocasião90. Retoricamente, a distinção se dá entre a tese, que “es un examen lógico que admite controvérsia, sin personajes determinados y sin ningún tipo de precisión circunstancial...” (TEÓN, Ejercicios de Retórica, 120) e a hipótese, que utiliza os lugares da tese na elaboração de um discurso aplicado a um personagem determinado e a uma dada circunstância. Se, como afirmamos anteriormente, a consolação guarda essa relação com o escarmiento na composição do elogio, a diferença reside no fato de que o escarmiento é uma advertência, grosso modo, sobre a fragilidade humana, a necessidade do reconhecimento dessa fragilidade, a mudança de atitude diante da morte na renúncia dos bens ilusórios deste mundo. A consolação procura, através do elogio, trazer à lembrança a imagem do falecido e confortar os sobreviventes, através de vários lugares-comuns sobre sua ventura e a conveniência de cessar a lamentação91. Segundo o que ensina Cícero (Debates en Túsculo, III, XXXII) sobre a consolação92: El primer remedio, pues, en las consolaciones consistirá em mostrar que el mal o bien no existe o que, al menos, es pequeño; el segundo, en examinar la común condición humana y concretamente, si ha lugar, la condición particular de quien está afligido; el tercero, en mostrar que es una suprema 88

Veja-se o decoro como virtus dispositionis em LAUSBERG, Henrich. Elementos de Retórica Literária, § 48. Cf. LAUSBERG, Henrich. Elementos de Retórica Literária, § 82,1,2. 90 “Na perspectiva do catolicismo contra-reformista, a noção de ocasião é associada correntemente ao conceito de razão de Estado, como variável do cálculo que permite atingir o fim desejado. A ocasião se estende ao campo das virtudes, quando aponta para uma ação oportuna segundo o exame das suas circunstâncias e, ao mesmo tempo, refere à desobstrução da vontade, condição de qualquer ação livre, catolicamente considerada. Ademais, a ocasião propicia ao livre-arbítrio e à escolha do Bem identifica igualmente o lugar objetivo de reconhecimento da ordenação providencial. Sob este ângulo, a ocasião nunca é acidental, mas, ao contrário, define o momento exato de ajuste entre a vontade histórica do arbítrio e a Vontade divina absolutamente livre, de que a primeira, vale dizer, a liberdade da vontade pessoal orientada pela razão, é apenas participação análoga”. (HANSEN, J. PÉCORA, A. Glossário de Categorias do Século XVII, p.6). Gentilmente cedido pelo Prof. Dr. João Adolfo Hansen. 91 Veja-se como exemplo as consolações de Sêneca a Márcia e a Políbio que utiliza esses topoi. 89

84

estupidez abatirse inutilmente en la tristeza, sabiendo que no puede reportar provecho alguno.

Dividiremos este capítulo também em plano analítico e plano integrativo, como fizemos anteriormente. No plano analítico começaremos pela invenção e passaremos à elocução. É preciso especificar que nesta parte do estudo não faremos a comparação dos textos de forma paralelística como o anterior, já que, diferentemente dos sonetos de escarmiento, os autores trabalham em vários pontos com a mesma invenção e até com procedimentos elocutivos semelhantes, já que elaboram discurso epidítico de consolação, mas, não podemos afirmar, como anteriormente, que Gregório de Matos imita a Góngora, já que a não ser pelas “coincidências” que colocaremos nesta exposição, não há citação manifesta do texto gongorino, como há, explicitamente, no soneto de escarmiento.

3.1. Plano Analítico

3.1.1.A Invenção

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A consolação é um dos topoi retóricos de gênero epidítico. No entanto, no caso dos poetas que estudamos, deve-se ler a consolação em chave católica. Recorreremos a Inácio de Loyola para explicar, catolicamente, a consolação (Ejercicios Espirituales, 316, 3a regia) “La tercera [regla] de consolación spiritual: llamo consolación quando en el ánima se causa alguna moción interior, con la qual viene la ánima a inflamarse en amor de su Criador y Senor, y consequenter quando ninguna cosa criada sobre la haz de la tierra puede amar en si, sino en el Criador de todas ellas. Assimismo quando lanza lágrimas motivas a amor de su Senor, agora sea por el dolor de sus peccados, o de la passión de Christo nuestro Senor, o de otras cosas derechamente ordenadas en su servicio y alabanza; finalmente, llamo consolación todo aumento de esperanza, fee y caridad y toda leticia interna que llama y atrae a las cosas celestiales y a la propia salud de su ánima, quietándola y pacifícándola en su Criador y Senor”.

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Os poetas, nestes sonetos consolatórios, apresentam alguns topoi referentes ao gênero epidítico, que dedicado aos mortos recebe o nome de epitáfio93. O elogio se divide em dois: um, dirigido ao monumento sepulcral, e o outro, destinado ao defunto. No caso específico gongorino aparece também o elogio aos mortos sepultados na mesma capilla que o Cardenal Sandoval. Ser alabado depois de morto é mais belo que enquanto vivo, pois há o reconhecimento da virtude do sujeito que não será beneficiado pela homenagem póstuma94. “O [son nobles] aquellas [cosas] cuyos benefícios se reciben más después de muerto que durante la vida,

pues

los

que

se

reciben

durante

la

vida

comportan

un

provecho

próprio” (ARISTÓTELES, Retórica, I, 1367a)95. Os dois sonetos apresentam a instauração de uma segunda pessoa, caminante/peregrino, atualizando um motivo freqüente nos epigramas gregos: a chamada ao caminhante que “pide al caminante que se detenga ante la tumba, lea la inscripción con el nombre del difunto, lo compadezca y después siga su camino” (VEGA, 1992, p. 20). A chamada ao caminhante funciona efetivamente para que o nome do defunto não seja esquecido. Não basta que se admire a beleza do monumento, mas que se tome o conhecimento de quem jaz ali e a importância de sua ação no mundo. Além disso, o caminhante, enquanto lugar-comum didático, figura o sujeito que busca o conhecimento através da viagem. Baltazar Gracián (1997, p. 363) ensina que o prudente, depois de dedicar-se aos estudos teóricos (Filosofia, História, Cosmografia etc), “desarrolla la idea del viaje como experiência y camino de conocimiento”96: 93

“Un encomio es una composición que pone de manifiesto la grandeza de las acciones nobles y de las buenas cualidades de un personaje determinado. Pero en la actualidad se llama propriamente ‘encomio’ el que va dirigido a los vivos, mientras que a los muertos se denomina ‘epitafio’” (TEÓN, Ejercicios de Retórica, 109). 94 Em Cícero, aparece a mesma idéia: “Así pues, la muerte, que por los caprichos del azar nos amenaza a diário y por la brevedad de la vida nunca puede estar muy lejos, no impide al sábio que mire en todo momento por el Estado y por los suyos, pensando que a él le concierne la posteridad, aunque no llegará a conocerla. Por ello, incluso quien juzga que el alma es mortal puede esforzarse en conquistar la inmortalidad, no por deseo de gloria, pues no la conocerá, sino de virtud, a la cual necesariamente le seguirá la gloria, aunque tu no la busques” (Debates en Túsculo, I, XXXVIII, 91). 95 Teón, em seus Ejercicios de Retórica (110), comparte do parecer de Aristóteles: “Bellas acciones son precisamente las alabadas después de la muerte (pues a los vivos es costumbre adularlos) ...” 96

Aurora Egidio, em nota de rodapé ao texto de Gracián faz notar esse topos. Em Saavedra Fajardo (Idea de un príncipe político cristiano, Empresa 101) o topos do encontro com o sepulcro funciona como memento mori:

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Empleó el segundo en peregrinar, que fue gusto peregrino, segunda felicidad para un hombre de curiosidad y buena nota. [...] Adquiérese aquella ciência experimental, tan estimada de los sábios, especialmente cuando el que registra atiende y sabe reparar, examinándolo todo, o con admiración o como desengaño.

Outro lugar de argumentação utilizado nessas consolações é o elogio do monumento fúnebre como homenagem ao falecido. Note-se que o encômio não tem como único objeto louvar aos deuses (hinos) ou aos homens, mas também se pode elogiar animais ou objetos.

Y como se da muchas veces el caso de que, tanto en serio como sin seriedad, encomiamos no solo a un hombre o a un dios sino también a seres inanimados o al primer animal que se nos venga a las mientes, de igual modo se han de escoger también las premisas acerca de estos temas (ARISTÓTELES, Retórica, I, 1366a).

O elogio do monumento funciona como topos da sobrevivência do defunto após a morte: marca o lugar da inumação do corpo, traduz a tentativa do prolongamento da memória do desaparecido numa estrutura menos fugaz97, esconde os signos macabros da mortalidade98. O epitáfio e o monumento revelam o nome e prolongam a existência pela lembrança dos feitos, nova tradução da idéia da fama póstuma. O elogio do monumento

“Pero si en nosotros fuese más valiente la razón que el apetito de vivir, nos regocijaríamos mucho cuando llegásemos a la vista dél, como se regocijan los que, buscando tesoros, topan con urnas, teniendo por cierto que habrá riquezas en ellas. Porque en el sepulcro halla el alma el verdadero tesoro de la quietud eterna”. 97 A reflexão sobre a caducidade do mundo trabalha com topoi referentes à desaparição de impérios, cidades emonumentos que aparentemente teriam uma duração mais longa. “En ese punto, además, tienes ocasiónde introducir también relatos: que perecen ciudades, y pueblos hay que desaparecieron por completo...” (MENANDRO, Tratado II, 414). Góngora, no elogio ao sepulcro, trata de caracterizá-lo com material que resiste ao diamante, tradução poética da rigidez do monumento que resiste a ação do tempo. 98 Lembremos dos versos Los huesos que hoy este sepulcro cierra/As cinzas que essa urna guarda ufana, dos sonetos de escarmiento. Segundo o historiador das mentalidades, Phillipe Ariès, “[...] por volta do século XIII, recuou-se diante da visão do cadáver e de sua exposição na igreja.” (2003, p. 144). Substitui-se a exposição do corpo pela representação do defunto, de forma semelhante, seja a máscara, seja a estátua, em ricos funerais. Segundo o historiador: “Não existe tanta contradição quanto se poderia pensar entre a recusa em ver o cadáver real e a vontade de representar o vivo com traços deste mesmo cadáver, pois não é o cadáver que se reconstitui, e sim o vivo com o auxílio dos traços do morto; enfim, pede-se à arte que substitua a realidade bruta” (ARIÈS, 2003, p. 145). Como no verso gregoriano Porque, o que a arte esconde, o juízo alhana.

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funciona como topos de “los sucesos que siguieron a su muerte” (HERMÓGENES, Ejercicios de Retórica, 16). Os textos apresentam também o recurso da amplificação dos sujeitos elogiados e do monumento que guarda as cinzas, além da afirmação de que esses membros da igreja encontram-se em outro plano (o céu) em razão de sua boa conduta durante a vida. Traduz, em chave católica, o lugar-comum de que morrer é positivo na medida em que o que perece é o corpo; a alma, imortal, vive junto a Deus. A recomendação de Menandro (Tratado II, 421), no entanto, servirá para exemplificar que esse topos é retórico, não é exclusivo da Igreja ou do catolicismo, mas anterior:

[...] estoy convencido de que el que se nos ha ido habita en los Campos Elíseos, donde Radamantis, donde Menelao, donde el hijo de Peleo y Tetís, donde Memnón. Quizás más bien, vive ahora entre los dioses, se pasea por el cielo y mira las cosas de aqui abajo.

A vida deles torna-se exemplo de vida beata traduzida no elogio que não desenvolve necessariamente a efetiva obra dos mesmos enquanto modelo de conduta a ser imitada. O modo como ganham a outra vida não é claramente desenvolvido nos sonetos, mas deve-se induzi-lo, na medida em que os dois alabados são membros da igreja. Amplifica-se a figura do elogiado ao ponto de convertê-lo em herói: “Cantémoslo, pues, como a un héroe, o más bien, bendigámoslo como a un dios, hagamos imágenes suyas, conciliémonoslo como a una divinidad” (MENANDRO, Tratado II, 25). Novamente, o topos é adequado catolicamente, elevam-se os personagens a categoria de herói99, mas não a de deus, já que o grau máximo que o homem pode alcançar de reconhecimento por uma vida beata, de desapego do mundo e 99

Alcir Pécora (2008, p. 80) trata da questão do sujeito humano como modelo heróico da mobilização da vontade humana, em Vieira, como ação teológico-política, que ultrapassa o mero topos retórico: “Vê-se aí perfeitamente que o que Vieira coloca em evidência no jogo é menos o que é exclusivamente do santo do que aquilo que seria relativo a uma potência humana irrealizada por falta dessa determinação voluntária para a união com a ordem do divino. Se a união do sujeito humano com Cristo é transformada em modelo heróico, o que, na perspectiva de Vieira, implicaria sempre uma mobilização determinada da vontade humana, é preciso considerar ainda que essa mobilização se especifica aí em termos de atos regulares, cotidianos, e não em rompantes isolados como seriam, por exemplo, os gestos extraordinários dos mártires”.

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obediência às leis divinas é a da santificação100. Como decreta o Concílio de Trento (Seção VI A SALVAÇÃO (ou: A JUSTIFICAÇÃO), Cap. X - Do incremento da salvação obtida):

Os que conseguiram a salvação e assim tornados amigos e íntimos de Deus, caminhando de virtude em virtude, se renovam como diz o Apóstolo, dia após dia. Assim é, que mortificando sua carne e servindo-se dela como instrumento para salvação e santificação mediante à observância dos mandamentos de Deus e da Igreja, crescem na mesma santidade que conseguiram pela graça de Cristo, e auxiliando a fé com as boas obras, se salvam cada vez mais, segundo o que está escrito: “Aquele que é justo, continue em sua salvação”. Em outra parte: “Não te receies da salvação até a morte”. Também: “Bem sabeis que o homem se salva por suas obras, e não só pela fé”. Este é o aumento de santidade que pede a Igreja quando roga: “Concedei, ó Senhor, aumentar a nossa fé, esperança e caridade”.

Outro lugar da invenção que aparece nos textos está em não admitir a lamentação. Em Góngora, não há sequer a citação. Em Gregório de Matos, aparece o topos para ser imediatamente recusado. A recusa da lamentação aparece em Cícero101 e

em

Sêneca102. O lugar-comum responde também a idéia cristã da recusa da lamentação, já que o cristão deve ter esperança na outra vida e na salvação. A morte deve ser “liberação alegre”103. 100

Neste sonetos, os poetas abrem mão do recurso retórico da comparação: “Luego situarás, trás eso, como capítulo aparte, las comparaciones referidas al tema em conjunto, sin dejar tampoco en cada capítulo de hacer una comparación, la cual es preciso añadir a aquel capítulo que estás tratando. Entonces añadirás, de manera explícita, la comparación referida al tema en conjunto. Por ejemplo, trás haber recorrido los capítulos desde el principio, puedes decir: ‘pues bien, si examinamos todo eso en relación con alguno de los semidioses o de los hombres excelentes de nuestro tiempo, a ninguno de aquéllos en eso le va en zaga’. Así que hay que presentarlo más admirable que uno admirable, o émulo de cualquier hombre ilustre, por ejemplo confrontando su vida con la vida de Heracles o con la de Teseo” (MENANDRO, EL RÉTOR, Dos Tratados de Retórica Epidítica, II, 420, 30 e 421, 5,10). É útil especificar que apesar dos autores distinguirem os elogiados como “santos”, Inácio de Loyola recomenda que não se compare às pessoas aos santos. “Debemos guardar en hacer comparaciones de los que somos vivos a los bienaventurados passados, que no poco se yerra en esto, es a saber, en decir: este sabe más que Sant Augustín, es otro o más que Sant Francisco, es otro Sant Pablo en bondad, sanctidad, etc” (Ejercicios Espirituales, 364, 12a regla). Daí a elevação à categoria de “herói”, sem a comparação. 101 “Deséchense, pues, esas necedades casi de viejas de que morir antes de tiempo es una desgracia. ¿Qué tiempo?, veamos. ¿El de la naturaleza? Sin embargo, ella nos dio el disfrute de la vida como si se tratase de dinero prestado, sin fijar de antemano el vencimiento. ¿A qué quejarse entonces, si la reclama cuando quiere? Con esa condición, en efecto, la habías recibido. Esa misma gente piensa que, si muere un niño pequeño, debe soportarse con serenidad, pero que si muere en la cuna ni siquiera hay que lamentarlo. Con todo, la naturaleza reclamo con bastante dureza al niño lo que le había dado” (Debates en Túsculo, I, XXXIX, 93). 102 “ Así, pues, no hay por qué envanecerse, como si estuviéramos situados entre posesiones nuestras: la hemos recibido en deposito. Nuestro es el usufructo, por un tiempo que regula el autor de la donación; nos conviene tener a punto lo que nos dieron hasta una fecha imprecisa y devolverlo sin quejas cuando nos citen: es de pésimo deudor organizar un escándalo a su acreedor” (Consolación a Marcia, 10, 2). 103 “ Identificar o fundo comum aos dois tipos de obras consagradas à morte cristã é ser levado a observar que horror e o desejo de morte coabitaram nos mesmo escritos. Não havia contradição entre as duas atitudes. A morte é horrível, sendo a pior da punições infligidas ao homem pecador. Ao mesmo tempo, ela é desejável porque põe um termo ao nosso desterro neste ‘vale de lágrimas’: ela abre para a luz”

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Além disso, outro lugar que aparece na composição dos epitáfios responde a característica do distanciamento temporal entre o acontecimento e a elaboração do discurso104. Verifica-se esse procedimento justamente porque o encômio está direcionado para um caminhante/peregrino, sujeito que não está presente no cortejo fúnebre ou no sepultamento. Obedecem, os sonetos, o que dita Menandro, o rétor (Dos tratados de retórica epidíctica, II, 25,30): Pero ahora el mucho tiempo transcurrido ya no deja lugar a lamentos y consolaciones; y es que se ha producido, con el tiempo, el olvido del dolor, y no tenemos a quién consolar, pues ni los padres de aquellos son conocidos, ni su familia. Y, aun si por casualidad fuera conocida, queda completamente fuera de lugar, además de ser inoportuno, pretender, después de mucho tiempo, moverlos a una lamentación, cuando la pena está ya adormecida por el tiempo. Por consiguiente, el epitafio que se pronuncia mucho tiempo después es un mero encomio, como el Evágoras de Isócrates.

Importante, também na invenção, o preparo elaborado do ethos da persona. Ela é responsável por chamar a atenção do sujeito que passa pelo sepulcro, admirando a beleza externa, sem preocupar-se com a pessoa que ali jaz. O ethos virtuoso, sábio105, ensina ao caminhante como descobrir a quem pertence o monumento, além de informar que no sepulcro está somente o que se refere ao corpo, por que, de outra parte, “[...] cuán abundantes, cuán diversos, cuán grandes espetáculos habrá de contemplar el alma en las regiones celestiales!” (CICERÓN, Debates en Túsculo, I, XXI). O poeta, inspirado pela “graça”

(DELUMEAU, 2003, p. 56). Ou como afirma Saavedra Fajardo (Idea de un príncipe político cristiano representado en cien empresas, Empresa 101): “Y, aunque es notable la diferencia del ser al no ser, puede sentirlo la matéria, no la forma de hombre, que es inmortal y se mejora con la muerte. Naturales el horror al sepulcro. Pero si en nosotros fuese más valiente la razón que el apetito de vivir, nos regocijaríamos mucho cuando llegásemos a la vista dél, como se regocijan los que, buscando tesoros, topan con urnas, teniendo por cierto que habrá riquezas en ellas. Porque en el sepulcro halla el alma el verdadero tesoro de la quietud eterna”. 104 “Es, em efecto, lenta, pero poderosa, la medicina que proporciona el correr de los días” (CICERÓN, Debates en Túsculo, III, XVI, 35). 105 “Quien sea, pues, 'frugal' o, si lo prefieres, moderado y templado, necesario es también que sea firme; y quien es firme, también es tranquilo; y quien es tranquilo, está libre de toda perturbación; luego también de aflicción. Y estos son los atributos del sábio, por tanto la aflicción estará ausente del sábio” (CICERÓN, Debates en Túsculo, III, VIIl, 18).

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divina106, revela a condição da alma em outro plano, além de erigir “outro” monumento ao defunto, operando com o topos horaciano da perenidade da poesia107. La vida del arte, que es “aere perennius” (perenne como el metal, Horacio, Carm. III, XXX), da origen a la convicción en la inmortalidad de la fama, en la conciencia de las generaciones futuras. Ese «non omnis moriar» (no muero por completo) es quizás uno de los conceptos más hermosos de la idea de la vanitas (BIAŁOSTOCKI, 1973, p. 187).

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“A mí, por cierto, me parece que ni siquiera las actividades más conocidas e ilustres están exentas de fuerza divina, hasta el punto de que, en mi opinión, ni el poeta puede crear un poema profundo y rico sin tener en su mente una espécie de inspiración celestial, ni la elocuencia puede fluir con abundancia de frases sonoras y pensamientos fecundos sin una fuerza superior” (CÍCERÓN, Debates en Túsculo, I, XXVI, 64). Segundo a opinião de Cícero o poeta é um ser inspirado celestialmente, daí que pode conhecer e revelar estas verdades que não são sempre visíveis aos mortais. Devemos, no entanto, lembrar que acima do poeta está o filósofo e a filosofia, como “madre de todas las artes”. Catolicamente, a reta razão é responsável por guiar o homem na busca da Verdade e repudiar os enganos do “inimigo da natureza humana”, como ensina Loyola (Ejercicios Espirituales, 314, 1ª regla) “La primera regla: en las personas que van de peccado mortal en peccado mortal, acostumbra comúnmente el enemigo proponerles placeres aparentes, haciendo imaginar delectaciones y placeres sensuales, por más los conservar y aumentar en sus vicios y peccados; en las quales personas el buen spíritu usa contrario modo, punzándoles y remordiéndoles las consciencias por el sindérese de la razón”. 107 “ Mas, em meio aos temas insistentes da mortalidade, Horácio foi talvez o poeta que afirmou de maneira mais veemente e grandiosa sua crença na imortalidade que lhe estaria assegurada, a ele assim como às pessoas e às coisas tocadas por seu canto. O topos da perenidade da poesia deu ocasião a versos memoráveis, mas nunca tão rematadamente lapidares quanto - como era de esperar - no poema de encerramento dos Carmina IIII...” (ACHCAR, 1994, p. 154). Para aprofundar o estudo sobre o topos do Exegi monumentum, leia-se o capítulo “Lírica e Imortalidade”, de Achcar em Lírica e Lugar-Comum: alguns temas de Horácio e sua presença em português p. 154-163.

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3.1.2.A Elocução

Reiterando o que propusemos anteriormente, desta vez, não faremos a análise da elocução de forma paralelística como no capítulo precedente. O soneto de Gregório de Matos guarda uma relação de proximidade com o soneto gongorino, não só em relação ao tema, ao elogio ao monumento e outros elementos que vimos anteriormente na invenção, mas também na escolha de palavras. No entanto, diversamente dos sonetos de escarmiento, não há uma citação direta do soneto de Góngora em Matos e desta forma não podemos afirmar que há imitação ou emulação, mas um topos em comum. Começaremos nosso estudo elocutivo pelo soneto gongorino, DE LA CAPILLA DE NUESTRA SEÑORA DEL SAGRARIO, DE LA SANTA IGLESIA DE TOLEDO, ENTIERRO DEL CARDENAL SANDOVAL108. A primeira estrofe põe diante dos olhos o monumento fúnebre, um dos elementos centrais do soneto. Através do uso da hipotipose e da perífrase no primeiro e segundo versos Esta que admiras fábrica, esta prima/ pompa de la esculptura, - remete o leitor, no proêmio a observar o sepulcro, o mesmo que o caminhante “admira”, ainda ignorante de sua função. Para 108

O artigo de A. Valbuena-Briones, “La Primera ‘Comedia’ de Calderón” (p. 753), traz valiosa informação sobre quem foi o cardenal-arzobispo Bernado de Sandoval y Rojas, parente próximo do poderoso valido de Felipe III, o duque de Lerma: “Los años de 1615 a 1619 fueron de gran fervor mariano para la sociedad de Madrid y Toledo. Las disposiciones y encíclicas de Paulo V crearon un piadoso ambiente en torno al culto a la Virgen, y el cardenal-arzobispo don Bernardo de Sandoval y Rojas siguió, en su diócesis, el ejemplo del primer prelado. A él se debió lo edificación y consagración de la capilla del Sagrario de la catedral de Toledo. Con motivo de este acontecimiento se celebraron solemnes fiestas que se extendieron durante catorce días, desde el 20 de octubre al 2 de noviembre de 1616, según indica la minuciosa relación de su cronista Pedro de Herrera, en un curioso libro. El capellán del cardenal, el maestro José de Valdivielso, se había adelantado con un poema heroico, Sagrario de Toledo, que se imprimió a primeros de 1616, como anticipada publicidad de las ceremonias. Las solemnes festividades fueron sazonadas con un certamen poético, organizado por fray Hortensio Félix Paravicino, ministro del monasterio de la Santísima Trinidad, en el que intervinieron entre otros, Juan de Xáuregui, Luis de Góngora, Antonio de Mendoza, Cristóbal Suárez de Figueroa, Vicente Espinel, además del mismo Valdivielso que actuó de secretario. Un grupo de famosos predicadores celebró un novenario en loor de la Virgen María. Las fiestas se concluyeron en toros y cañas”. Além disso, informa sobre a morte do mesmo cardeal e seu funeral: “...poco después de las festividades de la consagración de la capilla de la catedral a los meses siguientes al fallecimiento del arzobispo Sandoval y Rojas, ocurrido en Madrid, en diciembre de 1618, y cuyos solemnes funerales con el traslado de los restos del muerto a la capilla del Sagrario, en donde fue inhumado, constituyeron un importante acontecimiento de los anales madrileños” (A. VALBUENA-BRIONES, “La Primera ‘Comedia’ de Calderón”, p. 754).

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instaurar a segunda pessoa no discurso, utiliza o recurso da apóstrofe - oh peregrino. Nestes versos temos ainda o uso do hipérbato - Esta que admiras fábrica - colocando em primeiro plano o afeto que a vista do monumento causa e em seguida a própria escultura, fábrica109. Repete a mesma idéia de referência à capilla, no uso da epímone em perífrase e do enjabement, substituindo a palavra unívoca por esta prima/pompa de la esculptura. Evita, assim, a perspicuitas e o uso do termo vulgar110. Emprega-se, no terceiro e quarto versos, a diérese de membros diversívocos na descrição dos materiais do sepulcro, pórfido e metales e a braquilogia na união desses adjuntos ao sujeito - esta prima/pompa de la esculptura. Além disso, as epífrases na distinção dos materiais que compõem a capilla amplificam, através das perífrases hiperbólicas, a dureza dos materiais, rebeldes al diamante e o desvelo do escultor no ornamento do edifício - mordidos de la lima. Ambas perífrases são compósitas porque também funcionam como personificações: pórfidos111 rebeldes al diamante, metales mordidos de la lima. Os dois versos tem construção em isócolo, na representação do equilíbrio da formas do monumento traduzida no equilíbrio da disposição sintática. A estrofe apresenta ainda a aliteração do fonema /p/. Assim, na construção da estrofe, no uso da oratio perpetua, no alongamento da construção sintática, através das perífrases, da repetição, da acumulação e da aliteração, consegue-se diminuir o ritmo sonoro da estrofe simulando a diminuição do passo do caminhante para 109

Devemos lembrar, no entanto, que no Tesoro de la lengua castellana (1611, p. 530), Covarrubias apresenta a seguinte definição para fábrica: “En una significación se toma por qualquer edifício suntuoso, enquanto se fabrica, y por cuanto es necesario irse reparando, porque el tiempo, que todo lo consume, va gastando todos los edifícios”. Em razão de havermos encontrado o termo assim dicionarizado, não conseguimos determinar se há um tropo, no uso feito por Góngora, a sinonímia, ou a palavra unívoca. 110 Em termos elocutivos é mais poético, diferentemente do soneto anterior, no qual utiliza a palavra - hoy este sepulcro encierra. Naquele soneto há a necessidade de perspicuitas justamente porque o objetivo final era aconselhar sobre a perecidade da vida. Veja-se o outro soneto dedicado à duquesa de Lerma, consolatório, “Lilio siempre real, nascí en Medina/ del Cielo, con razón, pues nascí en ella;/ ceñí de un Duque excelso, aunque flor bella,/ de rayos más que flores frente digna.// Lo caduco esta urna peregrina,/ oh peregrino, con majestad sella;/ lo fragrante, entre una y otra estrella/ vista no fabulosa determina.// Estrellas son de la guirnalda griega/ lisonjas luminosas, de la mía/ señas obscuras, pues ya el Sol corona.// La suavidad que expira el mármol (llega)/ del muerto lilio es, que aun no perdona/ el santo olor a la ceniza fría.” Nesse soneto explora-se mais agudamente as palavras e os ornamentos já que não há a intenção primordial de ensinar e comover e sim a de deleitar, através do elogio. 111 Pórfidos é palavra unívoca na referência a “una espécie de mármol rojo escuro, propiamente purpúreo...” (COVARRUBIAS, 1611, fol. 146r). Pedra utilizada na construção de sepulcros.

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admirar a escultura. Na segunda estrofe, quinto verso, temos a diáfora da palavra tierra: no primeiro caso tierra sella, temos a metáfora e alusão112, na substituição trópica de Cardenal Sandoval; no segundo - que tierra nunca oprima -, a palavra unívoca, referência ao elemento que cobre a sepultura. O quarto verso foi dividido em dois colos. O primeiro com elipse do sujeito113 e hipérbato, no primeiro colo - tierra sella. O segundo, parêntese do primeiro pensamento revelado pelo colo anterior, adita o pensamento patético de piedade em relação ao Cardenal inumado. Através da braquilogia conseguida pela elipse cria certa obscuritas pela construção. No sexto verso, o primeiro coma - si ignoras cuya -, prolonga a obscuridade do verso anterior, também pela elipse parcial da oração adjetiva. Temos somente o pronome relativo cuya, e retomamos implicitamente ou o colo inteiro, tierra sella, ou somente o tropo tierra, ou, ainda o pensamento por trás do tropo. Isso significa que o quinto e sexto versos têm seus principais elementos de construção deslocados. O poeta coloca o pensamento final no começo da estrofe, no uso da histerologia - tierra sella, em primeiro plano a relevância do Cardenal, e em segundo, a ignorância do caminante. O segundo colo do sexto verso - el pie enfrena ignorante - é o conselho da persona. Temos neste colo a substituição trópica de caminante pela sinédoque pie, o hipérbato, no deslocamento do epíteto ignorante. A escolha da sinédoque pie reforça duas características do caminhante: o “instrumento” que utiliza para deslocar-se; a amplificação da ignorância dada não só pelo epíteto, mas caracteriza-o por uma parte baixa do corpo. O sétimo verso apresenta clareza das palavras, mas complicação sintática no uso da anástrofe - y esa inscripción consulta - e no uso do hipérbato - que elegante - separando o epíteto elegante do substantivo ao qual está subordinado, inscripción. O oitavo verso contribui definitivamente para 112

Como referimos antes, tierra é metáfora bastante comum na configuração do ser humano tendo como fonte principal deste pensamento vários textos bíblicos como já referimos no estudo dos sonetos de escarmiento. 113 Como vimos na primeira estrofe, a persona utiliza a epímone para desdobrar a palavra unívoca capilla. Desta forma, quando escolhe a elipse, deixa a cargo do interlocutor a escolha de quaisquer das três formas para preencher o lugar estrutural do sujeito, ou seja, as duas que explicita, ou a palavra substituída.

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complicação sintática da estrofe. Apresenta dois colos coordenados assindéticamente em quiasmo - informa bronces, mármoles anima. O substantivo bronces, em sinédoque compósita de referência ao material da inscripción e ainda do plural pelo singular, e o substantivo mármoles, sinédoque da matéria fabricada pela matéria-prima e também do singular pelo plural, na substituição trópica da capilla. Em termos de construção sintática, os verbos informa e anima têm como sujeito, por concordância, esa inscripción [elegante]. O período formado pelos versos seis, sete e oito apresentam a mistura de hipérbato e anástrofe, além da braquilogia, de forma que a junção desses deslocamentos gera a sínquise. A estruturação dos sétimo e oitavo versos, a escolha das palavras e ornamentos na substituição trópica pelas sinédoques bronces e mármoles cria também a personificação dos materiais que compõem a esculptura. O nono verso começa com um epíteto - generosa - seguido pela metonímia piedad, tropo da qualidade pelo portador da qualidade, ou seja, o Cardenal Sandoval. Para conseguir a amplificatio patética, há o hipérbato entre os dois elementos. Na seqüência do verso temos o sujeito da oração, urnas, sinédoque do plural pelo singular, com hipérbato do epíteto bellas, pela interposição do advérbio hoy. No décimo verso temos a acumulação de membros diversívocos, diérese, com assíndeto - con majestad [...] con decoro e hipérbato pela intromissão do verbo vincula, entre as duas locuções adverbiais. Constrói-se a diérese em isócolo. O último verso do terceto explora a ambigüidade no uso da metáfora cenizas e os epítetos relacionados ao tropo cenizas, que pode retomar tanto a pessoa do Cardenal Sandoval, como todos os outros indivíduos cujas cinzas permanecem na mesma capilla. O verso também se complica sintaticamente com um hipérbato, que separa os epítetos heróicas e cenizas santas pela interposição do advérbio ya; o verso apresenta o esquema proléptico das conseqüências futuras afirmada braquilogicamente no emprego do epíteto santas. Opera-se com a antítese entre os advérbios hoy e ya, na confrontação temporal, presente/passado. Piedad caracteriza a conduta do cardenal, enquanto vivo. Esse passado recente assevera, dissimuladamente, o

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estatuto de santidade do, ou dos indivíduos que ali estão inumados já que as cenizas114 das urnas, de forma ambígua podem remeter somente ao cardenal, ou, também a seus antepassados. Os hipérbatos, a braquilogia, o esquema proléptico, o assíndeto e a antítese servem não só como ornamento, mas também velam a afirmação explícita da “santidade” dos sujeitos aí citados. A última estrofe é a mais complicada, sintaticamente. O décimo segundo verso inicia-se pela explicitação dos sujeitos cujas cinzas se encontram na capilla. Temos então um enjambement entre este fragmento do verso (de los que) e o anterior. A partir deste ponto do verso, há uma série de inversões que afetam toda a estrofe. A estrofe toda é prosapódose de heróicas [...] cenizas santas. Elocutivamente temos a repetição da palavra campo, com distinção de sentido, em diáfora. O primeiro sentido é unívoco115 em relação à outra aparição de campo, mas ganha, no interior do grupo de palavras que formam a perífrase, estatuto figurado un campo de oro cinco estrellas/ dejando azules. O sentido figurado da perífrase recupera o lugar de origem e a ascendência através da descrição do escudo de armas. Esta perífrase apresenta estrutura em enjambement, com hipérbato de dejando separando o epíteto azules de cinco estrellas e anástrofe de a un campo de oro cinco estrellas [...] azules. O décimo terceiro verso continua o pensamento do verso anterior - dejando azules - atenuando o poder destrutor da morte116 substituída, eufemisticamente, na vontade de deixar a vida, dito de outra maneira, a morte não os surpreeende pois seguem o caminho naturalmente previsto para o ser humano, em 114

A confrontação entre piedad e cenizas alude também à dicotomia corpo/alma. No texto aparecem dois planos distintos: ao terreno estão vinculados às cenizas e às urnas, como símbolos da corrupção; ao supra-terreno, a santidade da alma imortal cujo reconhecimento é dado através de sinais da santidade das cinzas e “con mejores plantas/ en campo azul estrellas pisan de oro”. Veja-se estes versos, do soneto de consolação, da duquesa de Lerma, onde opera-se com o topos corpo/corruptível, alma/imortal: “Lo caduco esta urna peregrina,/ oh peregrino, con majestad sella;/ lo fragrante, entre una y otra estrella/ vista no fabulosa determina./” 115 Entendemos campo com sentido unívoco já que o verbete aparece na seguinte acepção: “6. El campo del escudo de armas, todo lo que se incluye dentro de la tarjeta sobre que se asientan las armas o insígnias” (COVARRUBIAS, 1995, p. 248). Segundo informação de Biruté Ciplijauskaité apurada na Descripción de las fiestas y certamen poético de Nuestra Senora del Sagrario de Toledo, Madrid, 1617, “Las armas paternas son una banda negra, y cinco estrellas azules en campo de oro”, ou seja, a palavra campo refere-se ao campo do escudo de armas. 116 A escolha está em verdadeira oposição ao pensamento que aparecem no soneto de escarmiento gongorino, já que a repreensão visa atingir, justamente, o interlocutor que não está verdadeiramente preparado para o momento da morte.

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conformidade com a vontade divina. Continua o verso com o pensamento do lugar habitado na atualidade por estes ilustres mortos: con mejores plantas/ en campo azul estrellas pisan de oro. A repetição da palavra campo, nesta nova perífrase funciona como tropo. Campo azul pode substituir a palavra céu (lugar destinado aos justos, segundo à concepção católica), numa metáfora aguda a partir da aproximação da imagem desenvolvida para o escudo de armas, ou também, como alusão aos “Campos Elísios (grifo do autor), lugar donde fingieron los poetas de la gentilidad ir las almas de los bienaventurados...” (COVARRUBIAS, 1995, p. 248). Para finalizar o soneto, emprega-se novamente o hipérbato, com o verbo pisan, separando o substantivo estrellas de seu respectivo epíteto, de oro. Note-se a antimetábole de a un campo de oro cinco estrellas/ dejando azules [...] en campo azul estrellas pisa de oro, amplificando, no quiasmo complicado, o caráter positivo da mudança operada pela morte. Nesse soneto, Góngora opta por explorar mais agudamente as figuras de construção sintática (in verbis coiunctis) e muito menos a substituição trópica dos termos. Temos aqui, o uso de uma elocução média, na medida em que não há a pretensão de mover fortemente os afetos, como no soneto EN EL SEPULCRO DE LA DUQUESA DE LERMA, já que os fins são diferentes. O soneto de escarmiento não tem só a finalidade do delectare ou o docere, mas sim de, didaticamente movere o interlocutor para uma mudança da vontade no sentido de ter o pensamento na proximidade da morte e desapegar-se dos bens mundanos. Decorre desta causa final, para guardar o decoro interno do texto, que o poeta utilize o gênero elocutivo elevado. No texto de consolação, há a necessidade de ensinar a consolação, na escolha de personagens que sirvam como exemplo da aceitação da morte com função de transcender deste “vale de lágrimas” a um lugar oferecido como recompensa pelas boas ações e obediência cristã dos mandamentos de Deus e da teologia-política da Igreja Católica em países católicos. Não existe, nesse caso, a necessidade de mover fortemente os afetos, então, é conveniente, retoricamente, o uso do gênero elocutivo médio que combina habilmente a perspicuitas do discurso através da

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escolha das palavras, mas afasta o tédio através da disposição, no estranhamento que produz a obscuritas sintática. Por outro lado, a sintaxe enviesada alude a mimese da construção verbal como paralelo da própria construção da capilla. A persona, imita o arquiteto como construtor do texto, inclusive no uso da expressão en metales mordidos de la lima recobra o preceito horaciano que ensina: “censurad el poema que no han corregido muchos días y muchas tachaduras no han pulido diez veces hasta poder desafiar la una mejor cortada. [...] Así pues, jugaré el papel de la piedra de afilar, que es capaz de hacer el hierro cortante y ella misma es incapaz de cortar...” (Arte Poética, 300). Agudamente aproxima a preceptiva de Horácio da construção poética perfeita à construção arquitetônica. Passemos agora a análise do soneto de Gregório de Matos, EPITAFIO A SEPULTURA DO MESMO EXMO. SENHOR ARCEBISPO117. O primeiro verso, como no soneto gongorino, utiliza a hipotipose para “construir” o objeto que suscita a curiosidade - Este mármore encerra, onde a palavra mármore é sinédoque que substitui tropicamente a palavra unívoca monumento, que aparecerá, no primeiro terceto – Enfim relíquias de um Prelado santo/ Oculta este piedoso monumento. A sinédoque é clara, principalmente em relação ao sentido, visto que em vários textos fúnebres do século XVII utiliza-se esse termo. Foi empregado nos sonetos de escarmiento e, também no soneto anterior, de consolação. Sua aplicação foi tão ampla que se pode afirmar que a figura torna-se parte de um vocabulário tópico sobre o tema. Além disso, devemos notar que o verso retoma duas palavras utilizadas no soneto de escarmiento gongorino - este sepulcro encierra [...] el mármol cierra. Na segunda parte do verso, institui-se a segunda pessoa através da apóstrofe - ó Peregrino - a quem a persona apresenta o monumento. O segundo verso - Se bem, que a nossos olhos já guardado – é uma lamentação e, elocutivamente, um parêntese na inserção de um 117

O soneto de Gregório de Matos também é dedicado à pessoa do clero, o frei Manuel da Ressurreição, que foi arcebispo em Salvador e exerceu interinamente o governo quando o governador Matias da Cunha morreu, em 1688, e atuou até 1690. Veio a falecer no Recôncavo baiano, em Belém, vila próxima a Cachoeira, no ano seguinte. A informação é dada por Emanuel Araújo, em nota à obra poética completa de Gregório de Matos, p. 197.

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pensamento que interrompe o fluxo da frase, ou melhor, diminui o ritmo do texto, funcionando para mover afetivamente a piedade do peregrino, na inclusão do mesmo na esfera de compaixão despertada pela visão do sepulcro. A persona comparte com este peregrino, que ignora quem está inumado naquele local, o sentimento de comiseração em relação ao morto - aos nossos olhos já guardado. O terceiro verso inicia-se com a retomada do discurso, interrompido pela apóstrofe e pelo parêntese, na substituição do nome do elogiado por uma palavra gramatical, aquele, evitando, desta forma, a humilitas, sendo, todavia, muito claro na referência A segunda parte do verso é prosapódose que acrescenta um pensamento em relação ao arcebispo, ajuizando, braquilogicamente sobre sua ação terrena: que na terra foi sagrado. A braquilogia aludida pelo adjetivo sagrado deixa a cargo do interlocutor o conhecimento não só da vida do arcebispo, enquanto agente terreno e sua ação política, mas também (e talvez principalmente) a sua ação religiosa enquanto membro da Igreja obediente à Vontade divina. O quarto verso é o epifonema da razão dada no verso anterior: para que lá no céu fosse divino. A conclusão é elaborada através do entimema, com a proposição do valor sagrado do sujeito enquanto vivo e a conclusão verossímil118, de que já está no céu. Neste caso, o esquema proléptico da declaração do juízo da salvação do arcebispo é explicitado por um raciocínio lógico, diferentemente do soneto gongorino que, sob o mesmo esquema proléptico, vela-o através da construção enviesada. Os dois epítetos sagrado e divino são amplificatio do elogiado, no uso da sinonímia com alargamento semântico. O quinto verso inicia-se com a anástrofe como figura de construção e histerologia do pensamento - De seu merecimento. Coloca-se, em primeiro plano, a ação do sujeito no mundo, como argumento principal. Na seqüência do verso há epífrase do pensamento - e digno - com enjambement ao verso seguinte. Os epítetos justo e digno sofrem deslocamento sintático. Digno

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Verossímil desde uma perspectiva cristã não-ortodoxa. Segundo o Concílio de Trento, nada se pode afirmar sobre a salvação do homem, mas é preciso crer na esperança do cumprimento das promessas de Cristo. Sobre isto estudaremos mais detalhadamente no plano integrativo.

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é epíteto de prêmio e justo, de merecimento. Porém, justo pode ser entendido também como zeugma para cajado. O sexto verso - Prêmio, pois na terra nunca irado - inicia-se com o substantivo prêmio, epexege do verso anterior. A continuidade do verso, pois na terra nunca irado, é a primeira parte da argumentatio ou a ratio que justifica a recompensa recebida pelo arcebispo. O verso apresenta, na construção sintática, o hipérbato, em razão do deslocamento do epíteto irado, responsável por dividir a ratio, que prossegue no sétimo verso, Se viu o seu poder, e o seu cajado. O sétimo verso, bimembre, apresenta, na segunda parte, coordenação acumulante sindética, ou seja, uma epífrase - e o seu cajado -, onde cajado é metonímia compósita, pois o instrumento do pastor funciona como tropo para sacerdócio119, e está ligado ao verso anterior por enjambement. Nesses versos da estrofe temos a complicação sintática, que prioriza o mérito do sujeito cujo prêmio é reconhecimento deste mérito. Na sucessão dos versos apresenta-se braquilogicamente, a ação: nunca irado se viu o seu poder e o seu cajado [justo]. A sintaxe complicada pela anástrofe, pela epífrase e pelo zeugma funciona como amplificatio e ao mesmo tempo gera obscuritas no encadeamento verossímil do entimema. O oitavo verso é adjunctio que especifica o lugar onde age o arcebispo: Neste nosso hemisfério ultramarino. O pronome nosso força a aproximação da persona e do peregrino já que os dois habitam o mesmo lugar. Hemisfério ultramarino é perífrase para o lugar dos três personagens instaurados no soneto. A perífrase, enquanto tropo, é ambígua na medida em que pode significar Bahia, de forma restrita ou Estado do Brasil, de forma ampla. O nono verso introduz a conclusio do entimema, com histerologia do pensamento, Enfim relíquias de um Prelado santo. A palavra relíquias substitui tropicamente o substantivo corpo,

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A imagem do clérigo como pastor é lugar-comum para designar o ofício religioso. Eis aqui o uso do tropo para referir-se ao sumo pontífice: “La presencia del papa León el Primero, vestido de los ornamentos pontificios, dio temor a Atila, y le obligó a volver atrás y no pasar a destruir a Roma. Si esto intentara con las armas, no quedara con ellas rendido el ánimo de aquel bárbaro. Un silbo del pastor y una amenaza amorosa del cayado y de la honda pueden más que las piedras. Muy rebelde ha de estar la ovejuela cuando se hubiere de usar con ella de rigor. Porque, si la piedad de los fieles dotó de fuerzas la dignidad pontificia, más fue para seguridad de su grandeza que para que usase de ellas, si no fuese en ordena la conservación de la religión católica y beneficio universal de la Iglesia”. (SAAVEDRA FAJARDO, Idea de un príncipe político cristiano, Empresa 94)

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na amplificatio do arcebispo enquanto modelo de virtude, reforçado, ainda pelo epíteto santo. Nessa conclusão, utiliza a epímone, na repetição dos mesmos pensamentos já expressos nos versos três e quatro: Aquele, que na terra foi sagrado,/ Para que lá no céu fosse divino. O nono e o décimo verso estão ligados pelo enjambement. O décimo verso apresenta a anástrofe do sujeito da oração e o verbo - Oculta este piedoso monumento, com personificação do monumento através do epíteto piedoso. Este pensamento reforça o caráter piedoso e a consolação vai adquirindo características de lamentação. No verso - As lágrimas detém, enxuga o pranto - temos a exortação ao peregrino para que não lamente a morte do digno arcebispo. Na construção deste verso, bimembre e em quiasmo, a segunda parte é epímone da primeira. Em termos de construção da estrofe, há o uso das inversões sintáticas, o enjambement, a epífrase e o quiasmo, e distintamente da estrofe anterior, maior clareza semântica, mas sem deixar a estrofe em estilo humilde. A clareza do pensamento é necessária para a compreensão do encaminhamento argumentativo do entimema. Até aqui, a persona intencionalmente moveu os afetos do interlocutor, persuasivamente, até a lamentação. No entanto, no último verso, até pela repetição elocutiva, repudia essa atitude. O décimo verso é uma exortação ao caminhante à veneração dos restos mortais do arcebispo - Prosta-te reverente, e beija atento/ As cinzas. Verso bimembre em isócolo, sem complicação sintática, com diérese de dois colos, onde o segundo é amplificação semântica do primeiro, ligado ao verso seguinte por enjambement. A obsecração mantém a coerência da amplificatio já que desde o início do soneto a persona eleva o elogiado ao estatuto de “santo” e do túmulo ao de “relicário”, digno de reverência. O décimo terceiro verso começa com o complemento dos colos do verso anterior, as cinzas, sinédoque para corpo, dando maior relevância para o estado final da decomposição, e, além disso, determina o distanciamento temporal entre o momento da inumação e o do encontro do peregrino com a sepultura. A segunda parte do verso é prosapódose ligada imediatamente ao termo cinzas, mas que ultrapassa

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a referência aos restos mortais, de quem deu ao mundo espanto, com leve alteração sintática, anástrofe de ao mundo, salientando a quem o prelado causou admiração. Torna-se um preceptor do bem viver (na visão católica seiscentista) e do bem morrer, pois a morte para ele é “liberação alegre” e dignamente recompensada. O último verso - E a todos os Prelados documento também repete o mesmo pensamento da vida exemplar do encomiado, mas amplifica o elogio na medida em que lhe dá um estatuto de superioridade em relação a seus pares. Este pensamento é reforçado, na construção do verso, no uso do zeugma, que enlaça o colo anterior a este, na coordenação dos colos, sendo o segundo epímone amplificada do primeiro, em isócolo. Na última estrofe, temos clareza semântica e simplicidade na construção sintática desfazendo-se qualquer dúvida sobre a identidade do ser que ali está inumado. O nome do elogiado não é fundamental para o conhecimento do seu ser, e sim a sua ação exemplar, no mundo, e a morte digna, que serve como consolação e modelo a ser seguido. Não podemos afirmar, como explanamos no princípio, que Gregório de Matos cita diretamente o soneto de Góngora. No entanto, é preciso especificar as coincidências elocutivas entre os dois textos. A primeira delas diz respeito ao uso da hipotipose que “põe diante dos olhos” o monumento fúnebre, aspecto primário para, posteriormente, desenvolver o elogio; a instauração, pela apóstrofe de uma segunda pessoa que desconhece o ilustre defunto em oposição ao ethos sábio da persona; o uso do parêntese, na frase optativa, para mover o afeto piedoso do interlocutor; a amplificatio do encomiado na asseveração da santidade e do lugar ocupado por ele no céu120. Porém, elocutivamente, os traços distintivos marcam a especificidade de estilo de cada poeta. Esse soneto gongorino é, relativamente, menos complexo no uso dos tropos, se comparado ao soneto de escarmiento do mesmo poeta. É mais complexo do que o de Gregório de Matos, todavia. Dois, são, os elogios presentes nos sonetos: o encômio do

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Devemos considerar, também, as palavras que há em comum nos dois sonetos, com diferenças de significado e de classe gramatical - terra/ tierra, piedad/piedoso, santas/sagrado, divino, santo; sinonímicas - heróicas/poder e unívocas - cenizas/cinzas.

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monumento fúnebre e o do religioso falecido. No elogio ao monumento121, Góngora utiliza as perífrases para caracterizá-lo; a personificação dos materiais do sepulcro; a perspicuitas da palavra unívoca para descrever a inscrição funerária. Por outro lado, prefere causar a estranheza peculiar à poesia, no uso das inversões sintáticas: a anástrofe, o hipérbato e a obscuritas obtida pela sínquise e pela braquilogia. Gregório de Matos é mais restrito no elogio do sepulcro 122: escolhe uma palavra unívoca para nomeá-lo (monumento), uma metonímia de uso comum (mármore) e um epíteto (piedoso) para configurá-lo. Na composição do elogio do defunto, Góngora é mais restrito, além de incluir, no mesmo elogio, os antepassados do cardenal. Evita nomeá-lo, seja pelo nome próprio, seja pela prática do sacerdócio. A pessoa do cardenal aparece, braquilogicamente, como corpo decomposto, tierra e cenizas e por uma virtude católica, piedad amplificada pelos epítetos generosa, heróicas e santas. Os antepassados, na ambigüidade causada pelo uso do plural em heróicas ya cenizas santas e do laconismo da última oração do segundo terceto, são, também elogiados no texto e se dão a conhecer, explicitamente, na prosapódose da última estrofe, substituídos tropicamente pela perífrase metafórica do escudo de armas. Há uma oposição, para os antepassados, na distinção entre os lugares ocupados por eles enquanto vivos e o lugar privilegiado post-mortem, que pode ser entendido como o céu bíblico ou como os Campos Elísios, da mitologia. O cardenal é recebido por eles, neste lugar123. Gregório de Matos é inversamente proporcional a Góngora, pois como afirmamos, este ocupa a maior parte do soneto com o elogio do monumento e em menor parte com o encomio do cardenal e, ainda, inclui os antepassados. Aquele, prioriza na maior parte do soneto a pessoa do arcebispo. Para 121

As três primeiras estrofes vinculam conteúdo relativo ao monumento, sendo que os dois quartetos compõem uma única oração sobre ele. 122 A referência ao monumento aparece no primeiro verso, “Este mármore encerra, ó peregrino”, como introdução ao assunto e é retomado na conclusão do entimema, no décimo verso, “Oculta este piedoso monumento”. 123 Sigo aqui a leitura proposta por Biruté Ciplijauskaité (1969, p. 222), na nota de rodapé, sobre o soneto. “Detalle que permite una inversión completa para referirse a la acogida de los padres en el cielo”.

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compor o ethos do sacerdote, Gregório de Matos utiliza o entimema. Os dois primeiros versos propõem os lugares ocupados pelo prelado, na oposição temporal passado e presente. Contudo, há a continuidade coerente de sacralidade do servo obediente à Vontade divina, enquanto vivo e o prêmio recebido por sua humildade, o céu. A segunda estrofe desenvolve de forma braquilógica sua ação terrena, justa, digna e humilde, de pastor, reconhecida durante a vida, amplificada pela extensão do território onde atuou e por onde a “fama” se espalhou. Os epítetos funcionam, também, na composição amplifícante. Desperta-se o sentimento de piedade através do parêntese, incutido no peregrino por intermédio da empatia do sentimento de comiseração da persona no uso do pronome possessivo nossos. A amplifícação afetiva ocorre no uso da repetição, principalmente no uso da epífrase e da epímone dos pensamentos. O encaminhamento do soneto de Gregório de Matos, principalmente no uso do entimema, é mais retórico, e por isso mesmo mais didático e moralizante do que o de Góngora. Para não empregar o estilo humilde e espantar o tédio, há os hipérbatos e o adequado desenvolvimento da imagem do prelado santo cujos restos mortais se tornam objeto de devoção, relíquias. Percebe-se que o uso da epífrase e da prosapódose é muito acentuado no soneto e podemos entendê-lo como uma marca do estilo de Gregório de Matos. Em Góngora, a marca especial está na sintaxe complicada e aguda aproximação das imagens do escudo de armas com a descrição eufemística do trânsito da vida para o post-mortem, não só do elogiado, mas também de seus antepassados.

3.2. Plano Integrativo

3.2.1.De la Capilla de Nuestra Señora del Sagrario, de la Santa Iglesia de Toledo, entierro del Cardenal Sandoval

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A primeira estrofe do soneto funciona como exórdio para captar a benevolência do interlocutor, figurado no caminhante, suscitando a curiosidade sobre o objeto que revela através da hipotipose. Segue o que dita a Retórica a Herênio (I, 7): “Poderemos fazer dóceis os ouvintes se expusermos brevemente a súmula da causa e se os tornarmos atentos, pois é dócil aquele que deseja ouvir atentamente”. Segue uma das quatro maneiras para ter um ouvinte dócil: a que está baseada na própria matéria124. Desenvolve-se em primeiro plano o elogio do monumento fúnebre, elemento que causa a admiração do caminhante. Amplifica-se a beleza do sepulcro não só na epímone perifrásica esta prima pompa de la esculptura125, mas a escolha do arcaísmo ortográfico, para referir-se a escultura com significação latina para prima, primeira em ordem, remetem a beleza e a antigüidade do objeto. A apóstrofe instaura a segunda pessoa do discurso, o caminante, motivo retomado dos epigramas funerários gregos, “puesto en boca [...] de uma tercera persona que puede ser el poeta” (VEGA, 1992, p. 21). A instauração da segunda pessoa cria uma relação antitética entre o caminhante que ignora o defunto inumado e o poeta, sábio, que apresenta o sepulcro, amplificando, nos dois isócolos, a perenidade e a beleza. A perenidade – en pórfidos rebeldes al diamante – além do trabalho elocutivo que já comentamos, na invenção apresenta, brevemente, a comparação126 diamante nos lugares de argumentação da dureza e da durabilidade, na superioridade dos pórfidos sobre o

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As quatro maneiras de tornar o ouvinte benevolente são: a baseada na pessoa do orador, baseada no adversário, no ouvinte ou na própria matéria. Citemos o que declara sobre a docilidade conseguida com a centralização do exórdio no próprio discurso: “Baseados nas próprias coisas, tornaremos o ouvinte benevolente se elevarmos a nossa causa com louvores e rebaixarmos a do adversário com desprezo” (Retórica a Herênio, I, 8). Convém lembrar que a consolação pressupõe o elogio da pessoa de quem falamos, portanto, não aparecerá o rebaixamento ou a refutatio. 125 O substantivo aparece com a seguinte ortografia, em Covarrubias (1611, fol.260r): “ESCULTOR SCULPTOR , el que esculpe, 2. y escultura la obra que se hace de talla”. Por isso afirmamos que há um arcaísmo ortográfico. 126 Segundo a definição de Teón (Ejercicios de Retórica, 112): “Una comparación es una composición que confronta lo mejor o lo peor. Las comparaciones se hacen entre personas y entre cosas”. Em Teón, a comparação é tratada como exercício aparte. Hermógenes (Ejercicios de Retórica, 18,19) trata da comparação como exercício retórico independente porém ressalta: “La comparación ha quedado incluída en el lugar común, cuando amplificábamos las malas acciones por comparación; ha quedado incluída también en el encomio, cuando amplificábamos las cualidades por comparación, y ha quedado incluída también en el vituperio con el mismo valor. Sin embargo, puesto que algunos, y no de los medíocres, también hicieron de ella un ejercicio independiente, hemos de hablar un poco acerca de la misma”.

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diamante127. Trata-se da instauração do monumento como símbolo da perenidade do nome do morto numa estrutura, aparentemente capaz de resistir à ação do tempo através da dureza dos materiais mais sólidos. A beleza - en metales mordidos de la lima - complementa a amplificação do monumento, já que não basta ser resistente à ação do tempo, mas que chame a atenção sobre si pela beleza da estrutura. Nessa estrofe, a persona utiliza a técnica da descrição que é “una composición que expone en detalle y presenta ante los ojos de manera manifiesta el objeto mostrado” (TEÓN, 118), com a principal função da sobrevivência do defunto mediante a gravação de seu nome128 no sepulcro. Porém devemos perceber que o próprio soneto funciona como monumento retórico-poético da sobrevivência do morto através do elogio por palavras. Retoma, então, o topos horaciano da “perenidade da poesia”129. O monumento aqui, tem existência marcada pela persona que “finge” um monumento capaz de resistir à ação do tempo quando na verdade somente a palavra escrita poderá lhe resistir. Sobreviverão não só o cardenal, objeto do elogio, mas também a persona, como artífice da construção poética. A partir da segunda estrofe temos a narratio sobre a razão de ser do monumento: tierra sella. O colo remete o interlocutor ao fato de que a escultura é um sepulcro (pois poderia ter 127

Segundo a definição de COVARRUBIAS (1995, p. 425): “DIAMANTE. Piedra conocida y preciosísima. Latine ADAMAS, del nombre griego άδάμας, de ά privativa et δαμάξω, domo, por ser indomable, según opinión de algunos, a razón de ser tan dura que con ningún instrumento se labra, si no es con otro diamante y con la sangre del cabrón caliente. [...] Del diamante, en razón de su dureza, y por labrarse con la sangre del cabrón y no consumirle el fuego, sacan algunos símiles los hombres espirituales, y los profanos símbolos amorosos y algunos hay militares.” 128 Sobre o tema, ler a introdução de Vega (1992, p. 20). Ariès (2003, p. 123-124) trata da questão da mentalidade da sobrevivência do defunto revelada pelos mausoléus e epitáfios. “Muitas ‘lâminas’ ou ‘painéis’ comportam epitáfios que, de meras indicações de que posição ocupavam originalmente, tornaram-se verdadeiros informativos biográficos, sendo que, a partir do século XVII, as inscrições tornaram-se os elementos importantes do túmulo, mais que a efígie, e às vezes em seu lugar. O túmulo visível não é, portanto, o signo do lugar do enterro, mas a comemoração do defunto, imortal entre os santos e célebre entre os homens. Nessas condições, tal túmulo era reservado a uma pequena minoria de santos e personagens ilustres; quanto aos outros, que fossem jogados nas fossas dos pobres, no local da igreja ou do átrio designado para eles, e que permanecessem anônimos, como antigamente”. 129 Vejamos a continuidade do topos, em texto início do século XVIII, um comentário baseado no emblema 82 composto para explicar os versos de Horácio: “No obstante, se ha de dar a las Letras alguna preeminencia [sobre las Armas], no de parte de la Virtud que es igual, sino de parte de la memória inextinguible que nos dexan: porque si no fuera por las Historias; yà no huviera memória algun de Scipion y Hannibal; de Cesar y Pompeo; ni de otros infinitos grandes Capitanes. Por esto se quejava Alejandro, de que Homero no fuesse de su tiempo para escrivir sua hazaña; porque las Armas hazen el hombre famoso y memorable; pero las Letras le publican immortal. (VERDUSSEN, Enrico Y Cornelio. Theatro Moral de la Vida Humana, en Cien Emblemas; con el Enchiridion de Epicteto, y la Tabla de Cebes, Philosofo Platonico, Amberes, 1701, p. 164)

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finalidade diversa130) que guarda o corpo do cardenal. Na seqüência do verso temos o parêntese que retoma o lugar-comum sit tibi terra levis, que aparece em vários sonetos gongorinos131. O verso alude à idéia do “descanse em paz” – resquiescat in pace. Por outro lado, a persona expressa, na frase optativa, o desejo de que os feitos do cardenal não sejam esquecidos, pois fora sempre virtuoso. Vejamos o que ensina Saavedra Fajardo (Idea de un Príncipe Político Cristiano, Empresa 100) sobre a necessidade da virtude durante toda a vida: Y así, en este anfiteatro de la vida no basta haber corrido bien, si la carrera no es igual hasta el fin. No se corona sino al que legitimamente llegó a tocar las últimas metas de la muerte. Los edifícios tienen su fundamento en las primeras piedras. El de la fama, en las postrimeras. Si estas no son gloriosas, cae luego en tierra y lo cubre el olvido

A persona insiste na idéia de que o sepulcro encerra o corpo, não o espírito132 e menos ainda a memória. Depois de “revelar” a função do monumento, incita a curiosidade do caminhante para que descubra a quem se dedica o edifício, através da leitura da inscrição. O poeta personifica o bronze da inscrição e o mármore do sepulcro, lugar-comum da amplificação da “permanência do defunto ao mesmo tempo no céu e na terra [...] traduz a vontade de proclamar aos homens da terra a glória imortal do defunto” (ARIÈS, 2003, p. 123). Vejamos como o topos, com finalidade teológico-política, aparece em Saavedra Fajardo133 (Idea de un príncipe político cristiano representado en cien empresas, Empresa 100), porém no sentido de 130

O trecho do verso funciona como sinal mais geral da situação do discurso para obter perspicuitas, se o interlocutor ainda não tiver sido capaz, só pela menção da palavra pórfidos, ou pela didascália do soneto, inferir que a esculptura é um sepulcro. Sobre a necessidade de desfazer a equivocidade leia-se LAUSBERG, Elementos de Retórica Literária, § 150. 131 Por exemplo, no soneto dedicado ao Señor Rey Don Felipe III, verso 6: “y ponderoso, oprime sin ofensa” (GÓNGORA, 1969, p. 225); para Don Rodrigo de Calderón, verso l, “Sella el tronco sangriento, no le oprime” (Idem, ibidem, p. 226) 132

Sobre os lugares ocupados pelo corpo e pela alma, na separação operada pela morte, veja-se a estrofe de outro soneto dedicado à duquesa de Lerma (GÓNGORA, 1969, p. 209): “Lo caduco esta urna peregrina,/oh peregrino, con magestad sella;/ lo fragrante, entre una y otra estrella/ vista no fabulosa determina.”, onde lo caduco refere-se ao corpo e lo fragrante, à alma. 133 O mesmo topos do bronze e do mármore como símbolos da tentativa de perpetuar eternamente a memória do defunto em objetos fúnebres aparece, ainda, em texto do século XVIII: (VERDUSSEN, Enrico Y Cornelio. Theatro Moral de la Vida Humana, en Cien Emblemas; con el Enchiridion de Epicteto, y la Tabla de Cebes, Philosofo Platonico, Amberes, 1701, p. 204): “Si tienes valor bastante, y las negras sombras que le habitan, no te asombran para entrar; leeràs los magníficos y magestuosos Epitaphios gravados en duro Bronce, sobre preciosas Urnas de Mármol, Jaspe, y Porfido: y te dirán que los Monarcas y Reyes de los passados Siglos, son el dia de hoy, un poco de polvo, inutil para todo”.

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que o sujeito não virtuoso, não poderá forjar uma “fama” sem equivalência das ações durante a vida: Pero la fama, libre de estas pasiones, después de la muerte da sentencias verdaderas y justas, que las confirma el tribunal de los siglos. Bien reconocen algunos príncipes lo que importa coronar la vida con las virtudes. Pero se engañan pensando que lo suplirán dejándolas escritas en los epitafios y representadas en las estatuas, sin advertir que allí están avergonzadas de acompañar en la muerte a quien no acompanaron en la vida, y que los mármoles se desdeñan de que en ellos estén escritas las glorias supuestas de un príncipe tirano, y se ablandan porque mejor se grabenlas de un príncipe justo, endureciéndose después para conservadas eternas, y a veces los mismos mármoles las escriben en su dureza. [...] La estatua de un príncipe malo es un padrón de sus vicios, y no hay mármol ni bronce tan constante que no se rinda al tiempo, porque como se deshace la fábrica natural, se deshace también la artificial. Y así, solamente es eterna la que forman las virtudes, que son adornos intrínsecos e inseparables del alma inmortal. Lo que se esculpe en los ánimos de los hombres, substituido de unos en otros, dura lo que dura el mundo. No hay estatuas más eternas que las que labra la virtud y el beneficio en la estimación y en el reconocimiento de los hombres, como lo dio por documento Mecenas a Augusto. [...] Las cenizas de los varones heroicos se conservan en los obeliscos eternos del aplauso. [...] Pero cuando la constancia del mármol y la fortaleza del bronce vivan al par de los siglos, se ignora después por quién se levantaron, como hoy sucede a las pirámides de Egipto, borrados los nombres de quien por eternizarse puso en ellas sus cenizas. [...] De todo lo dicho se infiere cuánto deben los príncipes trabajar en la edad cadente para que sus glorias pasadas reciban ser de las últimas, y queden después de la muerte eternas unas y otras en la memoria de los hombres.

Os dois tercetos finalizam o discurso sobre o sepulcro nomeando-o com a palavra unívoca urnas. A referência ao monumento parte do mais geral fábrica e finalmente é particularizado. Amplifica-se o clérigo através de uma das virtudes teologais, na metonímia piedad, distinguindo-o pelo cultivo da virtude durante a vida, amplificado ainda pelo epíteto generosa134. As urnas são bellas no presente instaurado pela persona justamente porque unido à beleza externa do sepulcro vai atrelado a exemplaridade virtuosa do cardenal: Os que conseguiram a salvação e assim tornados amigos e íntimos de Deus, caminhando de virtude em virtude, se renovam como diz o Apóstolo, dia 134

Na Arte de Bien Morir, texto anterior à época que estamos tratando, preceitua-se como deve ser o confessor, em relação ao fiel, revelando a mentalidade de ortodoxia católica, no poema figurando o topos da piedade do sacerdote: “Capitulo primero - qual deue ser el confessor./ Primeramente deue ser el confessor dulce en corregir. /Segundo prudente en enseñar./ Tercero piadoso en punir./ Quarto deue ser eloquente en preguntar./ Quinto suaue en aconsejando./ Sesto discreto en poner la penitencia./ Septimo sea mudo en oyr al confítente./ Octauo sea benigno absoluiendo.

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após dia. Assim é, que mortificando sua carne e servindo-se dela como instrumento para salvação e santificação mediante à observância dos mandamentos de Deus e da Igreja, crescem na mesma santidade que conseguiram pela graça de Cristo, e auxiliando a fé com as boas obras, se salvam cada vez mais, segundo o que está escrito: “Aquele que é justo, continue em sua salvação”. Em outra parte: “Não te receies da salvação até a morte”. Também: “Bem sabeis que o homem se salva por suas obras, e não só pela fé”. Este é o aumento de santidade que pede a Igreja quando roga: “Concedei, ó Senhor, aumentar a nossa fé, esperança e caridade” (Concílio de Trento, Seção VI A SALVAÇÃO (ou: A JUSTIFICAÇÃO), Cap. X).

Como vimos em Saavedra Fajardo, belos sepulcros não poderão, sozinhos, “fingir” a virtude de um sujeito cuja vida não condiga com o que revelam as inscrições fúnebres. O reconhecimento não vem das pompas fúnebres, mas elas devem ser o reconhecimento da virtude do defunto, na terra, cujo prêmio maior é a “esperança da outra vida”. A persona, não explicita a ação, na terra, do prelado. No entanto, de forma breve, mostra-nos suas qualidades, e assim, por alusão, o interlocutor deve deduzir, de acordo com a preceptiva católica ortodoxa, como ensina o Concílio de Trento, que a busca da salvação começa neste mundo (Seção VI A SALVAÇÃO (ou: A JUSTIFICAÇÃO), Cap. VII): A esta disposição ou preparação se segue a salvação em si mesma, que não só é o perdão dos pecados mas também a satisfação e renovação do homem interior, pela admissão voluntária da graça e dons que a seguem, e daí resulta que o homem de injusto pecador, passa a ser justo e de inimigo a amigo, para ser herdeiro na esperança da vida eterna. As conseqüências desta salvação são a glória final de Deus e de Jesus Cristo, e a vida eterna. O meio para conseguir isso, é Deus Misericordioso, que gratuitamente nos limpa e santifica, marcando-nos e ungindo-nos com o Espírito Santo, que nos é prometido e que é o prêmio da herança que havemos de receber. A conseqüência meritória é o muito Amado e Unigênito Filho, nosso Senhor Jesus Cristo que em virtude da imensa caridade com que nos amou, a nós que éramos inimigos, nos brindou, com Sua Santíssima paixão no madeiro da Cruz, com a salvação e fez por nós a vontade de Deus Pai.

Ainda na terceira estrofe, retoma-se a beleza do sepulcro, mas assinala-se também a função social de guardar decorosamente as cinzas, na diérese - con majestad vincula, con decoro - não só do ilustre prelado, mas também de seus ascendentes, bem de acordo com a dignidade de que deve guardar la gente de valía135: 135

Apesar de Saavedra Fajardo propor a eficácia das pompas fúnebres para os príncipes como reconhecimento da grandeza terrena, pode-se afirmar que existe a necessidade do mesmo reconhecimento para os sujeitos cuja religiosidade sirva como exemplo de beatitude. Vejamos o que diz o Concílio de Trento (1563, Seção XXV

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§ La pompa funeral, los mausoleos magníficos, adornados de estatuas y bultos costosos, no se deben juzgar por vanidad de los príncipes, sino por generosa piedad, que señala el último fin de la grandeza humana, y muestra, en la magnificencia con que se veneran y conservan sus cenizas, el respeto que se debe a la majestad, siendo los sepulcros una historia muda de la descendencia real (SAAVEDRA FAJARDO, Idea de un príncipe político crisíiano representado en cien empresas, Empresa 101).

Devemos lembrar, ainda, que a persona afirma a santidade do cardenal, de forma enviesada, marcada principalmente pela elocução. Desta forma, segue o preceito retórico do encômio na medida em que amplifica as qualidades do sacerdote, morto, como herói e como santo. Porém, a obscuritas da construção sintática dissimula o pensamento não ortodoxo que consistiria em afirmar de antemão a salvação de quem quer que seja136. Segundo o Concílio de Trento (Seção VI A SALVAÇÃO (ou: A JUSTIFICAÇÃO, Cap. LX - Contra a vã confiança dos hereges)

Sobre o Purgatório, mosteiros, clausuras. A Invocação e Veneração às Relíquias dos Santos e das Sagradas Imagens) sobre a necessidade da veneração das relíquias dos santos: “Os fiéis devem também ser instruídos para que venerem os santos corpos dos santos mártires e de outros que vivem em Cristo, que foram membros vivos do próprio Cristo, e templos do Espírito Santo, por quem haverão de ressuscitar para a vida eterna para serem glorifícados, e pelos quais são concedidos por Deus muitos benefícios às pessoas, de modo que devem ser condenados, como antigamente se condenou, e agora também os condena a Igreja, aos que afirmam que não se deve honrar nem venerar as relíquias dos santos, ou que é vã a veneração que estas relíquias e outros monumentos sagrados recebem dos fiéis, e que são inúteis as freqüentes visitas às capelas dedicadas aos santos com a finalidade de alcançar seu socorro. Além disso declara este santo concílio, que as imagens devem existir, principalmente nos templos, principalmente as imagens de Cristo, da Virgem Mãe de Deus, e de todos os outros santos, e que a essas imagens deve ser dada a correspondente honra e veneração, não por que se creia que nelas existe divindade ou virtude alguma pela qual mereçam o culto, ou que se lhes deva pedir alguma coisa, ou que se tenha de colocar a confiança nas imagens, como faziam antigamente os gentios, que colocavam suas esperanças nos ídolos, mas sim porque a honra que se dá às imagens, se refere aos originais representados nelas, de modo que adoremos unicamente a Cristo por meio das imagens que beijamos e em cuja presença nos descobrimos, ajoelhamos e veneramos aos santos, cuja semelhança é espelhada nessas imagens”. Ou seja, os “santos religiosos” elevam-se a mesma dignidade da nobreza como exemplo de virtude a ser seguida. Só os particulares devem abrir mão da ostentação: “§ En los funerales de los particulares se debe tener gran atención, porque fácilmente se introducen supersticiones dañosas a la religión, engañada la imaginación con lo que teme o espera de los difuntos. Y como son gastos que cada día suceden y tocan a muchos, conviene moderarlos, porque el dolor y la ambición los va aumentado. Platón puso tasa a las fábricas de los sepulcros, y también Solón, y después los romanos. El rey Felipe Segundo hizo una pragmática reformando los abusos y excesos de los entierros, ‘para que (palabras son suyas) lo que se gasta en vanas demostraciones y apariencias, se gaste y distribuya en lo que es servicio de Dios y aumento del culto divino y bien de las ánimas de los difuntos’ (SAAVEDRA FAJARDO, Idea de un príncipe político cristiano representado en cien empresas, Empresa 101). 136 Ainda, segundo o Concílio de Trento (Seção XXV Sobre o Purgatório, mosteiros, clausuras, A Invocação e Veneração às Relíquias dos Santos e das Sagradas Imagens), “Também não será permitido novos milagres, nem adotar novas relíquias, sem que tenham o reconhecimento e aprovação do Bispo. E este, logo que se certifique de qualquer motivo deste tipo pertencente a elas, consulte alguns teólogos e outras pessoas piedosas, e faça o que julgar conveniente à verdade e piedade”.

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Mesmo que seja necessário crer que os pecados não se perdoam e nem jamais serão perdoados senão pela graça da misericórdia Divina e pelos méritos de Jesus Cristo, sem dúvida não se pode dizer que se perdoam ou que se tenham perdoado a ninguém que tenha ostentado sua confiança e certeza de que seus pecados sejam perdoados sem a graça e misericórdia de Deus, e se fiem apenas nisso, pois podem ser encontrados entre os hereges e cismáticos, ou melhor dizendo, se fala muito em nossos tempos e se preconiza com grande empenho contra a Igreja Católica, esta confiança vã e muito distante de toda piedade, nem tão pouco se pode negar que os verdadeiramente salvos devem ter por certo em seu interior, sem a menor dúvida, que estão salvos pela graça e misericórdia divina, nem que ninguém fica absolvido de seus pecados e se salva senão com a certeza que está absolvido e salvo com essa mesma graça, nem que com apenas esta crença consegue toda sua perfeição, perdão e salvação, dando a entender que aquele que não cresse nisto, duvidaria das promessas de Deus e da certeza da morte e ressurreição de Jesus Cristo, pois assim como nenhuma pessoa piedosa deve duvidar da misericórdia Divina, dos méritos de Jesus Cristo, nem da virtude e eficácia dos sacramentos. Do mesmo modo todos podem recear e temer a respeito de seu estado de graça se reverterem toda consideração a si mesmos e a sua própria debilidade e indisposição, pois ninguém pode saber mesmo com a certeza de sua fé, na qual não cabe engano, que tenha conseguido a graça de Deus.

Na última estrofe, trata de um topos do elogio no que concerne as “circunstâncias externas: a ascendência. No elogio: quais são seus ancestrais...” (Retórica a Herênio, III, 14), através da perífrase metafórica de los que a um campo de oro cinco estrellas, aludindo ao escudo de armas da família do cardenal que o recebe em outro plano. Na estrofe, aparece a transição de forma eufemística, da morte, na aproximação aguda do campo do escudo de armas e o novo campo, habitado por esses seres. É útil especificar a forma “natural” como se dá essa transição. Como o soneto é consolatório, a morte não aparece como potência que separa o homem dos afazeres cotidianos, da riqueza e do poder, pois não há a necessidade de aconselhar o contemptus mundi e a meditatio mortis. Segundo o historiador das mentalidades, essa é uma das atitudes diante da morte: A familiaridade com a morte era uma forma de aceitação da ordem da natureza, aceitação ao mesmo tempo ingênua na vida cotidiana e sábia nas especulações astrológicas. Com a morte, o homem se sujeitava a uma das grandes leis da espécie e não cogitava em evitá-la, nem em exaltá-la. Simplesmente a aceitava, apenas com a solenidade necessária para marcar a importância das grandes etapas que cada vida devia sempre transpor. (ARIÈS, 2003, p. 46)

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Aparece, no soneto, certa mentalidade sobre a morte, mas também o topos consolatório de sua aceitação, como atitude positiva diante dos males da vida. A título de exemplo citaremos o que ensina Sêneca a Márcia (Consolación a Marcia, 25): Él ha escapado íntegro, sin dejar en la tierra nada de si mismo, y todo él se ha ido; se ha detenido un instante por encima de nosotros mientras se limpia y sacude los defectos que llevaba adheridos, y toda la suciedad de su vida mortal, se ha elevado luego a las alturas y ahora corre entre los espíritus bienaventurados. Lo ha acogido la asamblea honorable de los Escipiones y Catones y, entre los menospreciadores de la vida y libres gracias a la muerte, tu padre, Marcia. Él toma a su cargo al nieto (aunque allí todos son parientes), que goza de una luz nueva, y le enseña los cursos de los cercanos astros; conocedor de todo no por suposiciones sino por realidades, le inicia de buen grado en los misterios de la naturaleza y, tal como el forastero agradece al que le guia en ciudades desconocidas, así tu hijo a su intérprete y además pariente, cuando le pregunta por las causas de los fenomenos celestes. Él le (recomienda) dirigir su mirada hasta las profundidades de la tierra: es grato, en efecto, contemplar desde lo alto lo que se ha dejado atrás. Por tanto, Marcia, compórtate como expuesta que estás a las miradas de tu padre y de tu hijo, no los que conociste, sino mucho más sublimes y en lo más alto situados. Avergüénzate de (pensar) nada vil o banal, y de llorar a los tuyos, cuando han cambiado a mejor. (Adueñándose) de la eternidad, se han dispersado por los espacios libres y amplios: no los aislan los mares interpuestos, ni la altura de las montañas o los valles infranqueables o los bajíos de las Sirtes traicioneras: todo lo recorren a pie llano, ágiles, sin esfuerzo y ligeros, pasando unos a través de otros y mezclados con los astros. Así pues, supon que desde esa ciudadela celeste tu padre, Marcia, que tenía tanta autoridad sobre ti como tu sobre tu hijo, te dice, no con la inspiración con que deploro las guerras civiles, con que para siempre proscribió él a los autores de las proscripciones, sino con una tanto más elevada cuanto más excelso es él mismo.

Desta forma, a persona encerra o elogio com o lugar-comum de que os mortos estão livres da carga da vida e vivem nas regiões siderais137. A construção elocutiva, com suas inversões, corrobora o sentido positivo da mudança de lugar dos personagens, que é dada não só pelas palavras escolhidas pelo poeta. 137

O mesmo topos pode ser encontrado em Cícero (Debates en Túsculo, I, XXI) “¡Podría hablar prolijamente, si el asunto lo requiriera, de cuán abundantes, cuán diversos, cuán grandes espetáculos habrá de contemplar el alma en las regiones celestiales!” Em uma obra de 1701, se lê ainda a explicação do mesmo topos, catolicamente (VERDUSSEN, Enrico Y Cornelio. Theatro Moral de la Vida Humana, en Cien Emblemas; con el Enchiridion de Epicteto, y la Tabla de Cebes, Philosofo Platonico, Amberes, 1701, p. 206): “Consideremos por otra parte, la Virtud que es la única que passa deste termino fatal; y como su origen es del Cielo, donde la Muerte no tiene Império; se muestra triumphante de la universal Tirania; y nos enseña que solo la parte inferior y corruptible del Hombre pereze; y que la Superior ha de habitar con ella eternamente, en Virtud de sus buenas obras, y de los méritos de la preciosíssima Sangre de Jesu Christo Redemptor nuestro, à quien protesto de corazon, que someto este pequeno estudio al examen, y corrección de nuestra Santa Madre la Yglesia Romana, desiando vivir y morir en su gremio, y debaxo de su obediencia: y quedo prompto afirmarlo con mi Sangre”.

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3.2.2.Epitáfio à Sepultura do mesmo Exmo. Senhor Arcebispo

O soneto de Gregório de Matos inicia-se de forma semelhante ao de Góngora, instaurando o objeto diante dos olhos do interlocutor, sem o recurso da amplificatio. Também instaura um peregrino ao qual faz tomar conhecimento do objeto. O segundo verso - Se bem, que a nossos olhos já guardado - é um parêntese que funciona como o quinto verso gongorino que tierra nunca oprima -, na consideração piedosa por quem ali está sepultado. É necessário especificar que no caso de Matos, a persona demonstra o sentimento de comiseração que espera despertar no peregrino. O parêntese funciona “de acuerdo con los capítulos encomiásticos, intercalando siempre, a continuación de cada unos de los capítulos, la emoción...” (MENANDRO, Tratado II, 418) A partir do terceiro verso começam as diferenças mais significativas entre os dois poemas. O poeta opta por fazer o elogio do defunto: divide o encômio em dois tempos - o passado, de dedicação à Igreja, no uso da palavra unívoca prelado e na obediência à Vontade divina; o presente, na afirmação de que o mesmo habita o céu 138. Na amplificatio do defunto, utiliza-se os epítetos sagrado, enquanto vivo; divino, depois de morto. A afirmação da sacralidade do Arcebispo enquanto vivo é topos da amplificação, mas ao mesmo tempo, corresponde ao que ensina o Concílio de Trento (Seção VI A SALVAÇÃO (ou: A JUSTIFICAÇÃO, Cap. XI - Da observância dos mandamentos, e de como é necessário e possível observá-los) Os que são filhos de Deus, amam a Cristo e os que O amam como Ele mesmo atesta, observam Seus mandamentos, e isso, por certo, o podem 138

Citemos aqui um poema do século XV, onde a personificação da morte ensina como se ganha a vida eterna: “El vivir que es perdurable/ no se gana con estados/ mundanales,/ ni con vida delectable/ donde moran los pecados/ infernales;/ mas los buenos religiosos/ gánanlo con oraciones/ y con lloros;/ los caballeros famosos,/ con trabajos y aflicciones/ contra moros” (MANRIQUE, 1490?, Copla XXXVI). Gregório de Matos retoma uma formulação da mentalidade ortodoxa católica, mas que há alguns séculos também é explorada como topos retórico sobre a salvação de um dado estamento social, neste caso, o dos clérigos.

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fazer devido à Divina Graça, pois ainda que nesta vida mortal caiam eventualmente os homens, por mais justos e santos que sejam, ao menos em pecados leves e cotidianos, que são chamados pecados veniais, nem por isso deixam de ser justos, porque dos justos são aquelas palavras tão humildes como verdadeiras: “Perdoai as nossas ofensas”. Portanto, é muito importante que também os justos sejam obrigados a percorrer o caminho da santidade, pois, apesar de livres dos pecados, mas alistados entre os servos de Deus, podem, vivendo sóbria, justa e piedosamente, adiantar em seu proveito, a graça de Jesus Cristo, que foi quem lhes abriu a porta para entrar nesta graça.

No entanto, afirmar a divindade do bispo só pode ser entendido enquanto lugar-comum da amplifícação, já que o mesmo Concílio regulamenta139: Ninguém, enquanto estiver nesta vida mortal, deve ser tão presunçoso de estar convencido do profundo mistério da predestinação divina, que saiba com certeza e seguramente do número dos predestinados, como se fosse certo que o batizado não tem possibilidade de pecar, ou simplesmente deva prometer a si mesmo, se pecar, o arrependimento seguro, pois sem revelação especial não se pode saber quem são os que Deus escolheu para si. (Seção VI A SALVAÇÃO (ou: A JUSTIFICAÇÃO, Cap. XII - Deve-se evitar a presunção de crer temerariamente na própria predestinação)

Ou ainda, Ninguém prometa coisa alguma com segurança absoluta, pois todos devem ter confiança que a ajuda Divina é a mais firme esperança de sua salvação. Deus, por certo, a não ser que os homens deixem de corresponder à sua graça, assim como iniciou a boa obra, a levará à perfeição, pois é Ele que causa ao homem a vontade de fazê-la, e a execução e perfeição dessa obra.

Isto significa que ao concluir que o arcebispo é divino, ou está no céu, no contexto da ortodoxia católica só pode ser entendida como “fingimento” de poetas140. No entanto, pode-se 139

Talvez o parágrafo que melhor sintetize a idéia de que não cabe aos mortais afirmar nada sobre a salvação de quem quer que seja: “Não permita Deus que o Cristão confie demais ou se vanglorie em si mesmo e não no Senhor, cuja bondade é tão grande para com todos os homens que Ele quer que sejam deles próprios os méritos que são Seus dons. E como todos nós cometemos muitas ofensas, deve cada um ter sempre em vista que assim como Deus é Senhor da misericórdia e bondade, também O é de severidade no julgamento. Sem que ninguém seja capaz de julgar-se a si mesmo, ainda que nada lhe doa na consciência, pois não será examinada e julgada a vida dos homens em um tribunal humano, mas sim naquele de Deus, que é Quem iluminará os segredos das trevas e manifestará os desígnios do coração, e então cada um receberá o elogio e a recompensa de Deus, que, como está escrito, as retribuirá de acordo com suas obras” (Concílio de Trento, Seção VI A SALVAÇÃO (ou: A JUSTIFICAÇÃO), Cap. XVI Dos frutos do batismo (justificação) isto é, do mérito das boas obras, e da essência deste mesmo mérito). 140 Em 1750, Damião de Faria e Castro, escreve um elogio fúnebre a D. João V, onde aparece a expressão “Sua Magestade já está no Ceo sendo huma Divindade” (p. 9). Tal expressão foi substituída pelo censor por “Coroado do mais soberano Diadema”. Damião de Faria considera os monarcas como “Semideoses na terra”, seguindo o programa do absolutismo providencialista. Mas o que nos interessa fazer notar é a censura

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supor que a persona retoma a teoria platônica de que os seres que aspiram ao Bem Supremo, que é deus, tornam-se uno com ele, participando da sua essência, através da virtude e do desprezo dos bens perecederos deste mundo. Essa concepção platônica é tratada pelo filósofo cristão Boecio (480 - 524?) (La consolación de la Filosofia, Libro Tercero, p. 74). 23.- “Puesto que la consecución de la felicidad hace feliz al hombre y, además, la felicidad se identifica con la divinidad, es indudable que lo que nos hace felices es llegar a conseguir la divinidad. 24.- “Y a la manera en que el justo llega a serio por la adquisición de la justicia y el sabio lo es porque adquirió la sabiduría, el que alcanza la divinidad se convierte en dios. 25.- “Luego todo hombre que pueda llamarse feliz es dios; por esencia, Dios es uno solo; pero, por participación, nada impide que, haya muchos”.

A segunda estrofe trata de especificar o reconhecimento de que o prelado efetivamente recebeu a recompensa por seus atos. Terminado este pensamento, a persona passa a evidenciar, com brevidade os valores do sacerdote em sua vida terrena141. Exerceu o poder, mas, diferentemente de outros ministros da Igreja, não deixou, enquanto pastor, da comparação do monarca com a divindade. “Pois uma rápida exploração da literatura congênere da época (v. g., elogios e orações acadêmicas ou fúnebres a D. João V) mostra que as formulações de Damião de Faria destoava do habitual, em que à comparação do rei com o Sol ou com a divindade se preferia uma sua consagração como herói (tópico vulgarizado com Corneille)”. (HESPANHA, [s/d], p. 137). Ou seja, se em 1750, a ortodoxia da política católica vigorava em Portugal, e produziu a censura do elogio do rei como incoveniente, é de supor que a mesma censura pudesse ser aplicada no caso desse soneto de Gregório de Matos. 141 Além disso, não podemos esquecer que a persona amplifica o lugar onde o prelado praticou as virtudes. Lembremos que há várias sátiras atribuídas a Gregório de Matos, nas quais vitupera a cidade da Bahia habitada por sujeitos extremamente viciosos, desta forma, o prelado ainda é mais virtuoso porque resiste às tentações em meio a um ambiente extremamente desfavorável. Vejamos o que ensina Hansen (2004, p. 213) sobre o funcionamento da sátira na correção dos vícios da Cidade: “A interpretação da voz prudente da persona articula o imaginário do sistema - ética, religião, divisão jurídica - como qualidade positiva ausente na Cidade, sobredeterminando as imagens de sua referência. Na sobredeterminação, o discurso divide-se para unificar seu efeito amplificado: a voz descritivo-narrativa mimetiza a Cidade e sua corrupção; a voz prescritiva avalia o sentido de tais imagens, dividindo-as pela antítese virtude/vício como tradução moralizante, como acusação de culpa, como normatividade de medidas a serem tomadas para sanar o mal. O vício é investido nas imagens torpes, como metaforização disfórica da ponderação da voz que dramatiza a virtude. Com isto se repete que é a virtude que gera os vícios, não o oposto: a sátira constrói uma imagem amplificada da corrupção de um tipo decaído porque, simultaneamente, alega a ordem, paralela à mesma corrupção. Como opera com traços estilizados que individualizam, compõe o destinatário como capacitado para estabelecer analogia entre a imagem deformada e o evento referido pela deformação e, ainda, como capaz de preencher a ausência efetuada pela voz virtuosa quando identifica a imagem e o evento. A sátira atinge seu fim, que é o de fazer com que a imagem apenas verossímil seja tida como dada ou positiva, quando o destinatário adere ao lugar da enunciação e assume a ponderação como critério avaliativo e corretivo do mal. Assim, a ordem mítica das virtudes absorve em sua idealidade a mesma dissimetria que sua mera postulação implica: para ela flui toda a corrupção das imagens dos maus hábitos do presente, inclusive os do destinatário e a sua murmuração, que adere à ordem quando ri com a catarse de sua encenação”.

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de cuidar das suas ovelhas142. Os pensamentos aqui tratados expõem a justificativa tridentina na adoção de medidas contra o clero que abandona os fiéis para cuidar de assuntos alheios à Igreja: Mas saibam que não podem cumprir de modo algum com esse ministério se abandonarem como mercenários o rebanho que lhes foi confiado e deixarem de dedicar-se à custodia de suas ovelhas, cujo sangue há de pedir de suas mãos o Supremo Juiz, sendo indubitável que não se admite ao pastor, a desculpa de que o lobo devorou suas ovelhas, sem que ele tivesse sido notificado. Sabe-se que alguns sacerdotes atualmente, o que é digno de veemente pesar, esquecidos de sua própria salvação, e preferindo os bens terrenos aos celestes, e os bens humanos aos divinos, andam vagando em diversas cortes ou ficam ocupados em agenciar negócios temporais, deixando desamparado seu rebanho e abandonando o cuidado com as ovelhas que lhes estão confiadas (Concílio de Trento, Seção VI A SALVAÇÃO (ou: A JUSTIFICAÇÃO), Cap. I - Convém que os Prelados residam em suas igrejas: se renovem as penas do direito antigo contra os que não residam e se decretem outras do novo [direito]).

Na terceira estrofe temos a conclusão do entimema que a persona desenvolveu nos versos anteriores: se o prelado viveu virtuosamente, recebeu a recompensa celestial, logo seus restos mortais se tornam relíquias, dignas de honra, e seu sepulcro, relicário, lugar de peregrinação e reverência143. Retoma, novamente, outro preceito tridentino

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O topos do bom pastor está presente como discurso teológico político em Saavedra Fajardo (Idea de um príncipe político cristiano, Empresa 94): “Un silbo del pastor y una amenaza amorosa del cayado y de la honda pueden más que las piedras. Muy rebelde ha de estar la ovejuela cuando se hubiere de usar con ella de rigor. Porque, si la piedad de los fieles dotó de fuerzas la dignidad pontifícia, más fue para seguridad de su grandeza que para que usase de ellas, si no fuese en ordena la conservación de la religión católica y beneficio universal de la Iglesia. [...] Su oficio pastoral no es de guerra, sino de paz. Su cayado es corvo para guiar, no aguzado para herir”. 143 É útil lembrar que a amplificatio da qual faz uso a persona em relação ao prelado, apesar de estar bem de acordo com o que preceitua a ortodoxia católica, deve ser entendida como artificio retórico-poético, pois cabe aos teólogos o reconhecimento de “[...] novos milagres, nem adotar novas relíquias, sem que tenham o reconhecimento e aprovação do Bispo. E este, logo que se certifique de qualquer motivo deste tipo pertencente a elas, consulte alguns teólogos e outras pessoas piedosas, e faça o que julgar conveniente à verdade e piedade.” Essa prevenção é necessária para evitar “alguns abusos nestas santas e salutares práticas, deseja ardentemente este Santo Concílio, que sejam completamente exterminadas, de modo que não se coloquem quaisquer imagens de falsos dogmas, nem que causem motivo a rudes e perigosos erros”.

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Ordena o Santo Concílio a todos os Bispos e demais pessoas que tenham o encargo ou obrigação de ensinar, que instruam com exatidão aos fiéis, antes de todas as coisas, sobre a intercessão e invocação dos santos, honra das relíquias e uso legítimo das imagens, segundo o costume da Igreja Católica e Apostólica, recebida desde os tempos primitivos da religião cristã, e segundo o consentimento dos santos Padres e os decretos dos sagrados concílios, ensinando-lhes que os santos que reinam juntamente com Cristo, rogam a Deus pelas pessoas, e que é útil e bom invocá-los humildemente, e recorrer às suas orações, intercessão e auxílio para alcançar de Deus os benefícios por Jesus Cristo seu Filho e nosso Senhor, que é nosso Único Redentor e Salvador, e que agem de modo ímpio os que negam que os santos, que gozam nos céus de grande felicidade, devam ser invocados, ou aqueles que afirmam que os santos não rogam pelas pessoas, ou que é idolatria invocá-los para que roguem por nós, mesmo que seja a cada um em particular, ou que repugna a palavra de Deus e se opõe à honra de Jesus Cristo, Único Mediador entre Deus e as pessoas, ou que é necessário suplicar verbal ou mentalmente aos que reinam no céu (Concílio de Trento, Seção XXV Sobre o Purgatório, mosteiros, clausuras, A Invocação e Veneração às Relíquias dos Santos e das Sagradas Imagens).

Ainda na terceira estrofe, temos o conselho prudente da persona que exorta o peregrino sobre conveniência de cessar o pranto. Tal conselho é reforçado, elocutivamente, na repetição. Implicitamente, no soneto, aparece o topos da lamentação144, já que no parêntese do segundo verso, incita os afetos do interlocutor. No entanto, a lamentação não tem razão de ser aqui, por três motivos: primeiro, a persona, sábia conhece a inutilidade de lamentar-se; segundo, o prelado, recebeu o seu prêmio e livrou-se dos perigos dos trabalhos neste mundo145; terceiro,

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A lamentação é lugar-comum adequado ao epitáfio, segundo a preceptiva retórica de Menandro (Tratado II, 421): “Tras eso, otra vez, como capítulo, has de introducir la lamentación – ‘por eso lloro por él’ -, confiriéndole una elaboración específica, libre, en lo que pueda, de encomios, provocando pena, haciendo llorar a los oyentes”. Veja-se, no Tratado II, 434, um exercício retórico todo voltado a ensinar a escrever adequadamente uma lamentação (Sobre la monodia). 145 O pensamento do mundo como lugar de enganos e trabalhos é expresso por Cícero, nos Debates en Túsculo e Sêneca, De la brevedad de la vida, Consolación a Marcia, Consolación a Polibio, na Antigüidade, por Boécio, La consolación de la Filosofia, na Idade Média (só para citar alguns autores). O lugar-comum, reflexo de uma determinada mentalidade que prega o desengano dos bens mundanos, foi amplamente explorada, também em Góngora, Quevedo, Vieira. A lista é enorme. A título de exemplo, citaremos o que ensina Saavedra Fajardo (Idea de un príncipe político cristiano representado en cien empresas, Empresa 101): “Y el cielo, en ese príncipe de la luz, a quien un dia mismo ve en la dorada cuna del oriente y en la confusa tumba del ocaso. Pero si la muerte es el último mal de los males, felicidad es que llegue presto. Cuanto menor intervalo de tiempo se interpone entre la cuna y la tumba, menor es el curso de los trabajos”.

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retoricamente é conveniente cessar el duelo146. Como afirma Cícero (Debates en Túsculo, Libro III, XIV, 30), sobre a sabedoria: Y en cuanto a las lecciones que Teseo dice haber oído a un hombre sabio, Eurípides se está refiriendo a sí mismo, pues había sido discípulo de Anaxágoras, de quien se cuenta que, cuando se le anunció la muerte de su hijo, dijo: “sabía que había engendrado a un mortal”. Esta expresión demuestra que estas desgracias son crueles para aquellos que no las tienen asumidas. Luego no cabe la menor duda de que todas las situaciones que son consideradas como males, si vienen de improviso resultan más graves. Y así, aunque no sólo esta circunstancia produce la máxima aflicción, sin embargo, como la previsión y la preparación del alma tienen mucho poder para atenuar el dolor, el hombre deberá siempre reflexionar sobre la condición humana. En esto, sin duda, consiste la maravillosa y divina sabiduría: en tener perfectamente sabidas y exploradas las cosas humanas, en no admirarse de nada cuanto acontezca, en pensar que, antes de que suceda, no hay nada que no pueda suceder.

Para concluir o capítulo, retomemos as semelhanças e diferenças entre os dois sonetos. São semelhantes na estrutura rígida do soneto; na inserção de um interlocutor; na invenção retórica que desdobra o elogio na hipotipose do sepulcro e do defunto; na escolha de lugarescomuns da invenção consolatória. São diferentes na escolha das palavras, na elocução, na dispositio. Como tentamos mostrar, Góngora dedica maior atenção em compor o elogio do monumento, que funciona como marco da fama do arcebispo no mundo. A idéia da fama, de origem pagã, é aplicada ao sacerdote, que além de religioso de alta hierarquia, participava das decisões seculares. Além disso, junta ao elogio do sacerdote, o lugar-comum do elogio da ascendência, já que o Cardenal Sandoval é tio do Duque de Lerma, valido do rei Felipe III. A fama do sacerdote advém de suas próprias virtudes (Generosa piedade), mas também dos antepassados “[...] y considerarás, en cambio si su familia es ilustre o no. Si fuera ilustre, has de desarollar lo que a ella concierne...” (MENANDRO, Tratado II, 370). Gregório de Matos, muito pelo contrário, fundamenta o elogio na pessoa do prelado. O monumento aparece como 146

Preceitua o topos Menandro, el retor (Tratado II, 421), logo após a lamentação: “Tras ese capítulo has de introducir outro capítulo, el de la consolación dirigida a toda la familia: ‘no hay que lamentarse, pues convive con los dioses o habita en los Campos Elíseos’”.

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referencial do lugar de inumação. Em primeiro plano está o prelado, santo durante a vida e unido a Deus, como recompensa por sua atuação terrena. Atuação esta que servirá como exemplum a outros, pois a virtude do sacerdote é hiperbolicamente conhecida no mundo, principalmente porque resiste virtuosamente a todos os vícios na terra mais viciosa. No entanto, a diferença fundamental entre os dois autores está justamente no plano elocutivo, mostrado ao longo desta análise. Cada qual apresenta certos traços particulares nas escolhas de figuras retóricas. A dispositio dos elementos elocutivos também é um dado significativo dessa diferença. Góngora opta por uma elocução mais figurada, com maior complexidade da estruturação sintática (ordo artificialis) e semântica (obscuritas) enquanto Matos prefere um encaminhamento com alguma complicação sintática que não gere obscuritas. Além disso, o poeta baiano, em relação a dispositio, encaminha os pensamentos através de um entimema, na configuração verossímil do elogio do defunto e o evidente prêmio de quem seguiu obedientemente à “Vontade Divina” e resistiu aos bens ilusórios desse mundo. Se, em qualquer dos dois sonetos, busca-se elevar o defunto ao estatuto de santo e habitante do céu, Matos configura para o Arcebispo um monumento que não só dá a conhecer o ali inumado, mas um relicário e lugar de peregrinação e veneração. Podemos afirmar que, elocutivamente, Góngora é mais poético e Gregório de Matos mais retórico. Em outros termos, o poeta cordobês lança mão de um uso mais intenso das figuras de construção e dos tropos, criando obscuritas poética, que causa maior deleite intelectual “pois deixam ver que não podem ser obtidos sem a elaboração e o empenho, trabalho que parece mais adequado ao deleite do que à verdade” (Retórica a Herênio, IV, 32), enquanto o poeta baiano prefere um encaminhamento mais retórico, menos ornado, para persuadir o interlocutor sobre a evidência da santidade do prelado. “Consideremos, pues, tratadas estas últimas cuestiones y definamos la claridad como una virtud de la forma de hablar (buena señal de ello es que si un discurso no demuestra algo, no logrará su objetivo), que no debe ser ni ramplona ni excesivamente elevada, sino la adecuada” (ARISTÓTELES, Retórica, III, 2 1404b).

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Capítulo IV - O gênero epidítico e o topos do Carpe Diem 1583 Ilustre y hermosísima María, mientras se dejan ver a cualquier hora en tus mejillas la rosada aurora, Febo en tus ojos, y en tu frente el día, y mientras con gentil descortesía mueve el viento la hebra voladora que la Arabia en sus venas atesora y el rico Tajo en sus arenas cría; antes que de la edad Febo eclipsado, y el claro día vuelto en noche obscura, huya la aurora del mortal nublado; antes que lo que hoy es rubio tesoro venza a la blanca nieve su blancura, goza, goza el color, la luz, el oro.

LIZONGEA OUTRA VEZ IMPACIENTE A RETENÇÃO DE SUA MESMA DESGRAÇA, ACONSELHANDO A ESPOSA NESTE REGALLADO SONETO. Discreta, e formosíssima Maria, Enquanto estamos vendo a qualquer hora Em tuas faces a rosada Aurora, Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia: Enquanto com gentil descortesia O ar, que fresco Adônis te namora, Te espalha a rica trança voadora, Quando vem passear-te pela fria: Goza, goza da flor da mocidade, Que o tempo trota a toda ligeireza, E imprime em toda a flor sua pisada. Oh não aguardes, que a madura idade Te converta em flor, essa beleza Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

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Neste capítulo, trataremos de analisar o soneto atribuído a Gregório de Matos cuja didascália diz LIZONGEA OUTRA VEZ IMPACIENTE A RETENÇÃO DE SUA MESMA DESGRAÇA,

ACONSELHANDO

A

ESPOSA

NESTE

REGALLADO

SONETO147

comparativamente com o soneto de 1583148, cujo primeiro verso é Ilustre y hermosísima María, de Luis de Góngora. Ambos tratam do tema do carpe diem149 e o primeiro verso está tomado da Égloga III de Garcilaso de la Vega150. Escolhemos esses sonetos por se tratar, evidentemente, de uma imitação. Gregório de Matos adota os sonetos gongorinos151 como modelos a serem seguidos. Como preceitua Fox Morcillo (1994, p. 186) [...] imitar no es otra cosa que meterse en el espíritu, las costumbres y la naturaleza del autor que uno haya aprobado, y al mismo tiempo, reproducir su forma de pensar y de hablar.

Góngora e Gregório de Matos tratam da invenção do mesmo topos hedonista do gozo da juventude baseado no elogio da beleza feminina152. Evidente a citação do texto gongorino em Matos. Entretanto, é na dispositio e na elocutio do discurso que cada poeta patenteia sua própria 147

Retirado de Matos (1999. p. 507). Retirado de Góngora (1969, p. 231). 149 Um dado interessante em relação à pesquisa sobre o carpe diem, de Achcar (1994, p. 107) refere-se ao que apurou sobre a recorrência do tema no século XVII. “O século XVII português é ainda mais escasso que o anterior em traduções das odes de Horácio: registram-se apenas as versões, até hoje inéditas, de João Franco Barreto (1600-c. 1674), autor também de uma Eneida Portuguesa em oitava rima (1664). Não obstante, parte da tópica horaciana não é estranha à poesia barroca. De fato, se a austera economia de Horácio fica distante da exuberância cultista, a matéria horaciana, os topoi de suas odes simposiais não deixaram de comparecer na poesia barroca do carpe diem, especialmente nos poemas gongorinos do gênero”. 150 Sobre a imitação deste verso de Garcilaso e as fontes anteriores à ele, conferir ALONSO, Dámaso. De los Siglos Oscuros al de Oro. (Notas y Artículos a través de 700 años de Letras Españolas). 2. ed. Madrid: Gredos, 1964; GOMES, João Carlos Teixeira. Gregório de Matos, o boca de brasa: um estudo de plágio e criação intertextual. Petropólis: Vozes, 1985; SALLES, Fritz Teixeira de. Poesia e Protesto em Gregório de Matos. Belo Horizonte: Interlivros de Minas Gerais, 1975. 151 Gregório de Matos, na composição desse soneto, cita também o famosíssimo verso de “Mientras por competir con tu cabello”, de Góngora. Tal verso torna-se, de tanto que foi imitado, em uma espécie de lugar comum, citado também por Sór Juana Inés de la Cruz, em seu famoso soneto “Este que ves, engaño colorido”. 152 Vários estudos do poemas de carpe diem de Góngora apontam as fontes. Em nota à edição dos Sonetos Completos, p. 230-231, Ciplijauskaité indica os precedentes de Mientras por competir con tu cabello e Ilustre y hermosísima María: Para o primeiro, o antecedente é “ ‘En tanto que de rosa y azucena’ de Garcilaso; tiene parentesco directo con Bernardo Tasso : ‘Mentre che l'aureo crin v'ondeggia intorno’. El primer impulso a este tema fue dado por Ausonio: ‘Collige virgo rosas, dum flos novus, et nova pubes, / et memor esto aevum sic properare tuum’. Se encuentra en Horacio, Odas, I, XI, c. 8.”; e para o segundo, “El primer verso está tomado de Garcilaso, Égloga III, y luego es repetido en otro soneto, el núm. 114. Todas las imágenes forman parte del repertorio de la poesía amorosa renacentista”. Terracini (1983, p. 622), também em nota, aponta mais dois antecedentes indicados por Salcedo Coronel, de Horácio e de Ovídio. 148

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engenhosidade e agudeza153 de cada poeta e nossa tarefa será rastrear alguns lugares-comuns da invenção e a operação elocutiva utilizada nos sonetos a fim de identificar suas diferenças. Góngora escreveu dois sonetos de carpe diem: o famoso soneto, cujo primeiro verso é Mientras por competir con tu cabello154, de 1582 e o outro, Ilustre y hermosísima María, de 1583. Gregório de Matos escreveu dois poemas com o mesmo primeiro verso Discreta, e formosíssima Maria155 e eles não apresentam datas de escritura. O topos do carpe diem não foi exclusivamente tratado com finalidade artística. Na Grécia, a reflexão também foi motivo em alguns epigramas, nos quais “el difunto se jacta de haber comido y bebido y de haber disfrutado todo cuanto pudo mientras vivió” (VEGA, 1992, p. 41): Son muy numerosas las reflexiones sobre la existencia humana, su brevedad y penalidades o la imprevisibilidad del destino. Con relativa frecuencia encontramos la expresión “así es la vida” (taûta ho bíos, o simplemente taûta [...] ). Como consecuencia de esta visión pesimista de la vida se invita al lector a que goce de ella y del momento presente. El motivo del Carpe diem aparece de manera más o menos explícita en la historia de la literatura griega, aunque con diversa frecuencia en las diferentes épocas y géneros: Mimnermo, 1 y 2 D; Semónides, 29 D, y Teognis, 567-70, 973-78, 1007-12, 1047-48, etc.; Esquilo, Persas 840-42; Sófocles, Áyax 123-26; Eurípides, Alcestis 782-802; AP VII 32, 33, 348, 452, etc. El epicureismo, que considera el placer como bien supremo, contribuirá al desarrollo de este motivo.

Posteriormente, a poesia de carpe diem encontrou ambiente propício em Roma e devese ter iniciado na geração de Catulo. Logo, foi tratada por Horácio. Depois de seu estágio helenístico, a poesia do carpe diem encontrou em Roma um ambiente especialmente propicio. Do ponto de vista literário, as galas gregas e alexandrinas do gênero o recomendavam à imitatio e aemulatio dos autores latinos; de um ponto de vista mais amplo, sem dúvida teve importância nessa aceitação o pragmatismo característico da sociedade 153

Entenda-se a engenhosidade como a capacidade de encontrar lugares próprios da invenção retórica e com a agudeza encontrar e aproximar imagens distantes na substituição do pensamento de forma a causar a maravilha da novidade sobre o amplamente conhecido. Como ensina Fernando de Herrera ([s/d], p. 163): “[...] assi conviene que siga el poeta la idea del entendimiento, formada delo mas aventajado que puede alcançar la imaginacion; para imitar della lo mas hermoso i ecelente. bolviendo pues a lo primero, no son indinas de ser leidas i estimadas, las elegias i sonetos, cuyos intentos son comunes, sino las que son umildes i vulgares. porque no es grandeza del poeta huir los concetos comunes, pero si, cuando los dize no comunmente. i cuanto es mas comun, siendo tratado con novedad, tanto es de mayor espiritu, i, si se puede dezir, mas divino”. 154 Retirado de Góngora (1969, p. 230-231). 155 Retirado de Matos (1999, p. 508).

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romana, incluído aí seu estoicismo, sua consideração desidealizada da existência e, provavelmente, o influxo dos pensadores cínicos, nem sempre lembrado neste contexto. Deve-se levar em conta ainda o enriquecimento cultural e histórico que permitiu urna vida privada muito nitidamente oposta à vida pública. O cultivo do gênero deve ter-se iniciado na geração de Catulo, no grupo dos neóteroi ou modernistas helenizantes (ACHCAR, 1994, p. 74).

Nas retóricas e poéticas que utilizamos nesse trabalho não existe uma preceptiva para o discurso hedonista. Para tal fim, utilizaremos o estudo do carpe diem horaciano feito por Francisco Achcar (1994), o artigo de Lore Terracini, que compara os dois sonetos de carpe diem de Góngora e o artigo de João Adolfo Hansen e Alcir Pécora sobre a poesia e prosa lusobrasileiras produzidas na Bahia no século XVII. Francisco Achcar estuda o carpe diem horaciano como tema central de sua obra intitulada Lírica e Lugar-Comum: Alguns Temas de Horácio e sua Presença em Português. Primeiro traça a genealogia do tema da efemeridade, em obras de autores da Antigüidade, de Homero a Catulo. A partir desta genealogia, propõe as linhas básicas do topos, apoiado na leitura do poema Ad Leuconoen, de Horácio, e comenta as várias traduções deste poema ao português, desde o século XVI até o XX. Para nosso estudo, interessa essas linhas básicas da invenção do topos do carpe diem. Lore Terracini, em seu artigo intitulado “Entre la nada y el oro: Sistema y estructura en el soneto 235 de Góngora”, cuida em deslindar as semelhanças e diferenças significativas entre os dois sonetos de carpe diem do poeta cordovês, através da análise metodológica da construção dos textos e observando os predecessores do exortação ao gozo hedonista, tratando de refutar os juízos de valor relativos às composições da crítica da literatura espanhola recente (Valbuena Prat, D. Alonso, Carballo Picazo, Entrambasaguas). João Adolfo Hansen e Alcir Pécora, no artigo “Letras Seiscentista na Bahia”156, expõem sobre questões relativas à produção da poesia e prosa da Bahia do século XVII vinculando-as as categorias retórico-poéticas e teológico-políticas recorrentes que figuram sujeitos da 156

Texto gentilmente cedido pelo Prof. Dr. João Adolfo Hansen.

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enunciação, destinatários e temas, e são também aplicados como critérios avaliativos de definição e interpretação de sentido.

4.1. Plano Analítico

4.1.1.A Invenção Uma das características do carpe diem é a de fundir a exigência de lucidez e a exortação ao prazer, e a resultante lógica deste procedimento é o hedonismo, a inconseqüência juvenil deve ceder a uma capacidade de reconhecimento da efemeridade. Achcar também apresenta, de forma bastante sintética, as idéias de Cairns sobre o carpe diem e a classificação que faz dos elementos primários e secundários do gênero. O que Cairns chama os ‘elementos primários’ de um gênero são, aqui, todos congeniais à lírica simpótica: o sujeito dialogante (I. o enunciador), seu interlocutor (II. o enunciatário), a exortação (III. o enunciado de orientação conativa) (CAIRNS apud ACHCAR, 1994, p. 71). Um quadro sumário dos tópoi ou ‘elementos secundários’ do gênero já pode ser esboçado a partir dos poemas transcritos [...] 1. considerações sobre a instabilidade, a incerteza e a fugacidade da existência, geralmente com símiles do mundo natural (com ou sem ilustração mítica) e antíteses como inverno-primavera, juventude-velhice, dia-noite, perenidade-finitude; 2. advertência sobre a inutilidade das preocupações com o futuro; 3. advertência sobre esperanças descabidas; 4. memento mori, com ou sem exempla e imagens enfatizadoras; 5. advertências ameaçadoras sobre a velhice; 6. conselho de resignar-se ao que os deuses nos reservam; 7. exortação ao gozo do presente, convite ao vinho, à festa, ao amor (CAIRNS apud ACHCAR, 1994, p. 73).

Os dois autores elaboram o ethos da persona de forma que, como nos sonetos anteriores, seja digna de crédito. Naqueles, a advertência é dada sobre a brevidade enganosa da vida. Nestes, exorta-se sobre o aproveitar o breve engano da beleza. O ethos é elaborado para fazer o discurso crível, como ensina Aristóteles (Retórica, I, 2, 1356a):

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[...] cuando el discurso se pronuncia de forma que hace al que habla digno de crédito, pues damos más crédito y tardamos menos en hacerlo a las personas moderada, en cualquier tema y en general, pero de manera especial nos resultan totalmente convincentes en asuntos que no hay exactitud sino duda. Eso también deve ser efecto del discurso y no de que se tengan ideas preconcebidas de la calidad humana del que habla. [...] sino que su comportamiento posee un poder de convicción que es, por así decirlo, casi el más eficaz.

O primeiro verso funciona como exórdio para captar a benevolência da interlocutora e para elaborar seu ethos, elogiando, em primeiro lugar, o que se refere a seu prestígio que “reside en ser considerado respetables por todos o bien poseer algo que desean todos, la mayoría o las personas de bien o las discretas” (ARISTÓTELES, Retórica, I, 5, 1361a). Para persuadir a jovem, insinua-se a capacidade da mesma em ser lúcida na reflexão sobre a efemeridade da beleza e da vida, em oposição a um ethos vulgar, sem capacidade de julgar e ler os signos da efemeridade: El corazón, que sirve de volante al reloj del cuerpo, señala las horas presentes de la vida, pero no las futuras. Y no fue esta incertidumbre desdén, sino favor de la Naturaleza, porque si, como hay tiempo determinado para fabricarse el cuerpo y nacer, le hubiera para deshacerse y morir, viviera el hombre muy insolente a la razón. Y así, no solamente no le dio un instante cierto para alentar, sino le puso en todas las cosas testimonios de la brevedad de la vida. La tierra se la señala en la juventud de sus flores y en las canas de sus mieses. El agua, en la fugacidad de sus corrientes. El aire, en los fuegos que por instantes enciende y los apaga. Y el cielo, en ese príncipe de la luz, a quien un día mismo ve en la dorada cuna del oriente y en la confusa tumba del ocaso. (SAAVEDRA FAJARDO, Idea de un príncipe político cristiano, Empresa 101)

A insinuação da capacidade de distinguir de Maria é composta com brevitas, por bens: um externo, em ilustre, e um interno, hermosísima, no caso de Góngora; dois internos, discreta,

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formosíssima, no caso de Matos157. Esses bens, Aristóteles (Retórica, I, 5, 1360b) chama de felicidade e seus componentes. Ahora bien, si la felicidad es algo así, es forzoso que sus componentes sean nobleza de nacimiento, abundancia de amigos, amistad leal, riqueza, buena descendencia, abundancia de prole y una vejez dichosa, además de las excelencias del cuerpo, como salud, belleza, vigor, talla, capacidad atlética, y del prestigio, estima, buena suerte y excelencia. Y es que es así como mejor podría uno bastarse a si mismo, si dispusiera de los bienes internos y externos, pues no hay otros fuera de estos. Bienes internos son los que conciernen al alma y al cuerpo; externos, la nobleza de nacimiento, los amigos, la riqueza y la estima. Pero además creemos que conviene contar con los recursos y la suerte, pues así la vida seria de lo más segura. Examinemos, pues, de un modo similar, que es cada una de estas cosas.

Outro topos presente nos sonetos é o elogio da beleza da jovem158. O preceito sobre a descrição do corpo do jovem está no discurso que versa Sobre la charla de despedida, de Menandro, o retor (II, 398): Y, puesto que a la felicidad contribuye además la hermosura del cuerpo, describe también al joven, cómo es su mirada y cómo se le ve. Describirás entonces su bozo, sus ojos, su cabello y lo demás. Para conferir solemnidad a las palabras de la descripción y evitar las calumnias que provoque el elogio de su hermosura, representa su carácter como muy respetable, diciendo que 157

O ethos da persona e da interlocutora figuram a prosopopéia apropriadas às pessoas e as circunstâncias em que se encontram. Segundo o que especifica Teón (Ejercicios de Retórica, 115) “Así pues, antes que nada es preciso reflexionar sobre cuál es el caracter propio de la persona que habla y cuál el de la persona a la que va dirigido el discurso, así como la edad que tienen, la ocasión en que se hallan, el lugar, la fortuna y los temas fundamentales sobre los que van a versar los futuros discursos. Y, a continuación, intentar ya que pronuncien discursos adecuados, pues por su edad a cada cual le corresponde un tipo de discurso, no el mismo al joven y al anciano, sino que, en nuestra opinión, el discurso del joven estará combinado con sencillez y recato, mientras que el del anciano con inteligencia y experiencia. También serían adecuados discursos diferentes para un hombre y una mujer en virtud de su naturaleza, para un esclavo y un hombre libre en virtud de su suerte, para un soldado y un campesino en virtud de su oficio, para el amante y el no enamorado por su estado anímico, y a causa de su origen los discursos de un laconio, por una parte, son breves y rotundos, mientras que, por otra, los de un ático son prolijos. También afirmamos que Heródoto habló a menudo en lengua bárbara, aunque escribía en griego, porque ha sabido imitar los discursos de los bárbaros. Hay discursos adecuados tanto a los lugares como a las circunstancias, pues no son los mismos los discursos que se pronuncian en un campamento o en una asamblea, ni en la paz o en la guerra, ni para vencedores o vencidos, y todas las demás circunstancias que acompañan a los personajes. Además, los propios hechos tienen, cada uno en particular, una elocución adecuada”. A mesma recomentação está presente em Horácio (Arte Poética, 100,101), Aristóteles (Poética, XV, 1454a), Aftonio (Ejercicios de Retórica, 11, 34), Hermógenes (Ejercicios de Retórica, 19). 158 Vejamos a análise que faz João Adolfo Hansen, articulando as categorias retórico-poéticas com as teológicopolíticas: “Como foi dito, o retrato da dama resulta da aplicação de uma técnica epidítica do gênero do retrato prosopográfico encomiástico e costuma ser inventado com metáforas minerais e vegetais que lhe geometrizam o rosto e o corpo, oferecendo-se à recepção como evidência de um artifício engenhoso. A emulação da lírica de Góngora envolve o amor de sutil duplicidade, figurando-o da perspectiva obsessiva da morte e do gozo melancólico, segundo vários motivos típicos, como o das paixões do aristotelismo e a ética senequista, o tacitismo político da dissimulação honesta, a libertinagem fidalga, a discrição. Assim, o erótico é caracterizado pela encenação do duplo ponto de vista do ‘eu’, posto catolicamente entre a contemplação desenganada da vanitas e o gozo do mundo.

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son adorno de su hermosura la moderación de sus costumbres y el no tratarse fácilmente con muchos [...]

Devemos considerar que o conselho hedonista fundamenta-se em primeiro lugar sobre o elogio da beleza singular de Maria, nas duas primeiras estrofes e posteriormente sobre a mudança radical operada pelo tempo, que transforma a beleza juvenil em decrépita velhice. Configura-se o topos da velocidade da passagem do tempo: Mudase y buela el Tiempo y todas las cosas con èl. Aqui le miramos pintado en Figura de viejo Anciano, para denotar lo siglos que hà que comenzò à ser. Las Alas son simbolo de la Velocidad con que passa: y la guadaña del Imperio que tiene sobre todo lo creado; pues nada ay tan durable en el Mundo, que no le estè sujeto. (VERDUSSEN, Enrico Y Cornelio. Theatro Moral de la Vida Humana, en Cien Emblemas; con el Enchiridion de Epicteto, y la Tabla de Cebes, Philosofo Platonico, Amberes, 1701, Emblema 85) A todos amenaza igualmente el daño, y nadie pone cuydado en el remedio. Los niños no conozen el peligro: los Mancebos se fian en su juventud: el Hombre robusto, en sus fuerzas: y el Viejo en su buena dieta. Mas el tiempo ayrado, les dà à conozer à todos el engaño. (VERDUSSEN, Enrico Y Cornelio. Theatro Moral de la Vida Humana, en Cien Emblemas; con el Enchiridion de Epicteto, y la Tabla de Cebes, Philosofo Platonico, Amberes, 1701, Emblema 89)

Maria, a interlocutora instaurada no texto, para cada autor, assume diferente perspectiva da fundamentação da quaestio: no soneto gongorino, instaura-se uma personagem fictícia para desenvolver a quaestio infinita na composição do elogio e do conselho, pois não está dirigida a uma pessoa real159; no caso de Gregório de Matos, a mesma quaestio infinita, torna-se finita, porque segundo o licenciado Manuel Pereira Rabelo, é empregada no elogio de Maria dos Povos, sua futura esposa. A impaciência aludida na didascália refere-se à demora em casar-se e consumar o matrimônio160. 159

A hipótese de que os dois sonetos de carpe diem podem ser considerados verdadeiramente como “exercício”, no sentido em que aparece nas retóricas, é plausível, visto que se trata de um elogio com exortação ao gozo, mas sem personagem determinado. Tal hipótese, que não vamos defender, parece ser plausível visto que os dois sonetos de carpe diem, um de 1582 e o outro de 1583 são dos primeiro sonetos escritos pelo cordovês, segundo informação de Biruté Ciplijauskaité. (GÓNGORA, 1969, p. 13). Outro dado a considerar é que entre os 163 sonetos do corpus gongorino, excluindo-se os atribuídos, apenas dois tratam do tema do gozo hedonista. 160 Levantamos a hipótese pela didascália do próprio soneto e também por outro poema de Matos, satírico, que aconselha sobre a “urgência” para que os dois se casem. “Hoje poderei/ convosco casar,/ e hoje consumar,/ amanhã, não sei:/ porque perderei/ a minha saúde,/ e em um ataúde/ me podem levar/ o corpo a enterrar,/ porque vos enoje:/ casemo-nos hoje,/ que amanhã vem longe” (1999, p. 505-506).

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Para finalizar o estudo da invenção dos dois textos, seguimos o estudo de Lore Terracini (Entre la nada y el oro: Sistema y estructura en el soneto 235 de Góngora, p. 620), sobre a questão da organização do texto e os lugares e textos imitados nos dois sonetos de Góngora, mas que, enquanto topos de imagens da natureza para a composição da beleza feminina, pode ser estendido ao soneto atribuído a Gregório de Matos: No se trata sólo de “tema”, en este caso el “carpe diem”, rótulo genérico que congloba una serie de textos muy diferentes desde el punto de vista formal. [...] 2. lexemas tópicos de la langue del metaforismo petrarquista, que anclan la alabanza de la mujer hermosa a los campos semánticos del oro, el color y la luz. Ahora bien, este molde (métrico, léxico, metafórico, semántico, sincácticorítmico) lo comparten no sólo A [Mientras por competir con tu cabello] y B [Ilustre y hermosísima María] sino, por lo menos, otros tres sonetos: uno de Bernardo Tasso, el 23 de Garcilaso y uno de Cristóbal de Mesa. A su vez, este grupo vive en simbiosis (como ya observa Herrera en las Anotaciones, para los textos anteriores a 1580) con otro conjunto de textos: tres sonetos italianos (Bembo, Mocenigo y Venier) y uno del mismo Herrera. Entre los dos grupos es opuesta la perspectiva temporal y distinto el esqueleto sintáctico (“mientras eres joven...” – “cuando seas vieja”); pero los planos léxicos, metafóricos y semánticos son sumamente semejantes.

4.1.2.A Elocução O primeiro verso gongorino – Ilustre y hermosísima Marìa, é uma apóstrofe que invoca a interlocutora. Os epítetos ilustre e hermosísima em diérese, são acumulação coordenante de membros diversívocos que servem para caracterizá-la numa ampliflicatio afetiva, com epífrase de y hermosísima. O primeiro verso de Gregório de Matos é elocutivamente igual, mas substitui ilustre por discreta. O segundo verso - mientras se dejan ver a cualquier hora é uma subjunção sindética introduzida pela conjunção mientras. Esse verso não se esgota e se une ao posterior em enjambement. O segundo verso de Gregório de Matos, Enquanto estamos vendo a qualquer hora, elocutivamente é igual ao de Góngora, porém opta por uma locução verbal em gerúndio estamos vendo e Góngora a locução na voz passiva, se dejan. O segundo verso das estrofes

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apresenta locuções verbais que guardam o sentido semântico de ver. O de Góngora está construído por pronome – verbo auxiliar dejar no presente do indicativo – verbo ver no infinitivo. O de Gregório, por verbo auxiliar estar no presente do indicativo – ver, no gerundio. Se instaura um presente impessoal, estático ou fotográfico, no soneto de Góngora e no soneto de Gregório de Matos um, marcando o transcurso do tempo, dinâmico e com alusão a um nós que usufrue, pelo olhar, da beleza da destinatária. O terceiro verso dos sonetos apresentam a palavra unívoca mejillas/faces, o epíteto rosada e a metáfora aurora (em minúscula, como fenômeno natural) e Aurora (com maiúscula, a deusa); construção em anástrofe da adjunção, evidenciando o rosto da mulher, com amplificatio da cor rosada, dada pela metáfora e pelo epíteto. No quarto verso, Febo en tus ojos, y en tu frente el dia, opera-se com a mesma construção sintática do terceiro verso. No entanto, entre os dois comas do verso gongorino há um quiasmo, as metáforas Febo, que substitui tropicamente o substativo que indica brilho e beleza e día, o substantivo que indica brancura, claridade. No verso há as palavras unívocas ojos e frente. No verso de Gregório de Matos há algumas diferenças: a hipotipose do rosto de Maria é dada pelas palavras unívocas olhos e boca. Vale dizer que Matos elogia a boca e não a testa da sua interlocutora. A metáfora relacionada com os olhos é substituída pelo astro celeste o Sol, equivalente de Febo e a metáfora dia entrará para o campo semântico de boca. Em relação à construção Matos abandona o quiasmo e opta pela epífrase, na acumulação coordenante dos elementos da evidentia. A primeira estrofe trata, elocutivamente, da amplificação da beleza de Maria, no uso dos epítetos, com especial destaque para o adjetivo em superlativo absoluto, hermosísima/formosísima, indicando sua beleza, sem comparação. Em seguida utiliza-se a hipotipose para descrever o rosto da moça comparando-o com metáforas naturais, ora de forma direta (aurora/dia) ora de forma indireta, através de imagens mitológicas que são as imagens desses elementos naturais: Febo /Aurora.

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O quinto verso, y mientras con gentil descortesía/ Enquanto com gentil descortesia, elocutivamente, temos a mesma estrutura, com pequenas diferenças. Temos uma subjunção na adição de um novo membro diversívoco que introduzirá o argumento baseado na beleza do cabelo. Gentil descortesía, histerologia da adjunção em oxímoro, antecipa o modo como o vento desalinha os cabelos da jovem. Góngora une a oração sindeticamente por conjunção copulativa y. Os dois poetas traduzem ainda a preocupação fundamental com o tempo no uso da anáfora da conjunção mientras/enquanto. A partir do sexto verso, as diferenças entre os dois textos vão se acentuando. No verso gongorino - mueve el viento la hebra voladora – ocorre uma anástrofe, com antecipação do verbo (mueve). Valoriza-se a ação em lugar do fenômeno, denominado de forma unívoca, el viento. A seqüência do verso, em ordem natural, apresenta o objeto direto la hebra voladora. Hebra, sinédoque para cabelo, evita o termo vulgar e voladora, prolepse do adjetivo, qualifica-o com o resultado obtido só depois que o vento age sobre ele. O verso gregoriano - O ar, que fresco Adônis te namora, - opera com a palavra unívoca ar e com o parêntese do pensamento que fresco Adônis te namora, na amplificação da palavra unívoca para evitar a humilitas. O epíteto fresco é ênfase para particularizar o ar e epíteto de Adônis. O parêntese funciona como personificação para o ar e remete ao herói mitológico de Adônis, símbolo da brevidade e fugacidade, famoso por sua beleza. Góngora utiliza a hipotipose na descrição do cabelo agitado pelo vento e Matos opta por personificar o ar. O sétimo e oitavo versos de Góngora - que la Arabia en sus venas atesora y el rico Tajo en sus arenas cría;– é prosapódose no acrescentamento de dois pensamentos à hebra voladora, alusão metafórica à cor loira do cabelo, numa cumulação coordenante sindética copulativa, em isócolo, além das personificações de Arábia e Tajo. Esses versos, com anástrofe do sujeito e do adjunto, substituem tropicamente o substativo ouro, abundante, na Arabia e no rio Tajo (Tejo em português) configurando “[...] la cansada alusión tópica al oro de Arabia y a las arenas

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auríferas del Tajo” (ALONSO: 1964, p. 186). O sétimo verso de Matos - Te espalha a rica trança voadora, - continuidade do sexto verso, apresenta ordem natural e palavras unívocas. É útil especificar que voadora, epíteto de trança, é prolepse do adjetivo do mesmo modo que em Góngora, hebra voladora161. O oitavo verso de Matos - Quando vem passear-te pela fria: subjunção que retoma o fenômeno da aurora e torna o momento estático. É preciso atentar para a braquilogia desse verso. Ela serve para seguir o mesmo esquema rítmico gongorino. É interessante notar o efeito das rimas, nas duas estrofes. É o mesmo esquema de rimas enlaçadas ABBA162. A diferença, ou nuance, melhor dizendo, aparece no quarto verso: em Góngora, a oração completa seu sentido no próprio verso e termina com a rima. Em Matos, o verso se fecha com a mesma rima, respeita o mesmo ritmo do verso gongorino, mas seu sentido fica, se não necessariamente prejudicado, no mínimo estranho, principalmente quando o lemos sem ter em conta o soneto anterior, do qual é imitação. Por outro lado, essa ruptura do verso nos obriga a repensar qual o referente de fria, prolepse do adjetivo. Em nota de rodapé, na edição de James Amado, existe a explicação de que a palavra fria alude à madrugada. Então percebemos que fria caracteriza a Aurora, na primeira estrofe. Esta hipótese é confirmada pela variante deste poema, cuja didascália é TERCEYRA VEZ IMPACIENTE MUDA O POETA O SEU SONETO NA FORMA SEGUINTE, no quarto verso da primeira estrofe - E na rosada face a Aurora fria. Ou seja, o rosto da dama é caracterizado pela cor e pela temperatura. Junta-se uma sensação visual e uma tátil. Além disso, há uma mútua troca térmica, no uso da prolepse fria: o ar fresco esfria o rosto rosado, e o rosto rosado, frio, refresca o ar. Assinalemos as diferenças mais óbvias: os dois 161

O Dr. Mario González, em comentário pessoal, puntua o paradoxo da rica trança voadora, já que a trança impediria o vento de desalinhar o cabelo. 162 Conferir SALLES, Fritz Teixeira de. Poesia e Protesto em Gregório de Matos. Belo Horizonte: Interlivros de Minas Gerais, 1975. Nesta obra, o autor trata de estudar alguns recursos estílisticos recorrentes na obra gregoriana. Trata de defender o autor das acusações de plágio que tinha sofrido por críticos como Sílvio Julio e outros, retomando algumas das idéias das poéticas vigentes na época. No entanto, justifica que a imitação e certas características recorrentes da obra de Gregório de Matos não passam de recursos comuns da poesia barroca, ou seja, todas as questões da imitação se reduzem a problemas de procedimentos comuns de um determinada escola literária. Além disso, quando Salles trata de comparar sonetos que são clara imitação, como é o caso dos textos que estudamos, busca marcar as semelhanças e não as diferenças, justamente porque não percebe que a imitação, segundo a formulação da época busca revelar “o novo” através de caminhos muito trilhados. Salles se preocupa mais em mostrar a originalidade do poeta baiano em outras poesias a fim de desfazer um certo retrato de Gregório de Matos como sujeito subserviente a modelos “emprestados”.

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períodos compostos subordinados em Góngora servem como adjetivos para caracterizar o cabelo da jovem. Em Gregório de Matos os períodos compostos são de dois tipos – um adjetivo e caracteriza o ar – e outro temporal, que fixa o momento de sua ocorrência, além de indiretamente caracterizar, na figura do epíteto, as faces da destinatária do soneto. O nono verso de Góngora, antes que de la edad Febo eclipsado, é uma subjunção sindética (antes que) com repetição, à distância, da metáfora Febo que mantém uma relação de oposição com o predicativo eclipsado. A construção do verso é anastrófica. O décimo verso - y el claro día vuelto en noche obscura – é uma epífrase sindética copulativa, com construção em quiasmo e antítese entre os membros do coma claro día/noche oscura. O décimo primeiro verso - huya la aurora del mortal nublado – epífrase assindética, com anástrofe do verbo huya. Retoma-se, também a metáfora aurora, do terceiro verso, en tus mejillas la rosada aurora, em antítese com mortal nublado. A conexão do isócolo mortal nublado se dá em relação ao coma rosada aurora, à distância. A estrofe estabelece um vínculo em quiasmo grande, na refutatio dos pensamentos da beleza, com a primeira estrofe, terceiro e quarto versos en tus mejillas la rosada aurora,/ Febo en tus ojos, y en tu frente el dia. A terceira estrofe de Góngora vincula os pensamentos expressos na primeira estrofe, em antítese, na hipotipose da conversão da beleza juvenil do rosto de María em seu oposto, marcado fundamentalmente na locução adverbial temporal antes que. O nono verso de Matos - Goza, goza da flor da mocidade – é o conselho hedonista, com epanalepse do verbo gozar, numa amplificatio afetiva. Apresenta a metáfora flor, na amplificação da palavra unívoca mocidade. O coma da mocidade é epíteto de flor. Note-se que a exortação situa-se quase no meio do soneto. O décimo verso - Que o tempo trota a toda ligeireza – é epífrase do pensamento que fundamenta a ratio dada pelo pensamento principal do entimema. O substantivo tempo é unívoco, mas personificado pela perífrase metafórica trota a toda ligeireza, instaurando a sucessão temporal em similitude com a impetuosidade do cavalo

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indomado. A aliteração do /t/ reforça, sonoramente, a “cavalgada” precipitada do tempo. O décimo primeiro verso – E imprime em toda a flor sua pisada - é acumulação coordenante, congérie, na continuidade da ratio do verso anterior e ainda continuidade da metáfora eqüina. Há a repetição da metáfora flor, com alargamento semântico na extensão do pensamento da decrepitude a todos os jovens. Assim, o verso é uma refutatio à idéia de que o tempo atuaria somente em Maria, quando age sobre todo o mortal. Note-se, na estrofe gongorina, que os verbos expressam a mudança, mas são usados no presente do subjuntivo – huya –, no particípio, com elipse do verbo auxiliar – eclipsado e vuelto. A escolha dessas formas verbais reitera, junto com as conjunções e locuções conjuntivas, a excessiva preocupação com a passagem do tempo. O presente do subjuntivo e o particípio estabelecem a iminência da mudança. Ela não se dará em futuro próximo, é como se já tivesse ocorrido. A inversão súbita da beleza em seu extremo oposto, sem período de transição (Febo/eclipsado – día/noche – aurora/nublado). Sem embargo, os pensamentos assim dispostos, revelam não só a preocupação com a caducidade da beleza e a fugacidade do tempo, mas, a com a desaparição da própria destinatária (mortal nublado/ noche obscura). Nessa estrofe aparece o fundamento da reflexão da efemeridade da vida, o famoso memento mori, muito além de uma preocupação com a caducidade da beleza, já que na dispositio, a histerologia das rationes, evidencia-se antes do pensamento principal do conselho hedonista. A construção da estrofe gregoriana segue o modelo da terceira estrofe de Mientras por competir con tu cabello163, na exortação hedonista. Gregório repete o verbo, em epanalepse, numa amplificatio afetiva. Diferentemente de Góngora, não retomará cada um dos elementos que utilizou como metáforas da beleza e da juventude, sintetizando-os no sintagma nominal flor da mocidade, complemento do verbo transitivo goza. O segundo verso, construído como oração 163

“Mientras por competir con tu cabello/ oro bruñido al sol relumbra en vano;/ mientras con menosprecio en medio el llano/ mira tu blanca frente el lilio bello;// mientras a cada labio, por cogello,/ siguen más ojos que al clavel temprano,/ y mientras triunfa con desdén lozano/ del luciente cristal tu gentil cuello,// goza cuello, cabello, labio y frente,/ antes que lo que fue en tu edad dorada/ oro, lilio, clavel, cristal luciente,// no sólo en plata o víola troncada/ se vuelva, mas tú y ello juntamente/ en tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada” (GÓNGORA, 1969, p. 230).

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coordenada explicativa – Que o tempo trota a toda ligeireza – e com aliteração do fonema /t/ e assonância de /o/ permite a exploração do campo fônico neste verso que repercute na imagem do tempo figurativamente igualado (por ser sujeito do verbo trotar) a um fogoso cavalo que não se detém. A aliteração repercute o som do trote não só neste verso, mas é reforçado na aliteração do /p/ no terceiro verso. O terceiro verso - E imprime em toda a flor sua pisada introduzida por uma conjunção aditiva – e – é uma epífrase sindética aditiva que amplifica a idéia dada pela oração explicativa do verso anterior. O substantivo flor retoma a flor da mocidade evidenciando as marcas que o tempo imprime, na flor, metaforicamente e por alusão, na mulher, as rugas, marcas que o tempo deixa. A imagem da velhice, no texto de Gregório de Matos se revela no rosto, por metáfora, e, em Góngora, na relação de antíteses. O verbo transitivo direto e circunstancial – imprime – utilizado no presente do indicativo e o uso do pronome indefinido – toda – desloca o foco de atenção do persona da destinatária e abrange a questão do poder destrutivo do tempo que atinge todos os seres efêmeros. O décimo segundo verso gongorino, antes que lo que hoy es rubio tesoro, é a última subjunção sindética do soneto, epímone do pensamento sobre o cabelo rubio, epíteto unívoco referido à metáfora tesoro (paronomásia de atesora), na síntese dos pensamentos dados nas perífrases que la Arábia en sus venas atesora/ y el rico Tajo en sus arenas cría. Aparece o pronome lo, referindo-se, sem nomear, ao cabelo da destinatária. Note-se que Góngora, para evitar a humilitas, não utiliza a palavra unívoca cabelo. O verbo ser, no presente do indicativo vem antecedido pelo advérbio hoy, deixando patente, a obstinação por um presente fugaz, que é, e ao mesmo tempo, já não é. O décimo terceiro verso, venza a la blanca nieve su blancura, apresenta anástrofe do predicado venza a la blanca nieve. O verbo venza, no presente, marca uma mudança dada pelo modo subjuntivo. A anástrofe antecipa o verbo para ratificar a preocupação com a passagem do tempo. O epíteto blanca amplifica, na ênfase, a característica particular da nieve. Blancura é

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metonímia hiperbólica para cabelo, na substituição trópica da qualidade pelo portador, configura a hipotipose da nova cor dos cabelos em relação antitética a rubio tesoro. O substantivo blancura substitui o cabelo pela cor, mais importante que o objeto ao qual se refere. Note-se que a blancura do cabelo é capaz de subjugar la blanca nieve, na comparação superlativa. O décimo quarto verso, goza, goza el color, la luz, el oro, é epífonema das rationes dadas sobre a mudança da beleza de María. Tem-se a epanalepse do verbo goza, que amplifica a obsecração do conselho hedonista, na diérese coordenante assindética das metáforas naturais color, luz, oro, onde os comas do objeto direto tem construção em isócolo. Acumulam-se vários elementos para reforçar a urgência de usufruto dessa riqueza brilhante. Cada um dos substantivos

recupera

características

dadas

na

primeira

e

terceira

estrofes



color/mejillas/aurora, luz/Febo/ojos/frente/día, – e da segunda e quarta estrofes – oro/hebra/rubio tesoro/ que la Arabia en sus venas atesora/y el rico Tajo en sus arenas cría. Cada um destes substantivos, color, luz, oro, apresentam um valor crescente, de fulgor, de riqueza, de concretude e solidez. A última estrofe, epímone dos pensamentos da estrofe anterior, de Gregório de Matos, inicia-se com nova obsecração, no décimo segundo verso: Oh não aguardes, que a madura idade, que não encerra o pensamento nesse verso, vinculando-o, em enjambement, ao seguinte – Te converta em flor, essa beleza. Madura idade aproxima-se sonoramente de flor da mocidade, significando, antiteticamente o oposto temporal. A continuidade do pensamento no décimo terceiro verso personifica a madura idade que tem o poder de converter a beleza em flor, em construção anastrófica, em seu oposto. Note-se como a inversão constrói uma simulatio como representação positiva que provoca afetos positivos em relação ao pensamento expresso de maneira equivocada, como se a madura idade, personificada, tivesse o poder de transformar a beleza da interlocutora em essência da mocidade, em flor. A inversão nos permite ver que o que

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se mais valoriza não é a beleza, e sim a mocidade, a juventude, já que anteriormente estava como substantivo do sintagma nominal flor da mocidade. Tal ambigüidade é desmascarada no último verso, em construção de cinco isócolos, sinonímia coordenada como acumulação amplificante, congéries de pensamentos sobre a perecibilidade da beleza – Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada164. O soneto segue a dispositio retórica, com brevitas: o exórdio, para captar a benevolência e a docilidade da interlocutora, no primeiro verso. Do segundo ao oitavo verso tem-se a narração “[...] que entrecorta o discurso para fazer a fé, incriminar, fazer uma transição ou uma preparação” (Retórica a Herênio, I, 12) e a distribuição que consiste em “duas partes: enumeração e exposição”. A primeira, refere-se aos pontos que se pretende tratar e a segunda, o que se irá tratar. (Retórica a Herênio, I, 17) A partir do nono verso até décimo terceiro, desenvolvem-se os argumentos que fundamentam a persuasão na confirmação e na refutação. Confirmam-se afirmativamente os pensamentos sobre a beleza e refutam-se com argumentos que lhe são opostos. O último verso é a conclusão dada no conselho do carpe diem, na recapitulatio dos argumentos da distribuição165. Gregório de Matos na elaboração de seu soneto, em alguns momentos, realmente se subordina à imitação de vários processos elocutivos do modelo gongorino. No entanto, já na primeira estrofe, afasta-se sutilmente do modelo na escolha de duas palavras discreta e boca e no uso da epífrase no quarto verso. Na segunda estrofe as diferenças são ainda maiores. Na descrição da beleza de Maria, Matos opta pelo parêntese que vincula um pensamento ao ar e sua ação no cabelo e no rosto da moça e descreve com brevidade, rica trança voadora, a beleza do cabelo. Góngora utiliza as perífrases metafóricas para amplificar a “riqueza” do cabelo. Do 164

A última estrofe do poema, uma transcrição literal de um dos versos mais famosos de Góngora – en tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada, que encerra Mientras por competir con tu cabello é o objeto indireto de converta. A diferença mais visível está na tradução de humo em cinza, o que pode nos levar a pensar que o soneto de Gregório de Matos seguiria o mesmo sentido que em Mientras por competir con tu cabello, que ultrapassa o sentido do conselho hedonista e incorpora um memento mori. 165 Segundo informação dada por Mayoral ([s/d], p. 167) tal esquema de correlações é “designada en los trabajos de D. Alonso como esquema ‘diseminativo – recolectivo’”.

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mesmo modo que em Góngora, os dois quartetos funcionam como exórdio, que capta a benevolência da interlocutora, e a narração, que põem “diante dos olhos” do público a beleza deslumbrante da jovem. Os tercetos configuram a agudeza de Gregório de Matos em relação ao soneto imitado. Góngora, na disposito de seu texto, segue o modelo retórico na divisão de suas partes para conseguir a persuasão, retomando os vários elementos distribuídos ao longo do soneto, recapitulando-os e refutando-os através da antítese e ao final, sintetiza-os, braquilogicamente, para impor o conselho. Gregório de Matos estabelece o conselho no meio do soneto, na obsecração amplificada pela epanalepse do verbo goza. Temos, ainda, a personificação do tempo com epífrase do pensamento e amplificação com diérese do pensamento. A estrofe é uma acumulação argumentante, ou entimema, onde, através da histerologia do pensamento, a conclusão aparece antes do argumento. O segundo terceto é epímone do anterior, no desenvolvimento de outro entimema sobre o mesmo pensamento da brevidade da beleza e da urgência do gozo. Personifica-se a madura idade e na construção em anástrofe cria-se a equivocidade de sentido, fingindo-se um tempo que pudesse tornar a jovem ainda mais jovem. No entanto, na citação do famoso verso gongorino em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada, desfaz-se a ambigüidade, na perspicuitas da sinonímia amplificante que martela, inclusive sonoramente, a verdade essencial, da conversão da juventude em velhice. Os dois sonetos apresentam uma oração principal e orações subordinadas adverbiais temporais. A primeira diferença é que o soneto de Góngora é formado por um único período composto por subordinação. A oração principal – Ilustre y hermosísima María,/ goza, goza el color, la luz, el oro – e quatro orações subordinadas adverbiais temporais – mientras se dejan ver a cualquier hora/ en tus mejillas la rosada aurora/ Febo en tus ojos, y en tu frente el día, – y mientras con gentil descortesía/ mueve el viento la hebra voladora/ que la Arabia en sus venas atesora/ y el rico Tajo en sus arenas cría;– antes que de la edad Febo eclipsado,/ y el claro día vuelto en noche obscura,/ huya la aurora del mortal nublado; – antes que lo que hoy

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es rubio tesoro/ venza a la blanca nieve su blancura,/ goza, goza el color, la luz, el oro – que correspondem exatamente às quatro estrofes do soneto. Em Gregório de Matos temos dois períodos compostos. Um por subordinação e coordenação, cuja oração principal é – Discreta, e formosíssima Maria,/ Goza, goza da flor da mocidade – duas orações adverbiais temporais – Enquanto estamos vendo a qualquer hora/ Em tuas faces a rosada Aurora, /Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia – Enquanto com gentil descortesia/ O ar, que fresco Adônis te namora,/ Te espalha a rica trança voadora/ Quando vem passear-te pela fria – que correspondem aos dois quartetos, e, uma oração coordenada explicativa – Que o tempo trota a toda ligeireza,/ E imprime em toda a flor sua pisada.– o primeiro terceto. A última estrofe também é um período composto e está formado por uma oração principal – Oh não aguardes, e uma oração subordinada substantiva objetiva direta – que a madura idade/ Te converta em flor, essa beleza/ Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada. A insistência de Góngora, nas orações adverbiais, nos permite afirmar que sua atenção está concentrada em evidenciar a passagem do tempo e persuadir a destinatária, Maria, para que usufrua de sua beleza enquanto há tempo, sem referência direta a palavra tempo. As orações adverbiais dos dois quartetos começam com a conjunção mientras e os dois tercetos são introduzido pela locução conjuntiva antes que, manifestando a preocupação com o tempo já no início das estruturas. Funciona como “un poderoso andamiaje sintáctico (inicial subordinada temporal anafórica – mientras, mientras... – seguida por imperativo, goza, y otra subordinada temporal, antes que” (TERRACINI, 1983, p. 620). O primeiro terceto apresenta uma epífrase da coordenada sindética copulativa – y el claro día vuelto en noche oscura. Em Matos a imitação se dá nas orações adverbiais, que refletem a mesma insistência na passagem do tempo, com amplificada pela perspicuitas da coordenada explicativa - que o tempo trota a toda ligeireza e amplificada pela epífrase da coordenada aditiva - e imprime em toda a flor sua pisada. A última estrofe - Oh não aguardes, que a madura idade/ Te converta

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em flor, essa beleza/ Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada - é uma oração composta por uma principal e uma substantiva objetiva direta, configurando a epímone na repetição do conselho. Em Góngora, esta insistência se dá, implicitamente, na elipse de goza, goza el color, la luz, el oro que deveria começar as orações introduzidas pela locução conjuntiva antes que. Outro dado importante se refere ao segundo quarteto de ambos os sonetos. Cada um deles, além de serem orações adverbiais, apresentam uma oração subordinada adjetiva. Em Góngora está formada na verdade pela junção de duas orações coordenadas aditivas – que la Arabia en sus venas atesora/ y el rico Tajo en sus arenas cría; – que servem para caracterizar a cor do cabelo nas perífrases metáforicas que o qualifica como ouro. Em Gregório de Matos, a oração subordinada adjetiva qualifica e personifica o ar – que fresco Adônis te namora – seguida de outra adverbial temporal – quando vem passear-te pela fria. Para concluir a análise elocutiva dos dois sonetos, ainda que cada um tenha particularidades específicas, devemos considerar à qual dos três gêneros de elocução pertencem. Nenhum dos dois textos está dedicado a gente de valía, não tratam de assuntos sérios, com ensinamento moral, religioso ou filosófico, não movem fortemente os afetos para persuadir a uma mudança de atitude desengañada. Além disso, ornamenta-se os textos com figuras elocutivas, contudo não de forma a que os sonetos percam a perspicuitas, já que também operase com palavras unívocas. Pertencem, desta forma, ao gênero médio (Retórica a Herênio, IV, 11), porque não ensinam e não comovem, mas deleitam166. Pode-se opor que os sonetos de carpe diem, como pertencentes também ao gênero deliberativo, visam a uma escolha e, portanto, deveriam comover para persuadir. No entanto, devemos lembrar que o topos grego e latino, é imitado por Góngora e Matos, autores do XVII, moldados por uma mentalidade ortodoxa católica coesamente regrada pelas regras de Trento, que não admitiria o conselho hedonista com uma finalidade severa167. 166

Veja-se § 467 de Lausberg, Elementos de Retórica Literária. O carpe diem é formulado para deleitar e não para convencer verdadeiramente. Tanto funciona assim que boa parte do topos e de seus lugares de invenção, são satiricamente invertidos. Veja-se, por exemplo, o soneto de 167

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4.2. Plano Integrativo

4.2.1.[1583] Agora trataremos de integrar os poemas na relação invenção/elocução. Comentaremos primeiro o soneto de Góngora e posteriormente o soneto de Gregório de Matos. Ao final do comentário mostraremos quais as diferenças de sentido. Ns soneto de Góngora predomina o gênero retórico epidítico. O elogio serve para a exortação do gozo hedonista, vinculando-se, desta forma ao gênero deliberativo, assim como o de Matos. Segundo a Retórica a Herênio (III, 2), o discurso deliberativo serve para aconselhar ou desaconselhar e é uma das características do carpe diem. Seriam poemas que procuram provar, demonstrar, levar a uma conclusão. Seu esquema retórico, no caso das ‘odes do carpe diem’, partiria de uma ‘cena’ – uma descrição da natureza, correspondente a um modelo cíclico do tempo. Em seguida, uma ‘resposta’ ou ‘reação’ à cena – uma ‘visão’, ‘percepção’, insight, do caráter efêmero da existência humana, a que corresponde um outro modelo temporal, um modelo linear. Finalmente, uma ‘prescrição’- carpe diem, em sua várias formulações, relativas tanto à fruição do presente quanto à desconsideração do que possa perturbar essa fruição: as preocupações com o futuro, as ‘questões severas’ da vida pública, a preocupação com a riqueza, o apego aos bens.” (DAVIS apud ACHCAR: 1994, p. 97)

No soneto gongorino, o conselho versa sobre gozar a vida e a juventude enquanto há tempo. A persona postula como pensamentos sobre o caráter168 de Maria, o primeiro epíteto – Gregório de Matos (Gregório de Matos: Crônica do Viver Baiano Seiscentista, p. 1130) “CELEBRA A GRANDE ALGAZARRA QUE FIZERAM NA FESTA OS ESTRANGEYROS BRINDANDO A QUITOTA MENINA BAPTIZADA, SENDO NO TEMPO DA PESTE. Se a morte anda de ronda, a vida trota,/ Aproveitese o tempo, e ferva o Baco,/ Haja galhofa, e tome-se tabaco,/ Venha rodando a pipa, e ande a bota./ Brinde-se a cada triques a Quitota,/ Té que a puro brindar se ateste o saco,/ E faça-lhe a razão pelo seu caco/ Dom Fragaton do Rhin compatriota./ Ande o licor por mão, funda-se a serra,/ Esgote-se o tonel, molem-se os rengos./ Toca tará-tará, que o vento berra./ Isto diz, que passou entre Flamengos,/ Quando veio tanta água sobre a terra,/ Como vinho inundou sobre os Podengos”. Além disso, inseridos no corpus dos sonetos, quantitativamente, há mais sonetos de ensinamento moral e religioso que de exortação hedonista, com tratamento não satírico. 168 Caráter deve ser entendido retoricamente como a elaboração da prosopopéia do personagem adequadamente à sua posição social, à ocasião, ao sexo, à idade etc.

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ilustre, no grau normal, que indica sua nobreza, dignidade, e, sua beleza extraordinária – adiantada no outro epíteto, um adjetivo no grau superlativo absoluto –hermosísima. O superlativo propõe que a beleza de Maria é incomparável. A destinatária pode ser considerada, segundo a definição aristotélica, detentora de bens porque teve um nascimento honroso (ilustre) e possui a qualidade física da beleza (hermosísima), que também são componentes da excelência no elogio. O primeiro verso exerce uma dupla função: é uma apóstrofe, ou seja, a primeira vez que a persona se dirige diretamente à destinatária, e sua primeira caracterização169. A partir do segundo verso, passa a especificar a beleza de Maria. A descrição da mulher está, o tempo todo, subordinada ao tempo, pois se dá depois da conjunção temporal mientras. A importância da passagem do tempo é reforçada pela introdução do verbo, se dejan ver, no presente, que fixa a imagem de María. Neste verso há uma relação paradoxal entre a conjunção e o verbo. A conjunção instaura a passagem do tempo, e o verbo, fixa a imagem feminina que se revela a cualquier hora e para todos. O terceiro e quarto versos evidenciam, na hipotipose, algumas partes do rosto da jovem. “Sin duda son todos materiales de acarreo, tópicos añejos que se remontan por lo menos a Petrarca...170” (TERRACINI, 1983, p. 622). Amplifica-se a beleza da jovem através de metáforas rosada aurora171, Febo, día, para especificar a cor e luminosidade facial. Além das metáforas, a estrutura em isócolo e quiasmo colaboram para a amplificação. Por outro lado, utiliza-se palavras unívocas mejillas, ojos, frente, delimitando as

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Sobre a composição dos ethos da persona e da destinatária, consideremos o que Hansen e Pécora (“Letras Seiscentistas na Bahia”, p. 14) afirmam sobre sua figuração de acordo com as regras do jogo amatório das relações de Corte: “Os critérios líricos compõem a unidade virtuosa do tipo da dama e do ‘eu’ da enunciação de modo verossímil, formalizando-os como tipos discretos movidos dos valores éticos e teológico-políticos da racionalidade de Corte que então fundamentam a naturalidade da hierarquia transplantada para o trópico”. É útil lembrar que a referência aqui é a poesia atribuída a Gregório de Matos, mas perfeitamente aplicável à Góngora, estabelecido no coração mesmo de onde provém tais regramento. Para tal desconsidere-se “transplantada para o trópico” no caso do poeta cordovês. 170

Hansen e Pécora (Letras Seiscentistas na Bahia, p. 12) afirmam o mesmo sobre a imitação em Matos: “A lírica amorosa emula topoi petrarquistas que circularam na área mediterrânea nos séculos XV, XVI, XVII e XVIII, sendo caracterizada pela racionalidade de Corte típica do absolutismo (discrição, prudência, ócio fidalgo, amor cortês, dissimulação honesta, etiqueta, engenhosidade, agudezas)”. 171 Terracini (1983, p. 623) comenta a rosada aurora como topos: “En la antiquísima “rosada aurora” de la tradición del amanecer mitológico, estudiada por María Rosa Lida, justamente las mejillas de rosa a menudo son atributo de la aurora misma. Herrera lo consideraba “epíteto propio”.

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metáforas para cada uma das partes especificadas e evitando a obscuritas no discurso. Evidenciar a beleza da destinatária funciona como argumento baseada na opinião de todos que a vêm e não somente no da persona na medida em que se dejan ver a cualquier hora. Na imitação, Gregório de Matos, também emprega o mesmo lugar da argumentação, especificando ainda mais quando torna o verbo mais pessoal estamos vendo. Como instrui Aristóteles (Retórica, I, 7, 1364b): Y lo que considerarían o han considerado un bien mayor todas las personas discretas o muchas, o la mayoría de la gente o los mejores, es necesario que lo sea realmente, bien en general, bien de acuerdo con la discreción con la que juzgaron. Y eso es un principio general aplicable a todas las demás cuestiones, pues la entidad, la cantidad y la cualidad están de acuerdo con lo que dirían el conocimiento científico y la discreción.

Esta estrofe, além de introduzir o conselho, é também um elaborado elogio da do caráter nobre e da formosura do rosto de Maria. Na segunda estrofe, a anáfora de mientras, mantém a preocupação fundamental com o tempo. A persona continua a descrição da bela mulher, incorporando elementos que imprime movimento ao retrato da destinatária. Passa a descrever o cabelo da destinatária, movimentado pelo vento. Note-se que há uma personificação do vento que corteja a jovem de maneira desajeitada revelada pelo oxímoro – con gentil descortesía. A anástrofe do verso, que se inicia com o verbo mueve, assegura a passagem do tempo, abrandando a repetição da conjunção mientras. A beleza da jovem é irresistível não só aos humanos, mas também à natureza. Hebra, sinédoque para cabelo, evita o uso do termo vulgar e a prolepse do adjetivo – voladora imprime leveza ao cabelo na medida em que antecipa uma qualidade que só poderá ter depois da ação eólica. Os dois últimos versos da estrofe são prosapódose, em isócolo, para caracterizar o cabelo dourado. Em Mientras por competir con tu cabello, Góngora utiliza a metáfora oro para qualificá-lo. Em Ilustre y hermosísima utiliza as perífrases metafóricas - que la Arábia en sus venas atesora/ y el rico Tajo172 en sus arenas cría. Comparar os cabelos com o ouro é lugar172

No verbete Tajo, Covarrubias (1611, fol. 182r) refere-se ao ouro presente nas areias do rio. “TAJO, río famoso de España, nace en la Celciberia, conuiene a saber Aragon, y entra en el mar Occeano por Lisboa, y

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comum na composição do cabelo, assim como o vento que o move173. Lore Terracini (1983, p. 622)174 trata de especificar que “el viento que mueve el cabello y la vena aurífera” são tópicos “que se remontan por lo menos a Petrarca tanto la vena (“Onde tolse Amor Toro e di qual vena,/ per far due treccie bionde?”) como, sobre todo, el viento (“L'aura, che '1 verde lauro e Paureo crine/soavemente sospirando move”). Contudo cabe-nos lembrar que o elogio de Maria serve para aconselhar, logo, dizer que o cabelo é de ouro, confere a ele o estatuto de argumento. “Por otra parte, lo más raro es más importante que lo abundante, como lo es el oro con respecto al hierro, aunque sea menos útil, pues su posesión es más valiosa por ser más difícil” (ARISTÓTELES, Retórica, I, 7, 1364a). Nos dois quartetos a persona tece um elogio à Maria, evidenciando os componentes da excelência relativos à nobreza e a formosura, sempre marcada por uma aguda preocupação com a passagem do tempo. Esses quartetos patenteiam a formosura como bens naturais (aurora, Febo, día) e como riqueza (ouro), através das metáforas e perífrases. Desta forma o elogio se converte em argumentos deliberativos para a exortação. También el placer es un bien, pues todos los animales aspiran a él por naturaleza, de suerte que las cosas placenteras y las hermosas son necesariamente buenas; las unas, porque producen placer, y las hermosas, unas porque son placenteras, y otras, preferibles por sí mismas. (ARISTÓTELES, Retórica, I, 6, 1362b)

A terceira estrofe, iniciada pela locução conjuntiva – antes que – subjunção sindética que inicia a refutatio através da retomada das metáforas da primeira estrofe (aurora, Febo, día). Cada verso retoma o principal componente de caracterização de Maria, vinculando-o com o Caseais. Los antiguos celebraron este rio, assi por la bondad de su agua, como por la riqueza de sus arenas, entre las cuales se hallan algunos granillos de oro, y por esta razon le llamaron aurifero, su nombre puede ser Griego de tagos, Princeps, por ser rio principal o del nombre tachos, celeritas, por correr por algunas partes con tanta celeridad: pero los mas recibido es auer tomado nombre de Tago sexto Rey de las Españas. 173 Instaura-se uma relação antitética entre a leveza do cabelo voador e a solidez do material com o qual é comparado. 174 Terracini, em nota de rodapé, alinha outros discursos onde aparecem os lugares-comuns referentes ao cabelo, ao vento e ao ouro, como em Garcilaso, imitação direta segundo a autora, Horácio, na Ode ad Ligurinum, Quevedo. Sobre as areias auríferas do Tajo, indica a anotação de Herrera para o soneto 24 de Garcilaso, com referências antigas, na qual inclui Juvenal.

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fenômeno contrário (Febo/eclipsado; claro día/noche obscura; aurora/mortal nublado). No primeiro verso, os olhos perdem o brilho com a idade, não há epíteto que particularize Febo ou eclipsado, e com brevitas, une o substantivo e o predicativo sem verbo, desta forma não há reversão do fenômeno celeste aludido, pois é a edad responsável pelo eclipse, em outros termos, quem os encerra definitivamente. No segundo, existe a inclusão de dois epítetos (claro e obscura) para cada um dos substantivos (día e noche), em antítese, amplificado, ainda, pelo quiasmo e na oposição masculino/feminino. O verbo que serve de elo da mudança de um estado a outro – vuelto – foi utilizado no particípio absoluto. Isto marca não só a proximidade da ação corrosiva do tempo, mas acrescenta a idéia de que a velhice é intrínseca à juventude. Outro dado importante é que claro día, além de recuperar a imagem da luminosidade da testa, amplifica a referência exclusiva do campo da luz para o da brevidade da vida, pela oposição claro día/ noche obscura, claro día como a vida, e, noche obscura como fim do dia, ou seja, a perda da luminosidade da face, mas também do encerramento do dia ou da vida. Os epitheta ornantia (claro/obscura) ampliam o campo da metáfora de referência à face da moça, para o campo de oposição vida/morte, onde claro día é juventude e noche obscura175, morte. O terceiro verso começa com um verbo no presente do subjuntivo – huya –, novamente a estrutura traduz a preocupação fundamental com o tempo. Neste verso aparece um só epíteto – mortal – para o substantivo nublado. O substantivo aurora retoma o terceiro verso, rosada aurora, da primeira estrofe, termo da comparação usado para determinar a cor das faces, estabelecendo uma relação de contraposição a mortal nublado176. O epíteto mortal é, junto com o epíteto obscura, chave para interpretação do poema, apesar de serem elementos marginais. A idéia da morte intrínseca

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Noche obscura parece aludir, também, à própria inumação. Vejamos o que afirma Terracini (1983, p. 623) sobre essa relação: “En realidad, el sintagma rosada aurora funciona en un doble plano juntando connotaciones tanto de luz como de color, y el mortal nublado no sólo a luz le contrapone oscuridad, sino a color falta de color, palidez, muerte”. E ainda sobre as metáforas metáforas naturais ou meteorológicas (p. 624): “Es el sema “luz” el que prevalece, todavía como metáfora, en la serie meteorológica: aurora, Febo, día; nublado, eclipse, noche. Es el sema “color” el que asoma, o mejor dicho funciona debido a su propia desaparición, en el contacto con mortal nublado, en donde, ya fuera de metáfora, su misma ausencia indica no la vejez, como en Garcilaso, sino la muerte. Es una pincelada apenas; pero nos aleja de Garcilaso para acercarnos a «en tierra, en humo...» de A [Mientras por competir con tu cabello]. 176

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na juventude é confirmada pelo adjetivo mortal, utilizado neste verso. Implica a idéia de perecibilidade e morte. O tempo é o elemento condutor/ desencadeador da mudança, daí que resulta o seu desvanecimento pelo poema, nunca diretamente nomeado. A persona faz referência ao poder destruidor do tempo, onipresente e intangível, perceptível apenas por seus efeitos. Se na terceira estrofe a oposição dos elementos da refutatio é operada com brevitas, na quarta estrofe utilizam-se dois versos para retomar e refutar a imagem do cabelo. A lentidão do último argumento suspende, brevemente, o decurso tempo para a reflexão e desengano da moça, fiada em sua juventude. O pensamento do tempo, novamente, na anáfora de antes que, seguido do pronombre objecto – lo – substitui, gramaticalmente, o termo cabelo, evitando a humilitas177. Na seqüência temos a epímone do cabelo louro e prosapódose do lo. A oração adjetiva apresenta um advérbio pontual hoy, marcando o tempo presente do cabelo loiro que é um rubio tesoro, (repara-se que o substantivo tesoro apresenta o substantivo oro em sua estrutura). O segundo verso, iniciado por verbo no presente do subjuntivo, dá continuidade as estruturas anteriores, de um estado juvenil, a outro, senil. O substantivo blancura funciona como metonímia para o cabelo. Um cabelo mais branco do que a branca neve. Novamente a persona compara uma parte da destinatária com a natureza. Apesar de hipoteticamente não possuir a beleza juvenil, seu estado senil conseguirá sobrepujar a natureza. Desta forma, a persona suaviza o aspecto negativo da perda da juventude, pois Maria, ainda que velha, sobrepujará com a brancura dos cabelos a brancura da natureza, numa comparação hiperbólica178. La buena vejez consiste en un envejecimiento lento y sin sufrimiento. Porque no es buena la vejez si uno envejece deprisa o despacio pero con sufrimientos. Tiene que ver con la excelencia del cuerpo, pero también con la suerte, pues no se puede estar libre de achaques y sufrimientos sin ser vigoroso ni estar libre de enfermedad, pero tampoco podría uno llegar a una edad avanzada sin la ayuda de la suerte. Y hay, además del vigor y de la 177

Note-se que no soneto inteiro não aparece a palavra unívoca cabello.

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Evidencia o aspecto de que envelhecer é melhor que morrer.

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salud, otra condición de la longevidad, ya que muchos son longevos sin las excelencias del cuerpo... (ARISTÓTELES, Retórica, I, 5 1361b).

O último verso é a chave do soneto, a exortação hedonista do goza, repetido duas vezes no uso da epanalepse, com diérese dos três substantivos em ordem, sintetizando cada um deles os elementos que caracterizam a mulher e que são a base de sua formosura – color, luz, oro – em assíndeto, determina a urgência do aproveitamento dessa riqueza pictórica. O conselho hedonista figura no final do soneto como epífonema das rationes encenadas em forma de elogio. Así pues es evidente que es más importante aquello que la discreción define como tal en primer lugar. También lo que se refiere a los mejores, en general o en tanto que son mejores, como la valentía es mejor que la fuerza. O lo que elegiría el más noble, en general o en tanto que es más noble, como sufrir injusticia antes que cometerla, pues eso es lo que elegiría el más justo. O lo más placentero, antes que lo menos placentero, pues todo el mundo persigue el placer y desea sensaciones placenteras por sí mismas, y fue en estos términos como quedaron definidos el bien y el fin. Es más placentero lo que comporta menos sufrimiento y da placer por más tiempo. Como lo es lo más hermoso que lo menos hermoso, pues lo hermoso es o bien placentero o bien preferible por sí mismo. También son mayores bienes aquellos de los que uno desea más ser causante, para sí o para sus amigos, y mayores males males aquellos que uno lo desea menos. (ARISTÓTELES, Retórica, I, 7 1364b).

O texto apresenta algumas particularidades: é um conselho hedonista, adere ao topos do carpe diem, e é, também, um elogio da beleza. Este mesmo elogio, no presente, serve como argumento para convencer a destinatária a usufruir sua beleza. Outro argumento que aparece de forma implícita no texto, da necessidade do gozar a formosura, é a insistência, principalmente na composição estrutural do texto, na ação destruidora do tempo, futuro próximo, e na alusão indireta, do fim último, que não é a perecibilidade da beleza, já que há uma valorização da beleza senil, mas o aspecto negativo da mortalidade. Note-se como a estrutura, goza, goza el color, la luz, el oro, explicitamente, fecha o poema, mas poderia aparece implicitamente mais duas vezes no texto, diante das orações iniciadas pela locução conjuntiva antes que, amplificando a necessidade de usufruir o presente e o tesouro de “la buena suerte”, que é a sua

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formosura (ARISTÓTELES, Retórica, I,6, 1362a). A estrutura em soneto também serve como suporte para o retrato de Maria, um quadro miniatura patenteando o preceito horaciano do ut pictura poesis179. Em conclusão, o soneto de Góngora junta, de forma aguda, alguns lugares retóricopoéticos do elogio nas imagens petrarquescas da mulher idealizada, os filosóficos do memento mori e da vanitas e o poético do carpe diem.

4.2.2.Terceyra vez impaciente muda o Poeta o seu Soneto na forma seguinte Passemos agora ao comentário do texto de Gregório de Matos. Nosso enfoque se dará nos aspectos que os diferenciam. A primeira estrofe do texto gregoriano segue basicamente as mesmas linhas de construção e sentido que as do soneto anterior. Vale a pena comentar que o epíteto ilustre é substituído por discreta. A persona em sua invocação (primeiro verso), particulariza além da beleza superior de Maria, o caráter da prudência, valoriza a inteligência da dama, guardando o decoro relativo ao elogio. No segundo verso, a perífrase verbal em gerundio – estamos vendo – guarda a mesma relação de sentido – ver – marcando a continuidade da ação, não a sua fixação no tempo, e o sujeito oculto nós implica a abrangência dos que desfrutam a beleza pela visão. No terceiro verso o uso do substativo próprio Aurora, além de personificar o fenômeno natural, eleva-o a condição de divinização do fenômeno, a beleza de Maria não é só comparável com os melhores atributos da natureza, mas atinge um status sobrenatural. O quarto verso é uma complementação, com estrutura simétrica, dos atributos físicos de Maria. A metáfora dos olhos

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“La poesía es como la pintura; habrá una que te cautivará más si te mantienes cerca, otra si te apartas algo lejos; ésta ama la penumbra; aquélla, que no teme la penetrante mirada del que la juzga, quiere ser vista a plena luz; ésta agradó una sola vez; aquélla, aunque se vuelva a ella diez veces, agradará (otras tantas)” (HORÁCIO, Poética, 360).

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é construída com o Sol, e não com o epíteto do sol (Febo), ou seja, há uma valorização do brilho dos olhos, sem alusão de figura mitológica. O dia serve como metáfora para boca e não para testa (frente). Basicamente, esta estrofe guarda as mesmas imagens que a estrofe gongorina, e são estes os elementos que notamos como distintos e que pouco mudam o sentido da outra estrofe. Na segunda estrofe, as diferenças começam a partir do segundo verso. A persona descreve o cabelo de Maria desalinhado pelo vento. O segundo verso começa com o sujeito – o ar - semânticamente mais abrangente que vento, para depois qualificá-lo, numa comparação – que fresco Adônis180 te namora. Personifica-se o vento, sugerindo que o ar, guiado pelo gosto, se encanta com a beleza de Maria e a corteja, desajeitadamente (com gentil descortesia). Além disso, compara o ar com Adônis, deus da mitologia grega que representa a beleza, elegância e a efemeridade da vida, assim como o movimento do ar também é efêmero. Explora o aspecto do movimento/ não movimento, restringindo o ar a um só deles. No terceiro verso especifica a ação que este sujeito simples produz, revelando a preocupação em retratar o movimento, quando centraliza a descrição no ar, retomando a mesma idéia de continuidade temporal, expressa pelo verbo no gerundio, na primeira estrofe – vendo. Focaliza a atenção no movimento (na fluidez do tempo) e não na rigidez de uma cena a outra. O epíteto – rica – alude à cor do cabelo, louro, por alusão, já que é, por excelência, o tipo de cabelo que serve como modelo na composição da beleza feminina, nas imagens petrarquescas e de outros autores da época. No poema de Góngora sua especificidade se dá nas perífrase epifrásicas, coordenadas entre si, aqui, a persona braquilogicamente, o sintetiza na imagem rica. No quarto verso, continua a descrição 180

“Adônis – o Senhor. Filho incestuoso de Mirra (ou Smirna) e de seu pai, Cíniras, rei de Pafos e de Chipre, com o qual ela se deitou (ele havia sido embebedado por sua nutriz) na escuridão, fazendo-se passar pela rainha. Adônis nasceu na Síria. Crescido, foi para Biblos, na Fenícia, onde se dedicava à caça. Afrodite o viu e apaixonou-se pelo belo adolescente. O ciumento marido da bela deusa, Ares, enviou um javali para atacar Adônis e feri-lo mortalmente. Afrodite transformou seu sangue em anêmona, flor primaveril tão efêmera quanto a vida do jovem deus. Chegando ao Inferno, Adônis inspirou um forte amor em Perséfone, a esposa de Hades, enquanto, na Terra, Afrodite suplicava a Zeus que devolvesse a vida a seu amante. Cioso de ser justo, o rei dos deuses decidiu que Adônis passaria seis meses do ano no mundo subterrâneo, em companhia de Perséfone, e seis meses na Terra, com Afrodite (há diferentes versões da lenda de Adônis)” (JULIEN, 2002, p. 16).

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do vento indicando o momento da ação do corteggiare, concentrando a atenção no movimento – quando vem passear-te pela fria. Inicia o verso com conjunção temporal – quando – desdobrando o verbo passear na perífrase – vir (presente do indicativo) + passear (infinitivo) – configurando uma continuidade temporal . Termina o verso com a adjunção – pela fria. Quando analisamos a elocução, apontamos como este verso corresponde sonoramente ao verso gongorino, contudo soa estranho em sua própria estrutura. Esta ruptura do verso, sem continuidade da idéia na estrofe posterior, nos obriga a pensar no referente do epíteto fria. Fria é epíteto de Aurora, termo de comparação para as faces da moça. Há uma troca, no movimento do ar fresco no rosto, de um rosado frio, uma correspondência do cortejo no movimento de equilíbrio térmico. Nessa estrofe, a persona continua a descrição cuidadosa da bela mulher em imagens que sugerem o deslocamento do tempo (transitoriedade). A terceira estrofe inicia-se com a epanalepse do verbo goza, ou seja, a oração principal que rege os dois quartetos localiza-se simetricamente no meio do soneto. A repetição do verbo imprime urgência do aconselhamento e a disposição gráfica reforça o aspecto central do aproveitar. Na seqüência, o objeto indireto – da flor da mocidade – recupera, no sintagma nominal, os elementos que serviram para caracterizar a juventude e beleza de Maria. Notar o substantivo flor181, que torna mais densa a informação sobre a mocidade, isto é, concentra-a na essência da mocidade, além de aludir a flor, metáfora da beleza frágil e fugaz. O segundo verso é uma personificação182, transferindo para o tempo a característica de trotar, como um cavalo183, 181

Vejamos como a flor aparce como topos da vanitas: “La flor ya fue en la Biblia uno de los más importantes símbolos de la vanitas: ‘Toda la carne es hierba y todos sus bienes son como una flor en el campo. La hierba se agosta, la flor se marchita cuando el Espíritu sopla. Sí, el pueblo es la hierba’ (Jesaías 40, 6, 7). El salmo 102 formula el pensamiento de una forma similar a como lo hace Homero, citado antes: ‘Mis días son como una sombra, y yo me seco como la hierba’ (Salmos 102, 12)” (BIAŁOSTOCKI, 1973, p. 197). 182 É difícil entender a configuração da imagem como personificação, já que, deve-se entendê-la como transferência de atributos humanos a objetos. No entanto, há em Herrera (s/d, p. 190) uma figura chamada metacoge que corresponde melhor a operação elocutiva utilizada por Gregório de Matos “[...]cuando se refieren las cosas, que pertenecen al sentido a las que carecen del, como reir el campo, alegrarse la tierra &c”. 183 No verbete tiempo em Covarrubias (1995, p. 919) aparece a imagem do centauro representado o tempo. Vejase o verbete na íntegra: TIEMPO. Latine tempus, Ris, est intervallum mundi et motus divisus in partes aliquot, a solis et lunae cursu, a quorum tenore temperato tempus dictum est. Tener tiempo, tener lugar. Llegar a tiempo, llegar a sazón. Andar con el tiempo, acomodarse. A un tiempo, juntamente y en una sazón. Dar tiempo al tiempo, dar lugar. 2. En la música, en el juego de la esgrima y en el de la pelota, usan deste término tiempo. 3.

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intensificando a expressão com o adjunto adverbial de modo – a toda ligeireza – marcando a velocidade da passagem do tempo, reforçada, ainda, pelo uso do substantivo ligeireza em lugar do adjetivo, e pela aliteração do /t/ e assonância do /o/. O último verso revela a conseqüência da passagem do tempo: E imprime em toda flor sua pisada. Termina a estrofe e encerra a explicação. O tempo, como o cavalo, deixa marcas (pegadas). Esta oração é explicação e perífrase para as marcas na flor (metáfora de mulher), marcas na mulher, isto é, rugas. La figura del tiempo y las asociaciones unidas a él juegan un papel importante en la iconografía de la vanitas. La puesta en contacto de Crono con Saturno trajo consigo un repertorio iconográfico mucho más rico. De este modo, el tiempo fue representado de una forma personificada, pero también se mostró su efecto desde el momento en que se representó la vejez, opuesta en muchos casos a la juventud. (BIAŁOSTOCKI, 1973, p. 195)

A quarta estrofe é uma oração composta que recupera o conselho dado na estrofe anterior, epímone dos pensamentos anteriormente expressos. O primeiro verso, iniciado com interjeição, é uma exclamação para chamar a atenção da destinatária, na amplificatio afetiva. Na seqüência, aparece o verbo aguarda, no imperativo negativo, advertindo que o momento para ser aproveitado é o presente. Fecha o verso declarando o que não deve ser esperado: a madura idade. Fica muito clara a oposição, flor da mocidade/madura idade, antagônicas e aproximadas sonoramente, significando a rápida mudança que o tempo opera. No segundo verso, temos a continuação da subordinada substativa objetiva direta iniciada com pronome te e o verbo converter no presente do subjuntivo. O pronome restringe a qual sujeito (no caso Maria) se dará a conversão e quais os elementos convertidos. A persona restringe o poder transformador do tempo à destinatária, sua afirmação não engloba os seres humanos em geral, que sofrem a mesma ação temporal. Na contituidade do verso aparece o objeto que será mudado, – em flor, Hacer buen tiempo o mal tiempo. [Nulla maior temporis iactura est, dice Livio. Usar dél como del agua, que tanta se tiene cuanta de la fuente se coge. Jeroglífico del tiempo es la culebra y ésta: Tacite proserpit, porque sigue su vereda con sordos movimientos, sin hacer ni un liviano estruendo. Bien dijo Cicerón: "Ita sensim sine sensum actas senescit, nec subito frangitur, sed diuturnitate extinguitur". Es también jeroglífico del tiempo el centauro, la mitad de cuerpo de hombre, la mitad caballo y ésta: Tempus. Dice este monstruo la ligereza con que la vida de los mortales se pasa. Bien lo pondera Euquerio diciendo: “Mira lapsi lubricitate incauti semper arripimur”. N.].

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essa beleza. A anástrofe dos objetos indireto e direto configura, graficamente, a inversão causada pelo tempo, numa dissimulatio. A falsa impressão é a de que se dará, de forma inverossímil, a conversão da beleza da moça em uma beleza ainda mais jovem ou, uma metamorfose que converta a linda jovem em flor. Só a partir da leitura do terceiro verso é que o sentido se aclara. O terceiro verso é a tradução quase literal do último verso do soneto de Góngora, Mientras por competir con tu cabello. Todavia, no soneto gregoriano, adquire um sentido bastante diferente do original do qual foi retirado. O verso, uma congéries de sinonímia amplificante, reflete o futuro da beleza de Maria, numa ordem decrescente de valores, até a extinção total, na repetição em cinco isócolos. A beleza em flor não segue o mesmo processo de desdobramento em estruturas simétricas, de disseminação e recolha, como em Góngora. Gregório opta por sintetizá-lo de forma absoluta – em flor, essa beleza. O último verso que afirma a decadência da beleza em várias fases nos permite imaginar essa gradação como o desfolhamento da flor. O tempo que arranca pétala a pétala e cada palavra (terra, cinza, pó, sombra, nada) é a imagem da flor, passando por várias fases até chegar à velhice. Pudemos observar que os dois textos trabalham com alguns topos do gênero carpe diem. “El tema Collige, Virgo, rosas ... Tópico ya en poesía latina (Horacio, Ovidio), tópico en toda la poesía renascentista europea” (ALONSO, 1964, p. 184). Nos dois poemas, o elogio da beleza feminina serve como argumento para induzir a bela Maria a gozar seus atributos. [...] la primera mira aún a la primavera, a la belleza, a la esperanza, la segunda al invierno, al horror, al desencanto. Pues bien, en general los tratamientos renascentistas (italianos y aun españoles) del tema se detienen en el lado mórbido, juvenil, sensual, y apenas entreabren como un espanto futuro, remoto, el lado horrendo (ALONSO, 1964, p. 189).

Tentemos agora sintetizar quais os sentidos dados, por cada autor em seus textos, graças às escolhas elocutivas que fizeram. Em seu soneto, Gregório de Matos retoma alguns dos lugares-comuns que caracterizam o carpe diem, segundo a relação dada por Cairns (apud ACHCAR, 1994). Aparecem as

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considerações sobre a fugacidade da existência, com antíteses mocidade/madura idade, claridade/sombra, imagens que enfatizam, através do contraste, a juventude e a velhice, e exortam ao gozo do presente, já que o tempo flui e a juventude fenece. Diferentemente de Góngora, no texto gregoriano o conselho se dá através de um entimema, guardando o decoro interno da discrição atribuída a jovem, desenvolvido nos dois tercetos. Além disso, o texto gregoriano marca uma preocupação maior em descrevernos a beleza de Maria num quase movimento. Descreve-a inserida num tempo que transcorre. Vejamos a conclusão a qual chega Salles (1975, p. 57): Em Góngora, o texto se organiza com maior circularidade e a figura feminina se humaniza mais; a idéia do prazer constitui um foco de projeções sensuais. Já em Gregório o apelo se fez direto, a visão se fez concreta e o conflito prazer e morte assume sua violência real.

Salles, na verdade, transfere para o texto de Matos o sentido que é do texto gongorino. O último verso do texto, que no soneto gongorino do qual foi retirado, representa um memento mori184, no soneto de Matos adquire um sentido restrito à perecibilidade da beleza, confirmável pelo último verso do outro soneto, TERCEYRA VEZ IMPACIENTE MUDA O POETA O SEU SONETO NA FORMA SEGUINTE, que é uma reelaboração deste. O verso: É cada dia ocaso da beldade. O soneto de Gregório de Matos é, sem dúvida, uma imitação dos sonetos gongorinos. Num primeiro olhar, temos a impressão de que se trata tão-somente de uma tradução, mas quando os analisamos detidamente, percebemos que, Gregório de Matos produz uma poesia bem de acordo com os pressupostos de criação literária de sua época, já que o seu 184

Segundo Torrecini (1983, p. 626) “El soneto A [Mientas por competir con tu cabello], con su desarticulación hierática, y el soneto B [Ilustre y hermosísima María], con sus duplicaciones y su trabajo formal, no son sino dos facetas de la misma actitud. No sólo de una actitud existencial muy compleja y.remota ya de la naturalidad del renacimiento; sino de una actitud formal que consiste en trabajar en los códigos, dentro de ellos, frente a ellos, con plena conciencia de su existencia. El código añejo del ‘carpe diem’ en el soneto A, entre en vano inicial y nada final, queda destruido tanto en el “carpe” como en el ‘diem’, porque, no habiendo nada, no hay día de que decir ‘carpe’. El soneto B, colocando entre paréntesis la amonestación del ‘carpe’ (antes que escondido en los versos interiores) y activando una retroacción del oro a la hora y a la aurora, pone en primer plano, a través del mensaje informal de un ahora, todos los elementos del día”.

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texto cita, na imitação, o outro, e opera com mesmos lugares da invenção, mas, nas escolhas elocutivas, distancia-se do modelo e, aproxima-se mais do topos horaciano ou de Garcilaso, na referência a brevidade da beleza. “No especules sobre lo que aún oculta el futuro, acepta cada día como un nuevo regalo, y no prestes atención al hechizo, ni al baile que ofrece el amor...” Estas conclusiones de Horacio son similares a las conclusiones a que llega Trimalción con Petronio; cuando un esclavo trae en el transcurso de la comida, el esqueleto plateado ritual... (BIAŁOSTOCKI, 1973, p. 186).

Góngora também traz em seus sonetos certos topoi do carpe diem, ou seja, considerações sobre a fugacidade da existência retratadas através de várias antíteses, a exortação ao gozo, a advertência sobre a velhice. Mas o soneto não se restringe a isso. Góngora trabalha com a questão essencial do tempo sem nomeá-lo, através das estruturas gramaticais. Seu argumento é o elogio da beleza em oposição à sua transformação no sentido contrário e vai além disso. A conclusão que nos expõe Dámaso Alonso (1964, p. 189), para Mientras por competir con tu cabello, pode ser a mesma para Ilustre y hermosísima Maria, desde que lembremos que a referência às imagens da decadência e da morte são braquilogicamente referidas e que o conselho, ofuscante, no final, é o que fica: Y así, en ese grito final del soneto de Góngora, aún de aviso postrero, aún de esperanza, goza, goza el color, la luz, el oro... Mas en el segundo, ha caído un grano más en el reloj de arena. In ictu oculi, se ha desbaratado o derrumbado, como vana cristalería, la imaginería juvenil y alocada, y queda la descarnada verdad: la terrible conversión en tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada...

A terrível conversão aparece também em Ilustre y hermosísima Maria, como dissemos, nos versos – claro día vuelto en noche obscura,/huya la aurora del mortal nublado. Nesse soneto, especialmente, situa um memento mori, sutilmente exposto em – noche obscura e mortal. A morte aparece, numa imagem difusa de pano de fundo, para aconselhar Maria ao gozo,

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advertindo-a sobre a brevidade da vida, em seu auge, durante a juventude despreocupada, refletindo assim o topos pictórico Et in Arcadia ego: Pero ni siquiera la imagen del país de la felicidad eterna, creada artificialmente, pudo eliminar del pensamiento humano la idea, siempre viva, que le atormentaba. Los poemas idílicos más famosos —la Aminta de Tasso, el Pastor fido de Guarini, o la Granida de Hooft—, siempre se refieren a una tragedia que se desarrolla en el mundo de la felicidad; estas obras se concentran en la representación dolorosa del destino humano en medio de la belleza y la quietud de un paraíso de pastores. Su principal motivo psicológico es el afán de encontrar la alegría perdida. “Es curioso que sea precisamente en la alegría, durante la juventud, en los más hermosos lugares y épocas del año, cuando el hombre se siente más inclinado a ver el fanatismo de los afanes, a mirar más allá del mundo, a observar la representación de la muerte, en lugar de hacerlo en el caso opuesto, en la vejez, en la necesidad, en el invierno”, escribió Jean Paul a Emmanuel el 11 de julio de 1795. Al mismo tiempo que se crea la imagen poética de Arcadia aparece allí una tumba: en el caso de Virgilio es la de Dafnis. Desde entonces, el pensamiento de la muerte siempre se halla relacionado con el país de la felicidad. En un cuadro de Guercino del año 1623 se ve a dos pastores que miran con temor un cráneo que se han encontrado inesperadamente en medio del lírico paisaje; la inscripción que hay sobre la tumba dice: Et in Arcadia ego; son las imaginativas palabras de la muerte que advierte de su presencia, incluso en Arcadia. A partir de entonces este motivo se difunde, convirtiéndose en una de las más importantes formas de configuración de la idea de la vanitas durante los siglos XVII y XVIII.

A questão toda não se conclui com a reflexão da fugacidade do tempo cuja conseqüência é a perda da beleza e a velhice. Ela se extende e faz da reflexão da perecibilidade um topos da vanitas. É preciso aproveitar agora porque a vida acaba. Os mesmos topoi da fuga do tempo, da decadência da beleza e da efemeridade da vida que fundamentam o desengaño, servem para dar ao conselho hedonista urgência desmedida. Goza, que o futuro, é o não-ser. Góngora constrói seu carpe diem com alguns lugares do desengaño estóico e cristão, na configuração da vanitas. Os sonetos de carpe diem de Góngora representam a visão de uma classe culta que se preocupou em expressar o lado tenebroso da morte, (discurso oposto ao da igreja, para a qual a morte é a libertação das atribulações da vida terrena), vinculando-a com o conselho hedonista de gozar a breve ilusão da beleza e da juventude. Desta forma, o cordovês se aproxima mais do conselho hedonista do latino Catulo na exaltação da vida e deprecação da morte:

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Si el estoicismo anunció la impotencia del hombre ante su trágico final, la poesía pagana romana, ajena a la escatología, expresó a menudo la conmoción ante el trágico destino humano (Catulo: “Melae tenebrae, Orci, quae omnia bella devoratis”; tus peores tinieblas, Orco que ocultan todo lo hermoso) y en ocasiones extrajo conclusiones marcadamente hedonistas: la idea de la vanidad y el pensamiento de la mortalidad de la vida humana y de sus valores dirigieron el pensamiento hacia la búsqueda del mayor placer posible en la vida, mientras aún haya tiempo... (BIAŁOSTOCKI, 1973, p. 186)

Para finalizar, vale a pena evidenciar que em relação à invenção retórica, os dois poetas utilizam mesmos lugares do elogio da beleza, da passagem do tempo, da efemeridade da beleza em imagens da velhice. Contudo Góngora inclui também o memento mori. Esses lugares serviram para fundamentar o conselho hedonista, obedientes às regras relativas ao gênero epidítico e ao deliberativo. Novamente, é na elocução que os dois autores se distanciam. Góngora utiliza metáforas meteorológicas para fundamentar as rationes do conselho hedonista, dissiminandos-as, nos dois quartetos, como imagens de luminosidade e cor e depois retomandoas, em fenômenos opostos, como refutatio. Ao final, exorta ao gozo, na diérese acumulante, dos conceitos luminosos que permitiram a aproximação metafórica. Explora, assim, o ut pictura poesis horaciano, em imagens que se refletem como num espelho185, a claridade/juventude e a obscuridade/velhice/morte. Gregório de Matos utiliza as mesmas imagens gongorinas, como já vimos, nos quartetos. Assim, sem considerar esta imitação como um gesto de “pirataria”, concluímos que o encaminhamento do elogio em forma de argumento deliberativo é o mesmo, com suas pequenas variações. A partir dos tercetos, Matos mostra sua engenhosidade no distanciamento das escolhas elocutivas. Abandona as metáforas meteorológicas, sintetizando-as na metáfora flor e a partir daí desenvolve o topos da passagem do tempo, numa alegoria, 185

“A finales del siglo XVI ya era muy rico el repertorio de motivos que servían para representar la idea de la vanitas. El espejo, que muestra la imagen engañosa de la realidad, jugó aquí un papel importante en conexión con el motivo de la vanidad humana. En el retrato de Burgkmair con su esposa, de Laux Furtenagel (Viena), el espejo refleja dos calaveras en lugar de dos rostros. Un papel similar juega el espejo en una pintura de un sucesor del maestro de las semifiguras femeninas (Varsovia, Museo Narodowe). Más tarde, el espejo también aparece en Jordaens y en Moreelse, así como en la monumental Vanitas de Leonard Bramer, conservada en Viena, que representa a un hombre con el espejo y a un esqueleto con la calavera en las manos, junto a una mesa por la que yacen desparramados diversos objetos destruidos. El espejo también es un motivo central en la pintura de la Vanitas de la escuela Honthorst, en la Gallería Barberini” (BIAŁOSTOCKI, 1973, p. 196-197).

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personificando-o na imagem eqüestre e a destruição que opera com seu trote sobre as flores, como a fugacidade da beleza operada pelo tempo. A estrofe é um entimema, onde o conselho hedonista - Goza, goza da flor da mocidade, é seguido das razões para fazê-lo. A última estrofe é uma epímone da mesma ratio sobre o poder destrutor do tempo. A repetição ratifica o conselho, encaminhado de forma lógico-argumentativa, portanto mais retórica, marcando assim a diferença fundamental entre os dois discursos, já que o soneto de Góngora é mais poético 186 porque evita a humilitas do uso de termos unívocos, usa mais acentuadamente as metáforas e escolhe um modelo elocutivo em que não figura o entimema.

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Retórico e poético devem ser entendidos com o sentido que assumem nas Retóricas e Poéticas. Segundo a Retórica a Herênio (IV) e Aristóteles (Retórica), um discurso com ornamentação elocutiva muito cuidada e que deixa transparecer os recursos do artifício, é poético, e serve mais para deleitar que para persuadir. Quando utilizamos os termos para diferenciar Góngora e Gregório de Matos é preciso guardar as devidas proporções, já que é evidente que o texto do poeta baiano também é poético.

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Conclusão

Ao longo desta dissertação tratamos de estabelecer algumas questões relacionadas com os sonetos de Góngora e Gregório de Matos. Confrontamos os textos de par em par, aproximando-os, primeiro por utilizarem a forma fixa do soneto, segundo, por pertencerem gênero epidítico. Logo, subdividimos o gênero em três outros, classificados a partir do topos instaurado como discurso sobre a morte e/ou mortalidade em: desengaño, consolação e carpe diem. A partir destes parâmetros estudamos o funcionamento dos lugares-comuns da invenção retórica e da operação elocutiva que os dois autores fizeram destas regras. Tratou-se de evidenciar à sujeição dos poetas a preceptiva, fundamentando nosso ponto de vista em algumas retóricas e poéticas (que já mencionamos ao longo do trabalho) em relação à composição do elogio. Todos os sonetos são predominantemente elogios, mas compostos de maneira a funcionarem também como textos exortativos. Isto significa que também seguem regras do gênero deliberativo. Fundamentamos nossa leitura principalmente nas preceptivas retóricopoéticas justamente para afastar-nos de leituras que buscam a originalidade da obra gongorina ou que sustentam uma opinião negativa da obra gregoriana, tendo o cuidado de mostrar algumas autoridades gregas, latinas, quinhentistas, seiscentistas (e até setecentistas) a fim de corroborar a existência dos lugares da invenção retórica dos poemas, relacionando-os com outros discursos não especificamente poéticos. Foi possível verificar que os dois poetas tratam em alguns momentos de dispor dos lugares da invenção para determinados temas. Buscamos mostrar que esses topos não eram exclusivos nem de Góngora e nem de Gregório de Matos, enquanto imitador do poeta cordovês. Mostramos, mesmo que em poucos textos, que os lugares da invenção poderiam ser regras cristalizadas nas mesmas retóricas e poéticas, mas que apareciam em vários outros textos, às vezes temporalmente distantes dos poetas, contemporâneos e em

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alguns casos, posteriores, de tal forma que é possível perceber que esses lugares continuaram a vigorar muito tempo após a morte de Góngora e Gregório de Matos, pois independiam deles. Significa dizer que os lugares da invenção dos textos dos dois poetas são referência para vários outros textos que em muitos casos não pertencem sequer a esfera das Belas Letras. Desta forma, podemos concluir que, em relação à invenção que aparecem nesses sonetos, efetivamente independem dos poetas. Consideramos, em nossa análise a invenção retórica como quaestio infinita ou uma hipótese (categoria retórica) aplicada à uma quaestio finita (tese) vinculada a uma determinada ocasião. Se nos sonetos de consolação não é possível afirmar a citação de Góngora em Gregório, apesar das evidentes semelhanças no que tange à invenção e alguns recursos elocutivos, cumpre-nos fazer notar que obviamente o soneto de escarmiento e de o de carpe diem de Gregório de Matos são uma imitação dos sonetos de Góngora, ou como afirmam Pécora e Hansen (“Letras Seiscentista na Bahia”), “pirateados” dos sonetos gongorinos187. No entanto, nos dispusemos a especificar as diferenças que existiam entre os discursos. Essas diferenças se deram efetivamente na ornamentação dos “pensamentos” da invenção e na disposição dos mesmos, além da escolha de lugares-próprios de cada poeta. Lugares esses que especificamos em cada capítulo, mas que, apesar de serem próprios de cada poeta, não deixam também de participar do grande lugar-comum retórico. Assim, é na disposição dos lugares e na ornamentação do discurso que se distinguem. Góngora, em seus sonetos, põe em cena metáforas de base que trata de desenvolver, coerentemente, enquanto relacionadas com a mesma idéia de base. Vejamos: utiliza a metáfora Fênix para a duquesa de Lerma e relaciona não só a imagem da ave com a nobre, mas concilia diversas imagens do mito com os pensamentos da vida e da morte da duquesa e aspectos da vanitas e da mortalidade. Matos imita o poeta, mas introduz outra série de imagens que não guardam uma relação de coerência tão estrita: deidad, 187

Entre os sonetos satíricos há um, na edição de James Amado (ps. 603,604), cuja didascália diz: RESPOSTA DO VIGARIO LOURENÇO RIBEYRO ESCANDALIZADO DE QUE O POETA Ó SATYRYZASSE DO MODO QUE FICA DITO. Nesta sátira, acusa-se o poeta de “pirata do verso alheio”. Vejamos a estrofe: “O soneto que mandaste/ ao Arcebispo elegante/ é do Góngora ao Infante/ Cardeal e o furtaste:/ logo mal te apelidaste/ o Mestre da poesia/ furtando mais em um dia,/ que mil ladrões em um ano:/ não te envergonhas, magano?

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sol/sombra, flores, Real Capitânia. O mesmo processo de mudança das metáforas também acontece no soneto de carpe diem. Góngora opera com metáforas meteorológicas para amplificar a beleza de Maria e posteriormente, com as imagens opostas, na relação antitética, figura a passagem do tempo e a mortalidade. Gregório segue o mesmo modelo de amplificação da beleza da jovem, contudo opta por um encaminhamento argumentativo da passagem do tempo. Desta forma utiliza outras metáforas, como flor, terra, cinza, sombra, nada, além da personificação do tempo na imagem do cavalo. No soneto de consolação, as imagens em alguns momentos são muito próximas, vinculadas principalmente a questão da santidade do religioso elogiado. Mas, em nossa leitura não consideramos os textos no enquadramento da citação, ou imitação/citação, daí que cada um, apesar dos lugares da invenção serem coincidentes, tratam bastante especificamente o objeto do elogio: em Góngora os ornamentos são utilizados em maior medida para o sepulcro e em menor medida para o cardenal. Além disso, não podemos esquecer o elogio aos seus ascendentes. Note-se, que Góngora utiliza a imagem do escudo de armas para aludi-los e na seqüência, transforma a imagem do escudo de armas, no novo campo habitado por todos. Gregório de Matos compõe o elogio centrado na figura do Prelado e especifica, nas imagens, a ação do mesmo no mundo, ou melhor, no hemisfério ultramarino. Mas o que mais evidencia a diferença entre os dois poetas, elocutivamente, refere-se ao encaminhamento dado aos lugares-comuns, as palavras, aos tropos e ornamentos. Antes de mais nada, devemos lembrar que não há dúvida de que os sonetos dos dois autores são poéticos e não retóricos, já estão inseridos dentro do gênero maior da lírica. No entanto, como definimos desde o começo da dissertação, existe uma preceptiva retórica para persuadir e uma poética, para deleitar, mas cujos conteúdos, preceptistas, estão, o tempo todo, numa relação de referência ou quem sabe de interferência, principalmente no que tange à elocução. Como vimos ao longo do nosso estudo, Góngora explora mais detidamente à relação das palavras e dos tropos, de forma muito coesa, buscando fugir da humilitas, principalmente no

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uso de uma metáfora de base e no desenvolvimento do campo semântico a ela referido, desdobrando várias imagens na composição dos argumentos do elogio e da deliberação. Opera principalmente com a obscuritas do discurso, com a braquilogia, as figuras paradoxais, o quiasmo e a hipotipose, bem de acordo com o ut pictura poesis horaciano. Há uma predileção por aproximar conceitos distantes, revertidos em metáforas ou em outros tropos, além de utilizar tropos compósitos do ornatus difficilis. Em razão disso, mesmo quando o soneto é de genus medium, como o carpe diem ou a consolação, apresenta sempre altos graus de estranhamento, muito próprias do genus vehemens. Evidencia a perfeição elocutiva do artifício, para maravilhar, e portanto, é mais poético. Gregório de Matos, em geral, nos sonetos estudados, utilizou dos mesmos recursos elocutivos de Góngora, quando da citação do modelo. No entanto, optou por desenvolver os sonetos, quando se afastou do modelo, de forma definitivamente diferente. O poeta baiano está muito distante do genus vehemens da autoridade gongorina. Prefere encaminhar a elocução operando com a epífrase, com o epífonema, a reiteração por repetição da epínome e o estilo da oratio perpetua. Utiliza também os tropos, mas muito menos os compósitos, e há uma variação das metáforas dentro do mesmo soneto, distanciando-se da coesão das imagens metafóricas sempre presente em Góngora. Além disso, este sujeito que dá nome ao corpus Gregório de Matos, optou por utilizar obstinadamente o entimema, esse silogismo retórico que trata de fazer o encadeamento lógico-argumentativo de proposições verossímeis a fim de convencer o interlocutor não somente pelos afetos despertados, mas principalmente pela evidencia das proposições, das rationes, para orientar, persuasivamente, a uma única conclusão. Assim, cada um dos nossos poetas está de um dos lados dessa regra da Retórica a Herênio (IV, 32) A fé, a gravidade e a severidade oratórias são prejudicadas pelo acúmulo desses ornamentos, que não só anulam, como ofendem a autoridade do discurso, pois em discursos assim há lepidez e festividade, não dignidade e beleza. O que é grandioso e belo agrada por mais tempo, o que é lépido e harmônico satura muito rápido o ouvido, sentido que tão fácil se entedia. Se usarmos, pois, desses ornatos com freqüência, parecerá que nos deleitamos

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com uma elocução pueril; se, no entanto, os inserirmos com parcimônia e os distribuirmos variados por toda a causa, abrilhantaremos comodamente o discurso com luzes distintas.

O encaminhamento poético de Góngora maravilha, mas deixa alguma abertura para o interlocutor decidir, sem ser coagido, principalmente por que ainda não pode deslindar toda a imagética do discurso. O encaminhamento retórico de Gregório de Matos indica apenas uma possibilidade e não há como fingir que não houve perspicuitas suficiente.

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